domingo, 13 de abril de 2025

A vida segue


Os vizinhos quando se encontram

Comentam as mortes da semana

No bairro

Eles sabem um pouco de todo mundo

Apropriam-se da vida de cada um

Mas não com muita bondade

Antes com certa carga de crítica

Talvez tenham um pouco de medo

Todos no bairro vivem com certo medo

Ou com certa suspeição

E todos são um pouco suspeitos

Daí que queiram saber muito um do outro

Que troquem informações

No barbeiro os homens falam

Tanto quanto as mulheres no salão

A igreja é um lugar de encontro também

Com mais amizade

Mas também com muito diz que diz

E segue a vida

 

                                                        Igor Zanoni 

sábado, 12 de abril de 2025

Sem controle


Não controlamos os sonhos

Mesmo pequenos acidentes

No nosso percurso diário

Turvam a noite

Eles nos mostram quanto estamos

Deprimidos e assustados

O dia seguinte é cansativo

Temos de dar conta do que houve

Aos poucos tentar voltar

Relaxar dizer adeus aos nossos males

Esse é nosso curso cotidiano

Buscar encontrar a paz

Que foge de nossa alma

Quando ela quase busca

Sair pela boca

Bem-vindos os sonhos

Que mostram nossa pequenez

Que nem notamos muito bem

Não fossem eles

 

                                                          Igor Zanoni

  

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Momento da oração


Embora hoje eu não tenha uma igreja

E mal saiba dizer em que eu creio

Sinto saudade do momento de oração

De quando era menino

Ainda hoje faço minhas orações

Esses instantes são cálidos e tranquilos

Sinto-me íntimo de um céu

Que não sei se há

O amor pela minha vidinha me toma

E o sentido das coisas se refaz

Alguém me toma pela mão

Talvez esse alguém seja eu mesmo

 

                                                                      Igor Zanoni 

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Dificuldades


Minhas dificuldades emocionais

Me tornam próximo entre outros

Da Lady Gaga e do Papa Francisco

Elas não são novidade

Conheço-as desde menino

Mas em minha vida não há mesmice

Elas são apenas a forma

Própria e um pouco arriscada

Com que sou e vivo

 

                                                       Igor Zanoni 

terça-feira, 8 de abril de 2025

Diamante bruto


Seu namorado era pintor de paredes

Um homem simples que não recusava trabalho

Não tinha estudo, mas era bondoso

E dividia com ela as tarefas da casa

Eles viviam bem juntos e se amavam

Um dia ela o descreveu para mim:

Ele é um diamante bruto

 

                                                              Igor Zanoni 

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Alquimia


Quando alguém muito próximo se vai

Nossa relação não se rompe

Transmuta-se numa alquimia de almas

Os sonhos nos frequentam

As lembranças se fazem dolorosas

Há tanto que queríamos dizer mas agora

Sem nosso interlocutor o que dizer?

A imagem querida sorridente nos alcança

Tudo é vão jamais teremos outra vez

Isso que agora mais que antes se tornou amor

 

                                              Igor Zanoni

  

domingo, 6 de abril de 2025

Viva a diferença


O fato de termos histórias

Muito diferentes

Faz com que nossos sentimentos

E valores

Sejam também muito diversos

Mesmo aqueles pequenos

Com que tecemos o dia a dia

Mas você é minha boa companhia

Quero você sempre por perto

Nossas diferenças não nos afastam

Ao contrário quando te vejo

Lembro sempre do mote

Viva a diferença!

 

                                         Igor Zanoni 

sábado, 5 de abril de 2025

Caminho


Ela tomou um caminho

Rumo a si mesma

Acho que não tem clareza

Sobre onde se encontra agora

Mas está muito distante dos demais

Fecha-se em seus pensamentos

Pouco entende o que lhe falam

E responde de dentro de suas preocupações

Mais íntimas e cotidianas

Eu me exaspero um diálogo é impossível

Quero ir até ela mas não posso

Fico por perto sorrio

Como uma companhia silente

Mas amena

Esse caminho não tem volta

Onde ela está?

