terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Renascimento


só quem tem ouvidos
escuta o silêncio
só quem possui olhos
vê a escuridão
só quem tem língua
sente gosto ruim
só quem tem boca
sente fome
só quem se sente morto
pode desejar renascer

                                                 Igor Zanoni

Transcendência

 
Hoje li que a transcendência é a aquisição de princípios, conceitos e estratégias que se estendem da situação presente para outras adiante, e que seu foco não se restringe aos fatos, por exemplo, ou na rememoração, sequer no conhecimento fragmentado. O pensamento elabora uma solução nova a partir da experiência vivida, para o que precisa de informações e conhecimentos amplos, que ofereçam muitos recursos. Seu cerne é o significado energético e emocional que a experiência pode lançar adiante, logo, a transcendência é um processo de aprendizagem. Quem disse isso foi minha amiga Osny Telles Marcondes Machado, coautora com a professora Lilian Anna Wachowski de “ A Escola Que Toda Criança Merece Ter” ( Liber, 2011). Conclui que a transcendência nasce da elaboração cognitiva e afetiva da experiência e que fala da vida que vivemos, o que a torna um conceito sem misticismo, pelo menos em princípio. È desde já um conceito para avaliar como vivemos.

                                                Igor Zanoni

                               

Noturno


após um dia sem naufrágios
sento-me na amurada
e observo o cair do sol
com sua soberba magnificência
ainda agora ouço
abaixo de mim
o rumor da devoração do mar
que me quer
mas não me alcança
quero pensar mas não convém
melhor o gesto pronto
o fôlego inteiro
o braço ainda forte
prendo-me a mim
enquanto metade do mundo se põe
e minha pequena vela acendo
protegendo-a da brisa

                                                          Igor Zanoni

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Sobrenatural


pastor Geraldo Marski veio da Letônia
após a guerra
nela furava o campo gelado à procura
de batatas que ele e sua família
comiam cruas
no Brasil gostava de comprar girassol
descascava e comia a amêndoa
foi o primeiro homem que vi fazer isso
conhecia bem o grego e o hebraico
era uma pessoa madura e inteligente
comia maçã para os nervos
era evangélico e falava a língua dos homens
nunca falou línguas estranhas
mas eu o vi um dia expulsar um demônio
de um jovem
o que me fez crer no sobrenatural
por julgar tê-lo visto

                                                         Igor Zanoni

La Dolce Vita


Como me chamou a atenção meu amigo Ednilson, quem assiste la Dolce Vita custa a se situar e entender do que trata o filme. O personagem principal, Marcelo ( vivido por Marcelo Mastroianni), é um escritor mas ainda não escreveu o livro que deseja, trabalha como jornalista junto a dezenas de paparazzi e se envolve com muitas mulheres, artistas que recebe em Roma ou membros da aristocracia que vivem uma vida pouco compreensível, em festas e deslocamentos, vida  entregue ao ócio e ao descompromisso. Marcelo não tem sequer uma casa, vive aqui e ali, escapando da noiva que lhe tem um amor que ele considera infantil e ingênuo, sufocante. Um amigo, a quem exprime insatisfação por sua vida, diz-lhe que esta é a verdadeira vida e que não ambicione outra, como a que vive ele próprio. O amigo terminará por matar a tiros seus dois filhos e a si mesmo. É interessante que as cenas, sempre em preto e branco, indicam os anos da guerra a princípio, por exemplo, pelas luzes de holofotes no céu, mas depois se passam nos anos cinquenta e sessenta, o que se percebe pelos modelos dos prédios novos e dos automóveis. O descompromisso com qualquer valor duradouro da aristocracia italiana fica assim narrado, mesmo que o tempo passe e que eventos como guerra e reconstrução aconteçam. Fellini é um sagaz crítico do país que ama, como se vê também em La Nave Va e outras películas.

