sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Sutilezas


Sutilezas

nós sempre levamos em conta
as nossas sutilezas
quando refletimos ou buscamos apreender
as nossas emoções e dificuldades
às vezes nos tornamos melancólicos
nos sentimos difíceis
mas quase nunca porque há uma boa razão
escondida em algum canto
                                                        pois algo escapa e é indizível
de tão nosso
                                        com os outros somos diversos
em especial se não os amamos
compreender se torna um exercício
muito mais fácil
e gostaríamos de ter nas mãos
o gume da justiça
e a aprovação dos que nos escutam
mas somos todos difíceis
nossas razões valem pouco
em qualquer um dos casos
pensar é uma guerra de posições
queremos sair justificados
como se isso pudesse dissipar
nossa tristeza e nossa  insuficiência

                                  Igor Zanoni

                                 

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Sertaneja

Sertaneja

eu sempre te amei
nunca te deixo
mas as palavras são margens
e nós estamos no meio do rio
da vida que nos leva
em exercícios cruéis de liberdade
por isso retomo o pé
vejo de novo minha estranha viagem
e rezo sempre nunca
me dê o céu
meu horizonte que vem e vai

                                   Igor Zanoni

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Darma


Darma

Muitos amigos espiritualistas explicam as dificuldades de relacionamentos e dramas que o mundo vive pelo grau de evolução dos espíritos encarnados e seu carma, bem como pelo carma coletivo do mundo e as tarefas que a todos cada cumprir. Eu não tenho uma noção clara do que seja um espírito e muito menos sou espiritualista. Acho a explicação atraente pela sua lógica simples, mas mecânica demais, lembrando muito uma dificuldade enorme de compatibilização de tudo o que acontece, como sucedeu com a explicação dos epiciclos de Ptolomeu. Mas como acho importante uma perspectiva religiosa em cada um, respeito meus amigos e me coloco na posição de um reles ignorante. Mesmo assim dou meu palpite. Ele se resume na obviedade de que o mundo está cada vez mais impensável, a ponto de terem surgido correntes de pensamento complexo e filósofos que fazem uma clonagem com genes de Marx, Nietzsche, Heidegger, Freud e outros menos votados. O resultado é atraente, mas não nos leva a quase nada. É ai que queria chegar. Alguns pensam na solução dos problemas do mundo no âmbito da política e se sentem diminuídos por não ter uma atuação política conseqüente e firme. Mas acho que basta ler com alguma solicitude um jornal para perceber que não resta quase nada a fazer. Talvez algo aqui e ali, mas sempre enfrentando poderosos interesses nesse país de mortes esquisitas. Tenho amigos budistas que explicam tudo pelos princípios da mecânica quântica e dizem que se houver uma massa crítica de cinco por cento de pessoas meditando todo dia, o mundo passa a seguir outra lógica, mais clara e capaz de mudar nossa visão e nossa ação. Si non é vero é bem trovato, como dizem os herdeiros de Dante. Eu não tenho uma opinião formada, mas meu palpite, sempre ele, é que é melhor cada um buscar o seu carinho seja como for, e ser tão amoroso como só uma puta velha sabe ser, descontadas as ideologias e os ângulos agudos e obtusos das idéias à procura de uma mente receptiva. Esse é meu darma, minha ação no mundo.

                                 Igor Zanoni


Tarde


Tarde

1

o que é mais gostoso
que passar a tarde jogando bola
com os amigos?
mesmo que o campo seja uma calçada
e as traves umas pedras de rua
joga-se uma pelada renhida
se faz gol de letra
e defesas como só o Rogério Ceni

2

o Nenê que é o sábio do bairro
disse que às vezes só mudar um pouco
a paisagem caseira
indo conversar sobre carros
com o Marquinhos
ou ver um filme de Hitchcock com o Tiago
já dá um tempo para a cabeça
por isso a regra número um dos entediados deve ser:
saia de casa um pouco mais cada dia