Silêncio

 

                                                                    Igor Zanoni

  

quinta-feira, 3 de abril de 2025

O homem comum


O homem comum

Cuja aspiração se limita a uma vida digna

E sem sobressaltos

Por um lado enfrenta o sobressalto

Do dinheiro enlouquecido

Que corrói os fundamentos

De uma sociedade boa

Por outro enfrenta seus dilemas

Nascidos da psique

E do mal que todos encarnam

Por isso ele mal existe

Subsiste nas fímbrias do mundo

Como exceção admirável

Como desejo que não se realiza

 

                                                                          Igor Zanoni 

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Jazz


Na primeira linha há os artesãos do sopro

Atrás o pianista o contrabaixista e o baterista

Todos são muito sérios e sóbrios

Todos negros e bem elegantes

Mal se olham antes se atêm às partituras

Claro é o Wynton Marsalis Septet

 

                                                                Igor Zanoni 

segunda-feira, 31 de março de 2025

Espírito


Às vezes gostamos de autores e pensadores

Muito diferentes entre si

Eu por exemplo gosto muito

De Albert Schweitzer Gaston Bachelard

E Simone Weil

Isso não significa que sejamos

(ou que eu seja)

Contraditórios

Os autores que amo tem em comum

A bondade o sonho a enorme independência

De espírito

 

                                                        Igor Zanoni 

domingo, 30 de março de 2025

Cuidado


Também eu não tive vida fácil

Cuidei do que veio

Mas nem sempre pude ser

Porto travesseiro

Meu coração tantas vezes disparado

A casa com tantas tarefas

Cuidei entretanto

E o amor ah o amor

Plantei como semente no campo

Para que um dia florescesse

 

                                              Igor Zanoni 

sábado, 29 de março de 2025

Escolas


Perto de onde moro

Há muitas creches e escolas

Para crianças pequenas

Gosto de ver no fim de tarde

Mães e avós trazendo de volta

Seus filhos e netos

Estão todos felizes sorriem

Depois de um dia movimentado

Eu brinco com eles falo alguma coisa

Há paz na vida deles e na minha

Nesse povo meu que se esparrama

Pelas ruas às cinco horas

Pelo meu bairro singelo

 

                                                              Igor Zanoni 

sexta-feira, 28 de março de 2025

Literatura


Muitos associam a poesia

A sentimentos ternos e doces

Ou ao langor e ao spleen

Nada mais falso

Com bons sentimentos se faz

Má literatura

Como se faz poesia?

Não há receita fácil

Ela é uma técnica

E um pensar sem regras

Para que fazer poesia?

Ela surge sem aviso

E exige trabalho

Requer suor ao lado

De uma boa intuição

Para que serve um poema?

É só um luxo se for bom

Se não for bom esqueça

 

                                                       Igor Zanoni 

quinta-feira, 27 de março de 2025

Maysa


Eu assistia com mamãe tarde da noite

O programa da Maysa na tevê

Ainda hoje lembro inteira a canção

“ouça vá viver a sua vida com outro bem...”

Eu não sei se entendia bem essas canções

Era muito novo talvez mamãe entendesse

Meu pai nunca ficava conosco

Meus irmãos eram pequenos e dormiam

Havia uma cumplicidade entre mim e minha mãe

Nesse tempo em que a bossa nova nascia

E Leila Diniz já era um contraponto

Como figura feminina

A todo choro e toda saudade dolorosa

 

                                                                   Igor Zanoni 

quarta-feira, 26 de março de 2025

Matinhos


1

Moças e não tão moças

Usam maiôs fio dental

Para bronzear as nádegas

 

2

As crianças pulam as ondinhas

Uma a uma

Que terminam por arrebentar

Na praia

 

3

A moça que vendeu incensos a meu filho

Diz que trocou Curitiba a Babilônia

Por Matinhos

Que antes tentou a Ilha do Mel

Mas a Ilha está muito gourmetizada hoje

Ela devia ser incrível nos anos oitenta

 

                                                Igor Zanoni 

segunda-feira, 24 de março de 2025

Praia mansa


1

Enquanto os pais armavam

O guarda sol e as cadeiras de praia

A garotinha já se sentava no chão

E começava a brincar na areia

 

2

O casal armou seu pequeno acampamento

E se estendeu nas cadeiras de praia

A moça se ligou na tela do celular

Enquanto o rapaz passou a ler a Bíblia

 

3

Embora o custo de vida seja alto

As pessoas estão muito grandes

Graças à cervejinha e às engorduradas

Porções de frango e fritas

 