                                                                                   Igor Zanoni 

domingo, 29 de janeiro de 2012

O Evangelho segundo Jesus Cristo


O livro de José Saramago, na esteira tão portuguesa dos intelectuais que naquele país conheceram e combateram o poder material e moral da Igreja Católica, como Guerra Junqueiro e o seu A Velhice do Padre Eterno, consiste em uma bem humorada crítica a um Senhor que por suposto fundamenta o poder da Igreja de Roma. Um dos seus pontos principais é a visão do Velho Senhor como alguém que se sente isolado dos homens, e através da paternidade de Jesus e dos seus sofrimentos, busca recuperá-los para o seu convívio, não através de uma vida mais feliz na terra, ao contrário, mas da esperança em uma felicidade eterna no céu. Esse Deus lança mão dos mártires, das Cruzadas, da Inquisição para construir através da Igreja a sua desejada companhia dos homens. Jesus aparece no livro como alguém que tenta se opor aos planos de Deus, mas fracassa porque o próprio Deus age nele, como taumaturgo e como alguém que ensina e pratica o amor. Saramago resgata o homem Jesus, mas não o Cristo e o seu Pai. A mim parece um pouco ociosa essa reiteração de ateísmo e humanismo do autor, tão própria dos meus tempos de graduação e da nossa herança socialista. Todavia gostaria de levantar apenas dois pontos sobreo livro: 1) Se Deus é Pai de Jesus Cristo, e ambos partilham uma natureza comum, ele esteve pregado na cruz com seu filho e sofreu seus padecimentos. O nosso Deus é um Deus capaz de sofrer; 2) Não há como lutar contra a fé de uma pessoa e de um povo. A própria fé é secreta e misteriosa, nasce nos poros da nossa infância e formação, e mesmo que nos tornemos socialistas, como vem ao caso, essa fé estará presente. Podem-se debater os conteúdos da fé, mas ela em última instância é irredutível e não se deixa perder. Há inúmeras narrativas que recontam a vida de Jesus, como as de Kazantazkis, Anthony Burgess e mesmo Norman Mailer. Acho que nos pontos que toquei aqui elas podem ser consideradas mais interessantes que a de Saramago.


                                                                  Igor Zanoni    

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Revolucionários


Nos meus tempos de graduação e de mestrado, tinha muitos companheiros decididamente revolucionários na ação e no pensamento. Muitos foram presos e depois de livres, ascenderam a cargos políticos, com a antiga integridade ou sem ela. A faculdade era engraçada. Certa vez os alunos da graduação de sociologia levaram um operário para conhecer melhor a classe trabalhadora brasileira. Foi tudo muito politizado e equivocado. Houve outros episódios parecidos mas aqui lembro Carlos, que fazia também sociologia e tinha sempre em mente o potencial revolucionário dos trabalhadores. Fazia declarações como:” O trabalhador sabe onde o sapato aperta o calo” ou “ Os trabalhadores podem ter muitos preconceitos, mas fazem a revolução com eles”. Na faculdade em que dou aula é triste ver a ausência quase total desse espírito de mudar o mundo, mais do que isso, de como um discípulo de Rosa Luxemburgo , crer na espontaneidade operária. Mudou o Brasil, e caímos num reformismo lampedusiano, os professores marxistas pouco apresentam autores novos que falem não de empregados na linha de produção criando valor e mais valia, mas da vida comum das massas, da nossa história sem transcendência. Os alunos são, os melhores, cooptados com empregos no setor financeiro, embora haja alguns com promissor marxismo acadêmico. Nossos autores nacionais são pouco lidos, mas os mais á esquerda perdem o tempo vociferando contra Lula e o PT.  Mas nada dos vistosos trotskistas, dos libelu anarquistas, da festa tão própria dos jovens, hoje atrás com razão de miseráveis estágios.