                                          Igor Zanoni

terça-feira, 27 de setembro de 2011

No rumo certo

No rumo certo

fica cada vez mais claro
que as coisas não caminham como o previsto
que elas vão mesmo de mal a pior
apesar da geométrica conformação
do pensamento e do desejo
então a solução é percorrer
onde o vivido escapou à lógica requerida
e se reafirmam os fundamentos
que nunca estiveram em questão
não por mal ao contrário
parecia que desta vez tudo ia bem
mas por pura falta de imaginação
ou de empatia
para sentir como o outro vivia
o que a juros compostos redundava
em uma bela soma de reafirmação
de beatitudes doces como o mel
que alguém tirou da árvore
em uma passagem da homilia
então se fez vigília jejuou-se
aboliu-se o que tinha uma leve
aparência satânica
mas se sabe o mundo é um vale de lágrimas
a alegria se espera no outro mundo
a lógica é exata
alguém importante morreu por ela
então terminemos nosso drama
afundando uns aos outros
no nosso férreo discurso
que se danem os tolos
Deus escreve certo por linhas tortas
o rumo é certo
é uma mera questão de fé

                                         Igor Zanoni

Bairro

Bairro

perto de casa o ruído emocional
das ruas do centro e do trabalho
diminuem
um vizinho recolhe as cartas do condomínio
ao lado outro pintou os portões da grade
e o jardineiro apara a grama
o tom das vozes em geral é mais calmo
e as conversas menos pesadas
isso dá uma sensação de ordem na vida
de uma pequena ordem que o mundo pode
fazer voar
mas pela qual cada um de nós lutará

                           Igor Zanoni

domingo, 25 de setembro de 2011

O certo e o direito


O certo e o direito

muitas e muitas vezes eu não sabia
o que estava acontecendo comigo
entrava numa história
tentava fazer o que achava certo
mas não entendia como ela estava se sentindo
não como imagino hoje
ela que era aveludada e calma
linda como a lua
não sei o que sentia ou pensava
soube depois quando bateu a angústia
com a insônia e a saudade
que importa a alguém
que diferença faz
muitas pessoas não são o que pensam
mas eu não tinha nenhuma convicção
apenas uma sobrecarga
estudava trabalhava cuidava de quem chegava
era o correto não era?
espero não ter feito o  pior em tudo isso
mas ás vezes penso que para ela
eu devia ter dado outra vida
eu poderia? essa impossibilidade
esse devaneio
é o que conto como minha história real
como se eu pudesse ter vivido por nós dois
cuidado mais de nós
como se pudesse ter nascido
com uma sabedoria transcendental
e o resto era só engatar o motor
não sei se é bem isso
eu nunca vou saber direito

                                             Igor Zanoni                                                 

Pessoas

Pessoas

com quantas pessoas vivi
entreteci meus gestos
minha alegria e minha aversão
fiz-me um pouco cada uma
depois me desfiz
em longos pensamentos
sobre como reaprender
o que já não cabia
e apanhei dos descaminhos
do desencontro de mim
de todas sou e serei
cada uma que se afasta
continua aqui bem em mim
mesmo se com palavras
que devo imaginar
ou nos gestos que abraçarão
o espaço
quando eu me for o mundo
levarei um pouco
até lá ele estaremos todos
como uma galáxia se expande

                                       Igor Zanoni

sábado, 24 de setembro de 2011

Palácio da Lua

Palácio da lua


é preciso perceber onde nos movemos
qual o nosso referencial
em que momento somos implausíveis
mas mesmo assim atores de nossa vida
estranhos quase morrendo à míngua muitas vezes
mas por impossibilidade própria e intransferível
e nesse momento poder ouvir
o que ouvimos de quem não se espera
saber reconhecer onde finda o nosso continente
e começa o oceano que nos barra
até aí vai o nosso mapa
percorrido com todo corpo
e no corpo inscrito
como perspectiva histórica mas também
como exaustão dessa perspectiva
esta é a nossa face da lua
e nosso lugar no mundo