                                             Igor Zanoni 

sexta-feira, 21 de março de 2025

O coração inesperado


À noite retorno a mim

Eu que no dia me disperso

Entre lapsos e o tempo comum

À noite encontro não um outro

Mas minha difícil intimidade

Um real que mais tarde abandono

Nesta sanha bipolar

Sem chegar a compreendê-la de todo

Nessa oscilação me multiplico

E reparto

Ser de muitas faces e muitos cansaços

Muitas incompreensões e pouca lucidez

Assim vou por esta vida desmesurada

Pálido de espanto

O coração inesperado 

 

                                                                  Igor Zanoni 

quinta-feira, 20 de março de 2025

Antúrio

 

Meu vaso de antúrios todo se inclinou

Na direção do sol

As flores vermelhas espicharam suas hastes

Nenhuma nasceu no lado sombreado

Da varanda

Há uma inteligência vegetal no meu antúrio

Ele sabe como crescer

Como florescer

Isso se chama heliotropismo

O sol nasceu também e nasce sempre

Para as plantas que o buscam

Salve Deus Hélio

 

                                                       Igor Zanoni 

quarta-feira, 19 de março de 2025

A caixa


Você se fechou em um pequeno cubículo

(não fosse isso um pleonasmo)

Se mata em seu emprego modesto

(o valor do dinheiro aumenta

quando se tem pouco)

Cuida da mãe idosa

(compra seus comprimidos

tira sua pressão)

Adora o filho com bons motivos

(ele é mesmo um rapaz bacana)

Cumpre todo o itinerário da quaresma

Não gasta carinho à toa

Seu amor tem endereços próximos

E certos

(sobretudo a família)

Não sei como você não sente falta de ar

Eu tentei muitas formas de aproximação

E gostaria de tirar você de sua caixinha

Mas talvez você pressinta nisso

Um perigo

 

                                                              Igor Zanoni 

terça-feira, 18 de março de 2025

Neurodivergente


De perto ninguém é normal

Mas eu me sinto bem pior

Que a média

Minha vida dói

Instável me levo adiante

Quando posso

Quando não posso

Vou assim mesmo

A dor é um bem distribuído

Com fartura no mundo

Aquela dor secreta então

Que os outros percebem

E incomoda a todos

Mas não chega a ser

Uma guerra civil

Apenas um patíbulo diário

Recolho em mim

Tão quieto e às vezes

Gritando

 

                                                         Igor Zanoni 

domingo, 16 de março de 2025

Catadores


Bom estar atento

Ao que a maré traz à sua praia

Ser um catador de resíduos

A expressão das pessoas

A inquietude das crianças

O mais do mesmo da alta roda

A vida e seu alto custo

E tudo o mais que seu olhar

Puder flagrar

 

                                                Igor Zanoni 

sábado, 15 de março de 2025

Dona Judith


Eu conheci uma alemã

Vinda de Porto Unión

Era alta loira e sofrível soprano

Cantava nos cultos

Nós já prevíamos

Eu não tinha nenhuma empatia por ela

Mas o que fazer?

Ela tinha muita por mim

E por sorte me presenteou

Com uma coleção de Albert Schweitzer

Pois não era alemã

Frau Judith?

 

                                                         Igor Zanoni 

sexta-feira, 14 de março de 2025

Inimizade


Há muitas pessoas de que não gosto

Sem motivos pelo menos claros

Eu poderia descobri-los

Auscultando meu inconsciente

Mas seria um desperdício de alma

Penso que não gostar acontece

É comum a inimizade

Mais difícil é amar e continuar

Bom tempo amando

 

