domingo, 31 de agosto de 2014

Colégio


as aulas de português se concentravam na análise sintática, utilizando os Lusíadas, talvez pela importância dada na época à formação clássica e, mais utilitariamente, pelo puzzle das estrofes do poema, ideal para um garoto investigar onde está a oração principal e suas relações com outras orações coordenadas e subordinadas. em suma, uma das razões por que chamávamos a professora de Lucia Porquinho. as de literatura ficavam a cargo de uma dama considerada por seu pai ter sido o feliz autor de inúmeras páginas literárias e ter deixado este dom à filha. morava em um bairro recém-formado, onde eu mesmo jamais poderia ter algum lugar e era sóbria, elegante, superior. mas sua filha estudava conosco e em todo o colégio era a única que dançava com quem bem entendia nas festas, para desgosto e deslumbramento de ex-namorados e basbaques como nós em geral. foi a primeira mulher independente que conheci.


                                                                 Igor Zanoni

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Espetáculo

melhor deixar da lado o espetáculo
com seu enredo sem beleza
e desastrosos interesses comerciais
melhor nós mesmos descobrirmos o que interessa
ao invés de sermos informados
sobre o que a nossa vida é ou não
com uma insistência mais do que suspeita
melhor irmos ao ponto
às fontes de nosso pesar e de nosso contentamento
melhor acharmos aí nosso caminho
nosso tempo é precioso
nós somos nosso tempo precioso
não joguemos aos porcos
a pérola que nós somos


                                                              Igor Zanoni

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Pragmatismo

se não nos identificamos
com o que está aí
melhor esperar o momento
de dizer a que viemos
temos grandes sonhos
esperamos cumprir muitas tarefas
mas um rude pragmatismo
pode ser enganoso
pede nosso aval
para o que não nos cabe nem convém
não está no nosso coração
nunca passou pela nossa cabeça
e só nos desviará
de nossas convicções
e das práticas
que dia a dia em silêncio
inventamos

                                                                               Igor Zanoni

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Allen Ginsberg


um dos muitos beats que se tornaram lamas escreveu que, em um retiro de meditação de que participou com Ginsberg, este deixou um bloco de notas ao seu lado para registrar o que sentiria durante a prática. o agora lama achou isto absurdo, o poeta deveria ter se concentrado e persistido em meditar, que não tem nada a ver com escrever poemas. achei estranho um lama, que devia ser um homem muito compreensivo, não admitir que assim como há pessoas que não viajam, há aquelas que viajam sim, e, entre estas, as que conversam. estas acabam nos dizendo algo de que precisamos, além de uma paz introspectiva.


                                                                   Igor Zanoni

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Chove

para um poeta a chuva
importa menos que dizer:
chove!
melhor no ginásio
quando dizia delicioso
il pleut!


                                              Igor Zanoni