                                                              Igor Zanoni

domingo, 22 de janeiro de 2012

Boticário


nossas flores parecem cinzentas
mas não repare: é o mundo
no íntimo são vestais
imunes ao tédio
e à corrosão do tempo e dos juros
em qualquer lugar se têm
de inventar um tanto a primavera
ver que em cada moça do Boticário
há um desejo que as luzes
da empresa empanam
há tantas rosas no mundo
antes digamos: na natureza primordial  
intocada pelo mundo
há uma manha que toda garota
sabe usar contra os namoradinhos


                                                   Igor Zanoni

Madalena


arbóreas ervas do meu querer
chuchus em cachos
maracujás em florações lilás
louras morenas em formação
que calor! ablução
rasteiras principiam
como todos nós e gostosas
crescem para todos os lados
deixadas no pasto
se perdem as mudas
entre as abóboras
oh ervas-doces
sobremesa caseira
de nós quem será?
miríades de esquadrilhas
de mutum no teu corpo
alvo iluminado
ai madalena

                                                                  Igor Zanoni

sábado, 21 de janeiro de 2012

Maturidade


depois de vinte e três anos
indo ao cinema com os pais
irmãos ou namoradas
ele decidiu ver um filme
que lhe parecia importante
sozinho
 dirigiu até a cinemateca da prefeitura
comprou o ticket do seu bolso
e após a sessão tomou
um café com conhaque
meditando na sua vida

                                                        Igor Zanoni

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Quadrophenia


muitos construíram então
identidades fortes
combinando amizades e amores
muita festa a cabeça doida
brigas e nenhum motivo que sobrevivesse
para que um não se transformasse
depois da festa em carregador de malas
no hotel  ou professor de economia
muitos eram pirados de Jesus
que passavam em suas bikes
gritando a cada um
“Jesus te ama”
ou artistas cuja arte não sobreviveu
à mudança de clima
outros morreram muitos
da aids de drogas de bebida
mas apesar de tudo deram tudo de si
foi um período não apenas divertido
mas generoso e no qual quase todos
floresceram para o futuro
que não pôde acontecer

                                                             Igor Zanoni

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Buscador


quando as coisas vão mal
as pessoas perdem a fé
outra insistem na fé
e negam que as coisas
estejam mal
ou que não possam ser mudadas
há pessoas para as quais
a melhor confirmação de sua fé
é o mundo ir muito mal
era esperado
foi predito
os homens são maus por natureza
e merecem o que têm
há ainda os que buscam
e colhem indícios do que buscam
no mundo
quando não sabem ao certo
que busca é essa
creem estar no caminho certo
melhor o que busca
do que aquele que crê
ter encontrado


                                                                    Igor Zanoni
                                                                               

Casas

 
1
as casas envelhecem
os beirais estragam
a tinta descasca e queima de sol
pequenos diques na aparência doméstica
é preciso pintar a casa
quem pintará o nosso rosto?

2
você reza toda noite
e depois vai dormir
mas antes você toma o remédio?
então não adianta
é preciso não esquecer também o remédio


                                                                         Igor Zanoni

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Liberdade


o mundo não é uma prisão
precisamos crer na nossa liberdade
como um princípio moral
Madre Teresa de Calcutá ajudava
velhos e doentes em geral a morrer
com dignidade
é preciso chegar antes
a tempo de viver sem medo
não ter medo é uma prerrogativa humana
assim como ser livre


                                                    Igor Zanoni

Compaixão


eu sempre acreditei
em certa compaixão pelas pessoas
pelos animais
pelo ar pela vegetação pela água
mas não a confundo com uma piedade
que se aprende nos cultos das igrejas
a piedade é um êxtase momentâneo
um bem estar que nos redime lacrimosamente
mas a minha redenção é assunto
mais demorado e complicado
falo na boa vontade
em um amor sem dogmas
mas capaz de levar adiante a vida comum
hoje estamos sobretudo sós
por isso a piedade deve ser substituída
por uma serena aceitação
mas também ao lado estará
o questionamento de mim
este é outro assunto já disse
falo dele quando for tempo


