sábado, 30 de janeiro de 2016

Pérola


quando a encontro há uma pérola brilhante
que existe e não existe
amar exige um grande esforço
sempre se ama em falso
colocando o amor em grande risco
mas a cor da manhã
o movimento dos pássaros
a conferência do vento
transtornam felizmente minha tolice
basta saber que você vai e veio
que não é preciso
fazer ou dizer
assim estamos ombro a ombro
pele a pele que recobre o céu
no qual se engasta a pérola brilhante



                                                         Igor Zanoni

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Por mares nunca dantes navegados



do tempo fabuloso no qual entrei na escola guardo bem a imagem de um livro capaz de contar a história de tudo, o descobrimento do homem, a invenção da fotografia e da música de Beethoven, a fórmula da pólvora caseira, a fortuna dos garimpeiros no Alasca, a vida no Pacífico Sul de homens como o capitão Ahab, Scott e Malinowski, a cerâmica marajoara. procuro distinguir na minha neblina uma página que anunciava minha própria idade das luzes, o momento de separar o eu menino do eu mesmo homem. também permanece a antiga intuição (do Minotauro, da Aritmética, do livro de Van Loon  sobre o progresso humano), intuição na qual Monteiro Lobato anunciou (entre seu espiritualismo, seu socialismo, sua admiração pela América  e sua busca de petróleo no País), sua certeza de que estudar qualquer coisa é divertido e necessário. ponto de partida para mares nunca dantes navegados e para outros que precisam ser sim recuperados, para que subsista a densa floresta da infância que ainda trazemos.


                                                                 Igor Zanoni

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Os Ensaios de Montaigne

Logo no primeiro dos longos parágrafos dos Ensaios que Michel de Montaigne começou a escrever em sua torre, em 1571, para indagar, em meio aos duros tempos que a França e a Europa viviam, quem ele era e como seria sua morte, pode-se ler: “Na verdade, o homem é um sujeito maravilhosamente vão, diverso e ondulante: é árduo estabelecer sobre ele um julgamento constante e uniforme.” Recorrendo a momentos semelhantes diante dos quais personagens históricos conhecidos agiram de modo bastante dessemelhante, Montaigne percebe como é difícil cumprir o oráculo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”, que impeliu a vida de Sócrates. Como é tão vário o homem, o ponto de partida dos Ensaios parece ser a necessidade de esquecer sobre si toda vaidade e toda ilusão se o desejo consiste em tal cometimento.



                                                                         Igor Zanoni

domingo, 24 de janeiro de 2016

Flaubertiana




nos mínimos espaços entre os sobradinhos geminados e empilhados os moradores plantam hortênsias, dálias, rosas e muitas folhagens, também gramas que nascem em tufos, verdinhas, de floricultura, regadas com uma mangueira para relaxar no sábado. copos de leite lançam seu licor despudorados, e florezinhas amarelas, brancas, roxas, voltam-se todas para onde o sol é mais intenso no dia claro. não há quem não tenha uma saudade ancestral dos velhos sítios e fazendas de onde vieram, ou seus pais, ou de cidades como Toledo, Ponta Grossa, Pato Branco, Ortigueira, Ivaiporã, Adrianópolis, Umuarama, Porteira Grande, Porecatu, Contenda, sabe-se lá. mesmo deslocados, todos encenam a nostalgia da vida entre abelhas e os passarinhos que vêm comer as sementes que podem cair no bico. paz um pouco tensa de bairro e subúrbio, Tom vigiando Jerry e Jerry vigiando Tom, enquanto se pensa em talvez quem sabe comprar um apartamento em Shangri-lá  ou melhor uma chácara em Colombo, Campo Largo ou Quatro Barras, para criar galinhas ou até um porquinho, um carneiro está mais na moda e é mais rentável. os sonhos se impõem como as lembranças e juntos fecham seu anel como o anel escondido, muito tempo antes, nos sorvetes de endurecida maria-mole.


                                                               Igor Zanoni

sábado, 23 de janeiro de 2016

A luminosidade da mente




contra tanto que está aí não há defesa
os pensamentos não são refúgio
nem prometem recomeço
a lucidez não significa paz ou alegria
não implica modo correto de dizer ou fazer
não há rumo desejável
quando tantos desejos em volta
iluminam incendeiam
tornam tudo pó
não há financiamento dieta
cerimônia bênção
não há caminho nem não caminho
quando a insensatez que a vida pede
não pode ser abolida
nem contada
nem vivida


                                                           Igor Zanoni