                                                Igor Zanoni 

quinta-feira, 13 de março de 2025

"Habitante irreal", de Paulo Scott


“Habitante irreal” (Rio de Janeiro, Objetiva, 2011), do gaúcho Paulo Scott, é um livro denso e complexo tratando dos anos que se sucederam à abertura política no Brasil. Um dos personagens centrais é Paulo, ex-militante trotskista ligado ao Partido dos Trabalhadores que por volta de 1989 se desilude com os rumos que seu partido tomou. Ele tem dificuldades em manter relacionamentos estáveis e o trabalho em um escritório de advocacia o oprime. Ao voltar de um encontro político no interior do Rio Grande do Sul, Paulo se depara com uma jovem indiazinha (Maína) à beira da estrada, com jornais e revistas apertados contra o peito como se esperasse algo sob a forte chuva que cai. Paulo lhe dá carona e sua vida ganha novos contornos. Envolve-se com a moça, acaba tendo um filho, Deodato. A partir daí, a questão indígena passa a ser um dos pontos centrais do romance. Os desastres se sucedem, Paulo se refugia em Londres, Maína se mata e Deodato se torna um militante singular da causa indígena, buscando por meio do teatro de rua um protesto contra os burocratas que trabalham com os índios e procurando uma forma de restaurar o universo primevo e singular dos mesmos. Paulo Scott nasceu em 1966 , seu livro ganhou o Prêmio Machado de Assis de melhor romance e é um dos melhores escritores brasileiros da atualidade.

 

                                                     Igor Zanoni 

quarta-feira, 12 de março de 2025

Tempos de fé


Sobre a grama há dezenas

De passarinhos

Com cores e desenhos diversos

Nas penas

São tranquilos

Eu gostaria de falar com eles

Como um dia são Francisco falou

Mas aqueles eram tempos de fé

E Deus andava com quem o buscava

 

                                         Igor Zanoni 

terça-feira, 11 de março de 2025

Céu


Formigas morrem

Cães morrem

E assim cavalos vacas

Seres humanos

Aliens (se existirem)

Todos morrem

Há alguma diferença significativa

Entre essas mortes?

A morte de um cão difere

Substancialmente da morte

De um inseto?

Por outro lado haverá um céu

Para as formigas ou os gatos?

Haverá um céu para nós humanos?

Nunca saberemos

 

                                                    Igor Zanoni 

segunda-feira, 10 de março de 2025

Ao Deus dará


O amor que você sente hoje

Não apaga as dificuldades

Da antiga relação

Qualquer filho mais jovem

Sente que os pais o trataram

Um pouco ao Deus dará

É inútil se arrepender

Você não sabe bem o sentido disto

Sabe que a vida sempre foi difícil

E os filhos querem pais

Dóceis e dedicados

O que também não é fácil

Siga em frente ame como puder

Isso é tudo que pode fazer

 

                                                            Igor Zanoni 

Vinho


Houve um tempo em que apenas o vinho

Me deixava sóbrio

À noite uma garrafa decantava o dia

E o seu mal

E enfim alcançava certa paz

 

                                        Igor Zanoni 

domingo, 9 de março de 2025

Facebook


Se você entrar no Facebook

(algo não muito recomendável)

E pular os anúncios de camisetas

Dietas suplementos alimentares

Encontrará minhas poesias

Modestas como flores do campo

Pontuais como o apito do guarda

Ainda há guardas-noturnos?

Não importa. Essas poesias

Ofereço a quem entrar no Face

Sem esperar nada

Uma pequena lembrança

Aos amigos que perdi

Mas devem estar por aí

 

                                                       Igor Zanoni 

sábado, 8 de março de 2025

Abandono


Quando ainda se é jovem

E tem energia

É mais fácil deixar de lado

O grande amor

Ele se dissolve como a neve

Sobre a terra

Formando poças de barro

Eu nunca vi a neve

Mas já perdi amores assim

Tornei-me um homem triste

Vazio

Em busca de outro amor

Mas nessa altura

Amor já não possuía

O mesmo significado

 

                                               Igor Zanoni 

sexta-feira, 7 de março de 2025

Eco do Eclesiastes


Se temos de morrer

É preciso aprender a viver

Com humildade

O poder e a glória estão inscritos

Na história da vaidade

Melhor comer o pão com alegria

E não esquecer de reparti-lo

 

                                                 Igor Zanoni 

quinta-feira, 6 de março de 2025

Kibon


Quero encontrar você

Ao menos para tomar

Um sorvete da Kibon

Vamos até uma praça próxima

Não é preciso falar muito

Vou tomar um picolé de chocolate

E você um de morango

 