                                           Igor Zanoni
                                  

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Tragédias

Tragédias

as nossas tragédias não podem ser previstas
os jornais fartam-se com notícias
sobre funerais coletivos
o choro individual perde seu sentido
pensar na vida individual
fazer meditação exercícios
ingerir antioxidantes
tudo que é dado como portas
para uma saudável longevidade
também não faz sentido
as reações de cada um são imprevisíveis
as pessoas estão soltas em suas feridas
incoerentes na aparências
as feridas se tocam
geram um mal estar coletivo
que não se resolve com poemas rock
e drogas ou sexo
as feridas não são criativas
não consolam
abrem sulcos na terra e no mar
derrubam milhares de torres gêmeas
fukushimas de medo
as rosas sangram suas últimas florações
nosso coração cheio de espinhos

                                                 Igor Zanoni

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Luz

Luz

o direito foi a primeira pedra
na construção humana
nascemos definindo regras de propriedade
de partilha dos bens
de herança e parentesco
e aí nasceu o conselho dos anciãos
o tribunal os delitos os pecados
o merecimento das penas
desde logo a de morte
daí também tantos consensos tortuosos
como a obrigação de amar os pais
o filho o marido os irmãos
quando terminamos uma relação
logo temos um senso de culpa
por querer seja de quem for um carinho
um amor na vida basta pensamos
compliquemos tanto quanto possível
nosso coração
pensamos também que isso vem
de alguém distante que sabe tudo
por qualquer coisa nos fazemos
merecedores de muitos infernos
e chamamos isso consciência e reponsabilidade
mas no íntimo temos nossos espaços
bem mais sagrados e calados
onde não penetra a luz
para que o outro possa enxergar
não é possível fazermos como um cachorrinho
que entra numa biblioteca
e mija nos livros
marcando seu território
mesmo os bichos tem seu sua moral
é melhor fazer aqui uma prudente
reflexão
mesmo que nos cegue
não precisamos de tanta luz

                                            Igor Zanoni

seu José

Seu José

seu José carpinteiro era de Porteira Grande
como sua família e sua necessidade
de ganhar a vida
nunca estudou só conheceu cedo o trabalho
fazia janelas portas mesas para churrasco
tinha boa mão e bom olho
depois de casar teve também muitos filhos
e uma briga interminável com a mulher
dizem os que o conheceram
que gostava muito de conhaque Dreher
e que isso acabou levando ao seu coração fraco
nunca mais trabalhou depois disso
dona Maria era religiosa mas birrenta
por ela era sim sim não não
sempre do jeito que ela queria
metia medo e raiva nos filhos
gostava de televisão e de comprar coisas
no cartão do BMG
assim como gostava da visita das irmãs
longas tardes de domingo
reconhecendo mais uma vez a velha vida
e uma que outra novidade
era temida em casa
na rua pouco valia
teve muitos filhos mas nenhum calhou
de ser Jesus
cada um tem seu destino
ou como dizem os padres a sua missão
mas tinha surpreendentes instantes de reflexão
nos quais dava conta da vida muito bem
era uma filósofa de poucas letras
mas sabia bem quem era
e o que podia ou não devia

                                                  Igor Zanoni

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Todos os cães merecem o céu

Todos os cães merecem o céu

quem se preocupa com o céu
para os maus e pecadores
e com sua redenção através da  boa nova
com certeza se preocupa com o céu dos cães
o primeiro e mais importante animal
domesticado pelo homem
e que tornou sua vida na terra menos penosa
há pessoas com grande dificuldade
de afeiçoar-se às outras
mas está sempre com seu cãozinho
próximo dos pés
quando trabalha ou sai pelo bairro
relaxando a si  acarinhando outros cachorrinhos
conheço um homem que quase se esqueceu
da humana condição
e já não tem amigos e mal fala com a família
mas com seu puddle branco encomenda uma pizza
o homem merece o céu
que sabidamente protege os loucos e os bêbados
quanto não merece o céu o seu Mimi!


