quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Conversa


hoje já quase não se conversa, antes se procura fazer do outro refém, prisioneiro. muitos defendem estes e aqueles direitos ainda não estabelecidos na lei, é natural que se multipliquem identidades mas elas fatiam as pessoas e o vínculo comum não é buscado. em nenhum lugar há busca de vínculo comum, expressão de uma sociedade maltratada, que se socializa de modo abusivo dentro do Estado, que sabe os interesses que deve atender, que mesmo atendidos não estão contentes. a partir disso há uma perda brutal do ethos público, da dignidade de cada um, uma vulgarização do que se come, bebe, compra, uma precificação estranha, pois cobra-se tanto quanto que se pode e se vende qualquer coisa, fabricada nas condições cada vez mais desumanas. fica-se feliz de participar disso, de ser incluído, mas incluído em que exatamente, é preciso explicar melhor. e de que forma, pagando que preço. é bom ser de direita ou de esquerda, mas também é bom levar em conta a bondade. uma pessoa precisa ser gostosa, acessível, isso é possível? está na pauta? eu tenho de acreditar no cuidado que os grandes interesses tem com o mundo, comigo, ou com a dor dos seres todos que vão sendo encalacrados e encurralados mesmo quando conseguem uma vaga de emprego, um carro ou um lugar na escola? os interesses dão conta de que? e nossas paixões hoje sabemos o que são, sabemos como cuidar do amado quando a paixão fenece? há uma entropia crescente quando esta sociedade corrompe seu ethos, a violência se torna exorbitante, a corrupção também, o fundamentalismo, a xenofobia, o nacionalismo, o machismo e o feminismo. enquanto isso se buscam salmões no alasca, pois em outro lugar já não existem, e isso vem anunciado com glamour no menu, assim como buscam água, roubando-a em porões subterrâneos imensos, no amazonas, mas jamais no são francisco, que mingua como o araguaia. não faltam investimentos, falta ver algo crescendo, algo morrendo de modo belo e natural, como tudo morre porque um dia nasce, e não porque tem de ser morto. falta outra forma de cooperar e se organizar, com amor sim, com as virtudes que compartilhamos com a terra e todos os elementos, e com nosso corpo. este fim do mundo não é o que está na bíblia, que ignorava o nosso mundo. mas ainda é possível alguma conversa?

                                              Igor Zanoni    

Navegação


a metáfora da navegação surge sem querer, nem metáfora é mas a situação humana de que o navegar é uma expressão concreta, situação-limite, como se dizia dos romances de Camus, que não sei se ainda são lidos, O Estrangeiro, por excelência, um rapaz que ignora a vibração do seu viver ou a toma por problema, estranhando o que acontece porque que lhe é alheio ainda que lhe traga todo o tempo instâncias e consequências, penalizações de atos cujo teor mal sabe mas percorre seu corpo qual energia sem um objetivo ou foco. assim a vida integral, descomedida, ao mesmo tempo banal e mesquinha, é vida desfocada que faz sair de casa e andar quilômetros porque se sabe que não há casa nem para onde ir e disso não se pode ter ideia ou sentimento exato apenas ir e sentir o que jamais esperávamos nem estávamos preparados.


                                                      Igor Zanoni

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Retrato


outros mais sábios e serenos
disseram mais e melhor
do que eu digo e sou capaz
há estantes sem fim repletas de livros sábios
e corredores infinitos de retratos
dos sábios todos da humanidade
suas frases são citadas e repetidas
como o anel que enlaça a vida
e a explica
sábios que encontraram loucura e morte
ou paz e paciência
eu apenas corro minha mão
sobre o musgo dos dias
e já não lembro ou sonho
sou minha impaciência dolorosa
minha expectativa vã
meu sombrio vezo de amar
o que não distingo
não percebo com clareza
minhas palavras estão em minha carne
e como um Cristo tolo me crucifico
nestes dias insensatos
cercados por outros muitos Cristos
que descem em cruzes a colina
e como eu ainda esperam