                                                Igor Zanoni 

"As perguntas", de Antônio Xerxenesky


Em “As perguntas” (Companhia das Letras, São Paulo, 2017), Xerxenesky toca o oculto e o sobrenatural. A estória começa quando Alina, que se formou em História e é doutoranda em religiões comparadas recebe um convite de uma delegada para ajudá-la em um estranho caso. A delegada recebe um diagrama em forma de nove triângulos voltados para baixo (nove é o número da imperfeição) que supõe estar ligado a uma série de casos estranhos em São Paulo. Logo tem um contato com Fábio, amigo que trabalha com informática, que a informa sobre o diagrama e o seu uso sobre uma seita ocultista na deep web. Alina entra no link da seita e acaba recebendo um convite para assistir a um ritual. Neste ela percebe a seu redor uma sombra que vai acompanhá-la. Mais tarde, em uma festa, ela percebe a sombra e volta à casa onde participou do ritual para pedir ao líder da seita que a proteja e libere da aparição. O líder e Fábio, que também participou do ritual, a informam de que o ritual foi realizado para entrar em contato com algo no além, mas que ele fracassa e nenhum contato é realizado. Entretanto, Alina parece que entrou sim em contato com algo, uma sombra que a persegue e assusta. O livro é tecido em torno da questão do ceticismo e da crença, da validade ou não da pergunta pelo além e do estranho contato de Alina com este. Um dos bons livros deste jovem autor, que nasceu em 1984.

 

                                                                   Igor Zanoni 

quarta-feira, 5 de março de 2025

A mesma prece


Todas as noites faço mais ou menos

A mesma prece

Há muitas graças que quero pedir

Especialmente pelas pessoas que conheço

Muitas vezes termino de orar e percebo

Pessoas de que me esqueci

Então recomeço

Mas o Senhor sabe do que preciso

Antes de lhe pedir

Por isso minha prece é antes

Um lembrete para mim mesmo

O laço que mantenho com outros

Se reforça

Então eu oro com calma e tempo

E toda noite recomeço

A mesma prece

 

                                                               Igor Zanoni 

Gente tensa


Gente tensa é assim

Enxaqueca insônia pânico

Resistência à ação dos medicamentos

Terapias intermináveis inúteis

Períodos em que as coisas melhoram

E muitos em que elas pioram

Falta de controle do dinheiro

Sentimento de solidão

Um enorme desperdício de vida

 

                                                Igor Zanoni 

terça-feira, 4 de março de 2025

Guerras interessantes


Se há uma guerra interessante

Vamos destinar alguns bilhões

Dólares nascem como a grama

Por que economizar?

Os cidadãos fiquem com menos

Eles que se arranjem

Melhor a segurança nacional

Que auxílios à saúde

Bilhões cruzam o Atlântico

E o Pacífico

Que boa festa se pode fazer

Como nasce essa grana?

Não se sabe bem

Ou não se conta

Mas nasce como a grama

 

                                                     Igor Zanoni 

segunda-feira, 3 de março de 2025

Uma quase impossibilidade


Soube há pouco que morreu

Diversas vezes tomou

Uma quantidade excessiva de remédios

Mas desta vez não morreu porque quis

Morreu apenas

Nunca fez muito bem nem a si nem a outros

Era para dizer o mínimo

Uma pessoa difícil

Incapaz de viver com padrões mínimos

Todavia era brilhante

Eu gostava de conversar com ele por horas

Quem se aproximava de sua casa

Logo via ainda distante

Uma fumacinha negra escapando

Do teto

Que a morte lhe seja leve

Porque a vida lhe foi

Uma quase impossibilidade

 

                                                    Igor Zanoni           

sábado, 1 de março de 2025

A seta do tempo


O futuro nos assalta

Não é preciso inverter

A seta do tempo

O capitalismo de Marx e Keynes

Já não existem

Hoje há forças que sopram

Para cá e para lá

Nenhum projeto se mantém

Nenhum programa digno

De uma boa sociedade

O topete amarelo faz nossas regras

E humilha o homem de camiseta suada

Na Argentina abriu-se um cassino

Putin é uma esperança ambígua

E sonhamos com a potente China

Que o topete amarelo odeia

O futuro já veio

Nós que sonhávamos

Com uma vida calma

E previsível

Já não ousamos sonhar

 

                                                  Igor Zanoni 

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Saudades


Eu cultivo saudades

Trago ramalhetes de flores murchas

Um dia as entregarei

Quando outra vez encontrar

Essas pessoas que me deixaram

Eu que sou tão só

Relembro lembranças antigas

O tempo me fez sonhar

Sonhos nos quais me revolvo

Por que me fiz tão afeito

A esta melancolia?

