sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Verão


devia ser verão
(é verão na folhinha)
mas o vento sempre dobra os flamboyants
se fosse verão
ouviríamos ainda Miles
cigarros gizando o jardim noturno
asfixiados de damas-da-noite
entre promessas excessivas
do verão?
se as promessas não fossem minhas
apenas suas
(tantas vezes assim me pareceu)
ainda as cumpriria
aprendiz deste verão e desta herança
mas elas são minhas sim
agora estarei para sempre certo

                                           Igor Zanoni

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Solidão



com seis anos fui matriculado em um jardim-de-infância no bosque perto de casa, no castelo. eu ia sozinho e tinha de passar frente a uma grande tenda onde moravam ciganos. tinha medo de que me roubassem ou apenas medo frente a suas roupas coloridas, muitas joias e aqueles tachos de cobre que vendiam nas ruas e que mamãe nunca comprou. passado um pouco esse medo, a tarde toda no jardim não havia nada para fazer. não me alfabetizaram, aliás não precisavam porque papai já havia cuidado disso, nunca me deram nada para ler. era um jardim bonito, com muitos jatobás, nessa época minha boca estava o tempo todo verde da massa dos jatobás. em casa eu lia monteiro lobato e adaptações de romances célebres, mas no jardim havia livros que eu não compreendia, porque viam em nós crianças que eu pelo menos não era. lembro muito de um livro de capa azul, parecia católico, com o título “ um bom diabrete”. minha religião na época era deduzida do espiritualismo positivista de meu pai, dos versículos de Paulo a Timóteo que minha avó me fazia decorar nas férias e do pouco que compreendia sobre Abraham e os cáldels em uma missão batista norte-americana na qual ganhei meu primeiro Novo-Testamento, grande e de capa dura vermelha com título dourado.  eu nunca havia ouvido falar ao certo em diabos e menos em diabretes, achei aquilo assustador. não li o livro e comecei detestando a capa. minha liberdade intelectual se estendia a outras áreas. por exemplo, não me lembro se tive uma professora naquele ano. lembro do lanche que serviam: café com leite doce com nata e pãozinho  com uma banana dentro. eu tomava nescau em casa e comia pão pullman  com amendocrem,  não entendi o lanche, que nunca comi. não era um jardim pobre ou para crianças pobres, não havia crianças pobres no castelo. era antes angustiante e incompreensível. lembro de duas ocorrências felizes em tudo. a primeira foi  a amizade com uma menina que usava óculos. foi a primeira menina que vi usando óculos, gostei muito, mais dos óculos que dela acho, mas eu não separei ambos. lembro ainda perfeitamente de seu rostinho. a outra ocorrência : a cozinheira, que fazia merendas também para os que trabalhavam ali, uma vez me ofereceu sem eu saber por quê uma queijadinha. suspeitei que as professoras não tomavam o mesmo lanche que nós.assim, na  minha infância que se ia eu encontrava pequenos prodígios como meninas com óculos, jatobás e queijadinhas amenizando os dias bestas. mas foram parcos prodígios para tantos dias bestas.


                                                                                                                                                               Igor Zanoni

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Encontro

Antão deu sua riqueza aos pobres
e procurou o Senhor tão só e tão longe
que o próprio Senhor teve de buscá-lo
Francisco cedo na vida O encontrou
não de uma vez mas sempre mais e melhor
e encontrou em si um chamado para recriar
a igreja, os homens, a história toda
Antônio Claret visitava enfermos
viúvas e toda sorte de gente pobre
nas estradas solitárias da Espanha
depois que esta mesma se fez tão pobre
eles buscaram o Senhor de modos tão diversos
nós todos somos tão diversos
como o Senhor quando nos chama
nos recria e nos chama à recriação!
mas sempre do que podemos ver
cada um de nós no nosso modo
este é nosso modo de buscá-lo
e o modo que Ele mesmo pode ter de nos buscar
que perceber isto sempre nos inquiete
para que esta mútua busca nunca cesse
 quando parece tão firme e tão caseira!


                                                                   Igor Zanoni

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Dona Rosalinda



dona Rosalinda não era especialmente estimada por ninguém, exceto seu noivo, mas como professora primária tinha seu lugar na comunidade. tinha qualidades de muitos jovens, como ser pequena e tímida, um tanto ou quanto bonitinha e, enfim, ser mulher. isto não vale muito sempre, mas ela aproveitou o espaço de que dispunha para ser professora primária, ser valorizada por isto e atrair um partido razoável. os noivados então duravam muito, porque os namoros eram curtos, para não manchar o nome da moça, e havia que providenciar casa, mobiliário, enxoval e muitos detalhes imprescindíveis antes de poder se realizar o casamento. mas o noivo era trabalhador e antes que eu me desse conta minha professora no Colégio Santa Maria, em Cáceres, estava na igreja, de onde ela, o agora marido e convidados se retiraram para uma recepção frugal mas decente no único restaurante da cidade. houve um baile que se estendeu até pouco depois da meia-noite, do qual dona Rosalinda foi mais cedo para casa por sentir-se indisposta. ocorre que a indisposição agravou-se em óbito, antes de consumado o casamento, mas que o agora legalmente marido achou por bem consumar na eternidade, tomando formicida. no dia seguinte minha professora foi levada pela cidade ao cemitério, para o qual todavia não pôde seguir o agora marido, mais que isso, viúvo, também falecido, pois o cemitério não era lugar para sacrílegos que se matavam por amor, mesmo que pelo amor de dona Rosalinda . Esta certamente jamais sonhara o infeliz destino de provocar uma morte por amor, e certamente preferia que seu amado tivesse lugar ao seu lado também no campo santo onde agora seu corpo, mas não sua alma, jazia. Os frades, jesuítas holandeses, poderiam levar isto em conta, mas havia todo um direito canônico a obedecer, todo um conhecimento que minha professora nunca chegaria a entender, mesmo que vivesse para sempre.


                                                                      Igor Zanoni



segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Introdução à teologoa evangélica

 
não flerte com a solidão e a angústia
não acenda a pólvora do desespero
de todos os lugares do mundo há retorno
mas não há retorno do medo


                                                                       Igor Zanoni