                                                              Igor Zanoni

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

E com vocês, o Maior Espetáculo da Terra!

o maior shopping da América Latina, na rodovia d.Pedro, engoliu um terço do enorme bairro do Taquaral, em Campinas. meu pai o frequentava, sempre foi novidadeiro e gostava de americanidades, mas eu só conheci em fevereiro, com meu irmão Felippe, a Luz e o Caio. caraca! era maior que a nave estelar Enterprise, com vários níveis, uma altura que se pode medir em anos-luz, cinemas de onde se pode sair diretamente para comprar o que podia querer ou não. ali você tem a sensação de que está comprando ou precisando comprar, que seu bolso está se esvaindo, que era melhor ter logo um cartão de crédito ilimitado  incrustado num chip no dedo indicador, e de que pode se encher de coisas que não compreende. a imensa praça de alimentação tem de frutas e restaurantes veganos a churrascarias e mil fast-foods, mas se alguém come um pedaço de torta, por exemplo, não só paga por muitas e muitas tortas como pode ter certeza de que o recheio foi produzido há anos em algum rancho do Texas ou no Vietnam, triturado, congelado, ensacado e que o rapaz da cozinha só despeja a torta em microondas para você comer com um suco de laranja muito mais alanrajado que qualquer pôr-do-sol de Stanley Kubrick.  a Luz pediu uma salada e ganhou um monte de alface cor de celofane coberto com um abundante suposto queijo ralado, demonstrando a magnificência do Cantinho do Camarão, onde estávamos. mas a Luz está acostumada com tudo isso e reclamou que o rapaz da pretensa cozinha colocou queijo demais. acho que ela é uma autêntica consumidora com a soberania e o direito de escolha de que falavam os manuais de micro (talvez ainda falem, decerto falam) e que tem consciência do que quer e do que não quer, mas achei que o maior shopping da América Latina seria capaz de fazer de mim pelo menos o que bem entendesse. ser curitibano tem aspectos insólitos, sabemos, os que aqui vivemos, como sofrer quando se está em Curitiba e quando se conhece o espaço exterior, pois ambos cabem na auri sacra fames, cada vez com aspectos mais alienígenas , no fundo os mesmos que trouxeram para cá as caravelas de Cabral , o frei Henrique Soares de Coimbra, Mem de Sá , a Coroa Inglesa, a Caterpilar e o final dos tempos.



                                                                                                                Igor Zanoni

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Energia



em sua meninice inquieta o entorno a constrange, não há um lugar que diga ser seu mas também sente como seu o que ama e lhe faz falta a partir de um pequeno indício, um acontecido do dia, provocando um deslocamento de um lugar impreciso para um sentimento ao mesmo tempo amoroso e doloroso. aí se concentra por um tempo, tempo que lembra as festas e os finais de semana, o cuidado, as atividades feitas junto, a necessidade de estar ali e o bom que é estar, todavia consumida em uma chama que deveria estar queimando o mundo, se é que o mundo basta e não é preciso queimar todo o cosmo. então inventa  projetos, mas todos se referem a coisas pequenas de que o futuro depende, coisas que ama mas não sabe ainda bem como começar e que não são para agora. de fato há mil começos mas qual escolher, é possível ser uma anarquista serena e organizada, é possível, por exemplo, percorrer trilhas de bicicleta, deixar de comer carne e ler autores que falem possivelmente de si ou nos quais pense poder se buscar, mas há uma imensa vitalidade difícil de conter, uma energia que é amor mas quanto amor ela requer? como ser capaz desse amor e ter serenidade? mas isto, é claro, sou eu falando, pode ser que ela possua uma visão muito diversa, o que ela pensa de si mesma? mas viver não é pensar assim como pensar não é viver. há pessoas que se mostram, outras não, podemos vê-las, um pouco apenas, mas vale a pena tê-las encontrado!


                                                                       Igor Zanoni