                                                                    Igor Zanoni
                                                              

Amores

 
tudo isso que não acaba de fazer-se
que se faz e desfaz
que de dia está pronto e à noite inconcluso
à noite quando estamos indefesos
e tudo mostra sua face feroz
tudo que se converte em atos desejados
de um desejo que não se satisfaz
ainda que a claridade do dia
os mostre prontos e admiráveis
como um monumento em uma fotografia
tudo que são os dias
recomeços da origem
da capo ao fine
infinito limite
paradoxos que à luz do sol
são amores que se impõem
e não se podem consumar

                                                      Igor Zanoni

sábado, 14 de janeiro de 2012

Limites

no meu coração não cabe
a humanidade
meu amor tem limites estreitos
e só dentro deles posso entende-lo
reconhece-lo e faze-lo crescer
posso mesmo assim amar por algum tempo
depois esquecer ou senti-lo estranho
alheio a mim
tento sempre amar aquela pessoa
que está para mim
que chegou pelos difíceis trilhos da vida
mas não posso garantir nada
logo assim por princípio
o amor não tem princípios
não tem finalidades
é melhor deixar as coisas como são

                                                                 Igor Zanoni 

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Sede


o amor não dura
a atração não assegura
o amor e a amizade
tudo isto é uma miragem
na sede que nossa alma tem
de amor e amizade
o sexo produz belas crianças
que depois ficam por aí
com sua própria necessidade
de carinho e amor
e quando crescem um pouco
sentem a mesma sede
de deserto e sol a pino

                                                            Igor Zanoni

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A respeito do amor

 
a respeito do amor
melhor não falar
teríamos de pesar os prós
e os contras
saber se havia alternativa
aos gestos às emoções
pensar não só na nossa alma
mas nas experiências
nos contextos
tais como foram para nós
e talvez não para o outro
imaginar que necessidades
queria cada um satisfazer
muito além do carinho
além da alma
como diria Cartola
melhor calar
pois não pretendo amor
te magoar

                                                      Igor Zanoni

Cofre


quem se importa com essas pequenas memórias
narrativas que costuram a sensibilidade
que logo saltam no íntimo quando sós
sem valor mercantil sem valor no mercado
de imagens e de verdades comuns
dos blogs twiteres e jornais
sem apelo sem sexo reconhecido
sem apelo emocional ou dramático
apenas imagens como a de uma estrada
 na qual pisamos toda a viagem
mas não são o carro nem a habilitação
ou a polícia e o IPVA em dia
não valem nada para ninguém
mas será a nossa última lembrança
quando os amores tiverem passado
as grandes questões forem afinal
deixadas de lado
como o desejo ou a necessidade de controle
aí estaremos neste jardim
de morangos silvestres
perene cofre das intimidades não divididas
garrafa vazias sem valor sem retorno
tão queridas a nós

                                                        Igor Zanoni

                                                           

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Maturidade


não são as crianças ou os velhos
que demandam mais nossa paciência
eles têm reservas de carinho
e seu jeito peculiar de ver as coisas
engraçado ou penoso
mas pleno de sensibilidade e medo
é preciso ser calmo com eles
estar á sua altura
mas os mais jovens e maduros
que pensam mover o mundo
e fazer a sua vida
são mais enérgicos e inconsequentes
nos põem fora de nós
quando aparentam saber o que fazem
distam a uma distância segura
de nossos reparos
estes só demandam nossa paciência
mas pouco a alimentam
a sua arrogância é quase insuportável
neste mundo que pede tanto
pessoas humildes
que saibam dar marcha-a-ré
paradas estratégicas para pensar duas vezes
serena moderação despojamento
quantas dificuldades enfrenta a maturidade
como é indigna desse nome!