 

                                                                Igor Zanoni 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

A sociedade boa


Muitos procuraram pensar e trabalhar

Por uma sociedade boa

Voltada para as pessoas comuns

As pessoas simples e os pobres de Deus

Ainda hoje há muitos assim

Mas a insensatez do mundo os tem vencido

Embora aqui e ali sob forte pressão

Os projetos de um outro mundo possível

Venham ensinando aos que tem juízo

A alegria e a paz a vida para qualquer um

Nisto há sonho e seriedade

Vontade de sociedades que amadurecem

Sob laços de igualdade e boa fé

Essa vontade precisa ser nossa de todos

Para que a miséria comum sob a qual vivemos

Possa um dia ser vencida

 

                                                                      Igor Zanoni 

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Névoas


Sonhei outra vez

E já não sei se sou eu

Que te prendo

Ou se você me prende

Se há algo que pode ser

Chamado real

Ou se tudo são essas

Metamorfoses oníricas

Sei que sonho

E que essa é uma forma

De te esperar

Ou tudo são apenas névoas

Que se dissipam na manhã?

 

                                             Igor Zanoni

  

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Sessão de cinema


Elizabeth Taylor coloca outro uísque

Em seu copo

Depois acende um cigarro

Ela está muito tensa

Todos no apartamento estão

Mas ela é boa atriz e muito bonita

Compensa a tensão que se sente

Vendo seus dramas

Mamãe se ajeita na poltrona

Não sei em que ela pensa

Qual a ligação entre ela e a estrela

Na tela do cinema no Bonfim

Já não me lembro se era o Rex ou o Real

Meu pai não nos acompanha

Por quê? Que descompasso entre meu pai

E minha mãe!

Não posso nem poderia

Compreender o que acontece

 

                                                               Igor Zanoni 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Criança


Quando nasce uma criança

A família toda fica encantada

Há pouco ganhei um neto

Forte e de cabelos vermelhos

Sua casa se tornou um ponto

De peregrinação

Todos queriam ver várias vezes

Seus primeiros sorrisos

Seu sono de anjo

Todos ficamos pacíficos e tolos

Com esse presente do céu

 

                                                         Igor Zanoni 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Perfil

Perfil

 

Não sei como você entrou no meu

Facebook

Eu não a convidei nem conheço você

Mas gostei do seu perfil

Você é interessante e parece inteligente

Só espero que essa invasão cesse

Meu Facebook não chega a ser

Uma casa da mãe joana

 

                                                       Igor Zanoni 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Testemunhas de Jeová


Em frente ao posto de saúde

Algumas testemunhas de Jeová

Oferecem revistas coloridas

Pregando a vida e a felicidade eternas

Se você apanha uma revista

Logo uma moça pergunta

Se você quer conhecer melhor

A Bíblia

Neste caso virá um missionário

À sua casa

Ensinar e orar com as famílias

Tudo gratuito

Melhor: Deus sabe quanto isso custa!

 

                                                           Igor Zanoni 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Brasil colônia


Neste país de matriz colonial

Tivemos (temos ainda)

Poesia romance teatro

Cinema críticos

Além de bons economistas

Sociólogos historiadores físicos

Entre outros

Neste país complexo

Que teve apenas duas ou três

Chances de redenção

A ciência e a arte procuram

Salvar o que podem

Elas são generosas

E repõem com esperança

Um futuro

Para que não nos desesperemos

Bendito fruto do ventre brasileiro

Aqui estamos mas não sabemos bem

Em que trajetória

 