                                                   Para Isabela, que ama os cães
                                                 Igor Zanoni

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Besouros

Besouros

Fui com meu filho Mateus á feira de profissões da universidade no domingo e no estande das ciências agrárias vi uma bala caixa de madeira envidraçada com coleópteros, mariposas e diversos insetos, tudo muito bem arranjado e bonito. Fiquei admirando a caixa quando uma aluna solícita me explicou que aqueles animaizinhos eram pragas das plantações, e que havia projetos na faculdade sobre o melhor modo de combatê-las. Acostumado com os praticantes budistas, que não matam nenhum animal, tomando até uma aranha marrom com um pedaço de papel e jogando de volta pacientemente no jardim, perguntei como todos aqueles bichinhos encontrariam um lugar para viver. A menina me explicou que o mundo era cheio deles, e que não fazia mal algum matar uma quantidade deles. Achei a resposta absurda, tanto talvez quanto ela achou absurda a minha pergunta. Em outro estante vi uma caixa grande com coleópteros de diversos tamanhos e cores e me lembrei que Stephen Jay Gould escreveu em algum lugar que se Deus criou mesmo a natureza, deve ter uma predileção por besouros, pois há várias centenas de espécies desses bichinhos. Perguntei à aluna do estande, de Biologia, quantas espécies de besouros havia no mundo, mas ela ficou meio sem graça com a pergunta e respondeu: “sei lá, um monte”. Em minha opinião, se os besouros são bichinhos tão numerosos na terra, qualquer biólogo teria a obrigação de dar uma resposta na ponta da língua. Ou há algo errado  comigo ou com os estudantes de hoje, que não sabem responder as perguntas que me são importantes de verdade.

                                                         Igor Zanoni

domingo, 18 de setembro de 2011

MPB

MPB

eu me lembro
embora inda menino
de cabelos cacheados sobre o ombro
e os olhos cândidos de quem se surpreende
se alguém achar mau lugar o mundo
na escola a aula de inglês corria
com as canções do Abbey Road
quando saía no sábado á noite
gostava de ver os doces bárbaros
como era mesmo dramático
o cantar de Maria Bethânia
como Caetano era lírico e lembrava
Augusto dos Anjos
adeus meu olho é todo teu
meu gesto é no momento exato
em que te mato
como podia escrever isso?
a arte era mais do que política
a tragédia revivida
na tragédia do país que eu adivinhava
mas não sabia

                                                 Igor Zanoni

sábado, 17 de setembro de 2011

Seiva

Seiva

passo tempo incontável absorvido
em algo que ignoro mas contemplo
mudo quieto religioso
depois se abre em mim um botão
como de violeta sob o tanque
esquecida na umidade
dos sapos e dos musgos
botão de modesto anil
cheirando a sabão
como a empregada que é a única
a se lembrar dessas coisas sem valor
que não se compram
mas vivem na casa como um agregado
e dão à casa seu modo específico  
de definir-se como casa
entre baldes e gatos
e assim conto as estações
no secreto silêncio da seiva

                                                       Igor Zanoni









sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Sina

Sina

o rapaz fez dezoito anos, logo de manhã duzentas flexões, é bem apessoado, dispensado por excesso de contingente, arrumou um emprego de telefonista, comprou um tênis, uma jaqueta, uma moto em 72 vezes sem entrada, sai com umas minas, com uma ficou mais tempo mas não pensa no futuro, o futuro é agora, a moto já vale menos que o financiamento, precisa manter o trampo, tentar um curso de que?, é rapaz direito, só bebe e fuma, no mais é limpo, impressiona na Honda 250, sente falta de que? só se for imitar Cazuza que queria ideologia, ele não quer, quer se livrar da moto, não dá, precisa ajudar na casa da menina, homem serve paras que?, discute com a mãe da moça mas fica quieto no seu canto, é melhor para a tosse, o tênis ainda bem que é Nike, a mina vai ter um filho dele, todos cumprimentam: que anjo! tão novo e já papai, este tem boa pontaria, parece o Neymar, cara eu vou ser sua assessoria de imprensa, vou por no Facebook um poema:
a mina
a moto
o Nike
e o Junior
que o mundo só sente quem tem cara e coragem