                                                               Igor Zanoni

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Arco-íris


quase nunca as coisas são
preto no branco
há antes infindas modalidades
do cinza
mesmo quando se olha um arco-íris
e se contempla cores
nunca se sabe bem
quantas cores há no céu
sete? setenta?
setenta vezes sete?

                                                 Igor Zanoni 

Maranatha


nesta altura da vida
ainda busco entender o passado
perdoá-lo e aceitá-lo
e ter os olhos mais calmos
ver-me com mais simpatia
como Deus julgará os homens
naquele dia solene?
difícil pensar que a compreensão
de qualquer lei
sirva para pensar os homens
pois eles são nebulosos
insondáveis
precisam de amor mas não só de amor
de um entendimento difícil
mas enfim é preciso crer
que a compreensão é possível
que nossos olhos podem ver
pela primeira vez
ainda que seja só naquele dia

                                                                             Igor Zanoni

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Prático

 
perguntei a meu amigo Renato Cury a razão do sucesso da Wilza Carla e ele explicou que muitas pessoas se erotizam com a obesidade, assim como há homens que só gostam de fazer sexo com idosas.  Renato sabia também fabricar pólvora e era bom caçador. ao contrário de mim, ignorante e religioso, ele era um homem prático e sabido. lia enciclopédias e sexólogos e me ensinou o que sei sobre jazz.

                                                         Igor Zanoni

Conselho


existe a melancolia
e a melancolia da melancolia
eu era triste
agora não sou mais
eu não tenho psicoses
só o que todos têm
algumas neuroses fobias
 e leve depressão
nada de mais sério
como obesidade e males do fígado
só coisas que se curam falando
como disse uma amiga
há muito fiz um investimento em mim
e comecei uma psicoterapia
faça você também!

                                                    Igor Zanoni

domingo, 8 de janeiro de 2012

Desejo


1
as pessoas que não creem na morte
quase sempre ignoram a vida
não há esperança na vida
ou fé na vida
há sempre o desejo de vida
ou melhor há sempre o desejo
sob tudo que existe

2
os economistas inventaram o homem racional
mas se ele existisse os homens
não amariam tanto o dinheiro
não consumiriam tanto
não desperdiçariam sua vida
não confiariam no que sabem ser falso
não amariam ilusões
não seriam tão obsessivos
nem admirariam as grandes palavras

                                                     Igor Zanoni

Moral


alguns passam muito tempo
controlando a vida dos outros
talvez porque não conseguem
descontrolar mais a sua mesma
esse é um pilar da moral
a vigilância sobre os demais
e o elogio em boca própria

                                           Igor Zanoni

Tempo


1
toda pessoa precisa
lidar consigo o tempo todo
alguns fazem isto e se tornam poetas
mas é claro existem poetas interessantes
e outros intragáveis
é tão difícil lidar consigo
que toda pessoa ao nascer
deveria já ganhar um bônus extra

2
cada coisa tem sua hora
a criança acorda e é preciso
que a mãe já tenha preparado um lanche
depois precisa fazer a lição
mas dentro de um certo prazo
ou se atrasa para a escola
o almoço demora o tempo de ficar pronto
o marido também chega na hora do almoço
e precisa disto e daquilo
o tempo é administrado pela mãe
mas sempre de acordo com o que exige
a família
quando todos saem a mãe se deita
e faz o que não sabemos
porque esta é a sua vez

                                                           Igor Zanoni                              

sábado, 7 de janeiro de 2012

Valor


parece-me meridiana clareza
atribui o valor dos objetos
ao tempo de trabalho
destinado a fabricá-los
pois o que o trabalho mais demanda
de nós é nosso tempo
o tempo da vida
vida que se curva
a um mundo que não podemos ganhar
mas que somos obrigados
a reiterar

                                                   Igor Zanoni        

Escolhas

Escolhas

não se pode ser à vontade
religioso ou indiferente
feliz ou melancólico
ansioso ou plácido lago
estas escolhas não são feitas
apenas por nós
mas pela criança que fomos
seus imperativos atuais
é terrível mas para o mundo e para nós
somos bastante cegos
não se trata de poder mudar a visão
ou a compreensão
estas coisas estão dadas
mas há sempre insatisfeitos
que giram pela vida
como em uma interminável viagem
e há os que chegaram há muito
estes tem os olhos calmos
a testa sem rugas
como é difícil compreendê-los!