                                                                 Igor Zanoni 

"O rumor do tempo/Viagem à Armênia", de Óssip Mandelstam

Este volume reúne dois textos de Óssip Mandelstam, o primeiro publicado em 1925 e o segundo em 1933. A publicação brasileira é da editora 34, ano 2000. Mandelstam foi poeta, mas esses dois textos estão escritos como prosa, ainda que uma prosa eivada de evocações poéticas, um memorial do panorama cultural da Rússia de sua juventude e adolescência. O livro recebe pouca atenção, e é republicado em 1928, sob crítica difamatória na imprensa oficial soviética. Em 1930 o poeta recebe de Bukhárin o encargo de partir para a Armênia em caráter oficial, a fim de que escrevesse um relatório sobre a jovem república irmã que vinha recebendo muita atenção das autoridades soviéticas. O relato resultante é bastante livre e poético, e como tal é atacado pelos meios oficiais. Ainda em 1933 Mandelstam escreve um poema satírico sobre Stálin, motivo pelo qual é preso e banido de Petersburgo. Pouco mais tarde, em 1938, o poeta é preso novamente no Grande Expurgo e condenado a cinco anos de trabalhos forçados, mas a caminho de um campo de prisioneiros na Sibéria morre de um ataque cardíaco. A poesia de Mandelstam se liga ao movimento acmeísta que sucede ao simbolismo, é bastante rica em alusões e marcada pela oralidade russa, auscultando a vida, a literatura e a história de seu país. Não são livros fáceis para um leigo em literatura russa.

 

                                                           Igor Zanoni 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Nossa única esperança


Ao contrário das previsões

De alguns profetas

O capital venceu com seu cortejo

De horrores

Prisões deportações ópio violência

Homeless desigualdade miséria

Enchem nossos dias

Os dias do mundo

Nossa única esperança

Veste um casaco chinês

 

                                                       Igor Zanoni 

domingo, 16 de fevereiro de 2025

Proximidade


O que eu posso dizer a você

Eu que vivi tanto tempo ao seu lado

Que reparti com você minha angústia

E passei tanto tempo olhando seu rosto

O cabelo que pintaste de louro

E dividi as dificuldades com os filhos

Com seu casamento

Fomos tão próximos

Poucos amigos são assim tão próximos

E agora só espero por meu luto

Ele já está quase aqui

E não espero nenhuma redenção

Apenas me calo porque agora

Todas as palavras nascerão

Inúteis e velhas

 

                                                   Igor Zanoni

  

Sono


Quando o sono tarda

Melhor não se irritar

É sempre assim

Noites de paz e noites cansativas

Melhor esperar com a calma possível

Em certo momento

Sem perceber

Escorrega-se no sono

E o dia seguinte logo vem

Com o sol e o cheiro de café

Na cozinha

 

                                                  Igor Zanoni 

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Viver da fé


Se Deus existe

A ciência não pode encontrá-lo

Se Ele não existe

Então nada tem sentido

Não sei como se pode

Viver sem Deus

Acho mesmo que não se pode

Por isso existe a fé

Que é a certeza das coisas

Que não se podem encontrar

 

                                          Igor Zanoni

  

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Taxista


O taxista não escuta bem

O que é um problema

Seu rosto é sério

Pensando em como levar a vida

Já me contou sobre sua mulher

Que trabalha longe em um pet shop

Dando banho em cachorros

Senta-se no ponto e espera um freguês

Por muito tempo

Ele não tem nenhum interesse

Eu não poderia ter a menor simpatia

Por essa pessoa sem graça

 

                                                                          Igor Zanoni 

"F", de Antônio Xerxenesky


“F” (Rocco, 2014) é o segundo romance do porto-alegrense Antônio Xerxenesky, nascido em 1984. É com um F que começam palavras como Fake ou Ficção, “F de Fake” é o nome do último filme de Orson Welles. Este é figura central do romance. Uma moça de 25 anos, vinda dos anos de ditadura e repressão no Brasil, ao lado de uma paixão por música pop e por cinema, recebe e aceita um convite para matar Orson Welles. A partir daí ela busca o cineasta em Los Angeles e em Paris, entra em contato com ele e elabora um plano que falha de assassinato. Mais tarde recebe a notícia de que o cineasta morre de um ataque cardíaco, e mais tarde ainda recebe a visita do próprio Welles, que ainda estava vivo. O livro é recheado de referências à vida e aos filmes de Orson Welles, cuidadosamente pesquisadas, e de referências à música dos anos 80, falando de bandas como o Joy Division, New Order e Human League. Na verdade, o livro é uma ficção, mas tem escoras reais na vida de Welles e na cultura pop, é uma ficção, mas ancorada em pesquisas sólidas. Não fica claro porque a narradora do livro se torna uma assassina de aluguel, mas seu plano falha, e ela se volta para uma vida de insônia e melancolia, até encontrar Welles de novo como parte do próprio grupo que convidou-a para mata-lo. Um livro instigante, especialmente para quem gosta de cinema.

 

                                                              Igor Zanoni