                                                               Igor Zanoni

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Empreendedor


tenho um amigo hoje perto dos cinquenta anos que sempre quis melhorar de vida. como o assalariado em geral ganha pouco, tentou várias formas de empreendedorismo. habilidoso com as mãos, montou marcenaria, mas o custo das máquinas e da madeira, que vinha cada vez de mais longe, inviabilizou o negócio. não se desfez em prantos. vendeu tudo e foi trabalhar como motorista de ônibus. mas antes passou um período com uma Kombi trabalhando como marido de aluguel. não ganhava bem e o negócio oscilava muito. daí se tornou motorista. depois passou a trabalhar como motorista de caminhão, por um salário fixo, fazendo longos trajetos de cá para lá no Brasilzão. conheceu o Pará, ia muito ao Nordeste, ao Rio, Espírito Santo, Porto Alegre. juntou uma grana e comprou dois caminhões. a vocação dele era e é empresarial. começa agora seu novo negócio. sempre calmo, como as pessoas não obsessivas são. no meio do caminho ele, que era batista, voltou para o catolicismo depois de romper com o primeiro casamento. teve várias namoradas e mais tarde se casou de novo, sempre trabalhando. começou a fumar e a beber um pouco depois que se tornou católico, depois parou. sua mulher é outra empreendedora. sempre que a encontro pergunto onde está trabalhando no momento. fez planos para abrir negócio em Tocantins, depois no Rio Grande do Sul, fala bastante, é desembaraçada, como os empreendedores são, pois ganham o jeito comercial de tratar as pessoas. seu marido entrementes operou a vesícula, engordou, emagreceu, criou filhos, deixou muitas saudades á beira do caminho, pensa em ir para o interior, comprou um terreno onde vai construir uma casa em ponta-grossa. nas férias vai até a praia, volta no dia seguinte, quando chega de algum lugar come o que acha e dorme que logo vai ter de fazer outra viagem. os empreendedores são assim, não descansam, o mercado é competitivo, a vida é dura mas eles não se assustam nem pensam que ela poderia ser menos dura.esse é o jeito da madeira.

                                                           Igor Zanoni

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Mal comum


há uma participação comum no mal que envolve nossas vidas. com intensidades, comprometimentos, compreensão diversos, em algum ponto de nós vive nossa cumplicidade. por isso temos dificuldade em amar a humanidade e a nós mesmos. o ódio e a agressividade sempre são mais fortes e mais acessíveis. muitos escreveram sobre isto, desde milênios atrás. o livro do Gêneses o explica como o mito do pecado original. ele não é o pecado do primeiro casal que nós, longe do paraíso, repetimos. são antes todas as várias e complexas formas de participação na infelicidade do mundo. podemos perceber isto e pedir perdão, ser batizado é um ritual de exorcizar esse mal, de nos imunizar contra ele. podemos repetir confissões, repetir comunhões, como alguém que precisa compulsivamente lavar as mãos. ninguém está a salvo, poucos conseguem viver uma vida cristã. e esta vida ganha sentidos diversos a cada época. desde logo não devemos extremar esses fatos, melhor uma paciente aceitação, uma terna moderação em tudo que nos liga a nós e ao mundo, lado a lado de um sincero não.

                                          Igor zanoni 

domingo, 1 de janeiro de 2012

Ano Novo


quando comemoramos o ano novo
é hora de perdoar os amigos
e pedir perdão por si mesmo
pois a velha vida está mais frágil
para todos nós

                                           Igor Zanoni