                                                 Igor Zanoni

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Ainda Moby Dick

Ainda Moby Dick

como a Bíblia, Moby Dick pode ser visto como vários livros. a tragédia do capitão Acab, que tenta se vingar do divino leviatã e toma-lo como presa de um baleeiro é descrita em poucas páginas, mais no início e no final do romance. mas se inicia com os pormenores sobre o melhor porto para se embarcar em um uma viagem em busca do espermacete, como os navios são equipados, os salários oferecidos, características dos tripulantes e dos acionistas e assim por diante até a esperada partida do Pequod. o tom aí é alegre e aventureiro, como convém a um romance de aventura, o que Moby Dick não é inteiramente, podendo ser visto como uma longa meditação metafísica que orgulharia os livros sapienciais do antigo testamento. os detalhes técnicos sobre os tipos de baleia, qual o produto que podem fornecer e a excelência do espermacete só encontrado no cachalote, a maior baleia então conhecida, são dados com austera composição, como um intermezzo do livro. as relações entre o capitão e os arpoadores, com os comandantes do bote, a forma como se processa e estoca no navio um cachalote arpoado e morto, são outros capítulos de composição em geral sóbria e mesmo técnica. há momentos de narração mais leve e venturosa, momentos tensos revelando o perigo a que os tripulantes todos estão expostos, mas em regra esses momentos são entremeados por informações sobre a troca de correspondência e informações no alto mar, procedimentos sobra a caça e os direitos sobre os cachalotes feridos. no conjunto, a obra expõe, sem esquecer nada, que eu saiba, uma meditada saga sobre a florescente busca do óleo perfumado em meados do século dezenove. tudo isso faz de Moby Dick uma peça inusitada enquanto literatura. que termina com o naufrágio do navio provocado pela vitória do cachalote sobre Acab e sobre o baleeiro, salvando-se o narrador que coloca todo o difícil texto na primeira pessoa, como um experiente expositor de um capítulo da história dos Estados Unidos, um expositor quase neutro, que aprecia o que vê e narra com o máximo realismo ou exatidão a figura, trágica porque sabe de antemão que a viagem será um fracasso, e condena à morte os que viajam no Pequod e são levados a participar do destino, do capitão que confundiu um negócio com uma afronta pessoal que jamais poderia ser vingada, por mais cuidados que tomasse. por maior que fosse sua experiência, sua velhice e coragem, sua impiedade não poderia deixar de ser punida.

                                                Igor Zanoni

Moby Dick

Moby Dick


a literatura norte-americana cedo começou a apresentar obras e autores de grande valor, talvez pelo componente religioso puritano, capaz de dar uma dimensão trágica a quase todos os aspectos da experiência humana. em Moby Dick por exemplo há inúmeras ressonâncias bíblicas, como o o capitão do Pequod chamar-se Acab, rei israelita que introduziu deuses cananeus em sua terra, perseguiu profetas e terminou morto de modo exemplar pela justiça divina, tendo seu sangue lambido por cães. o livro todo se move entre vários paralelismos como este, mas creio que o principal é a luta de Acab contra o leviatã. em Jó, o leviatã é o grande animal marinho que Deus fez antes que o homem existisse, distante da habitação humana e vivendo sem dar contas a ninguém. por que Jó teria de compreender um deus que criou o leviatã e o behemot, como o homem pode exigir de Deus justiça por seus próprios argumentos quando não percebe a liberdade de Deus e sua face muitas vezes indisponível?
na próspera e arriscada vida da indústria de óleo de baleia, da qual o livro oferece um painel detalhado e magnífico, Acab, tendo sido mutilado pelo invulgar cachalote branco, busca justiça na morte do animal, comprometendo a vida de sua tripulação e deixando o negócio da baleia e a vida comum para vingar-se através dessa busca. mostra-se assim arrogante, argumentando contra o leviatã que vive no imenso oceano tal como Deus o fez no princípio. Acab mostra-se ímpio e essa impiedade o mata. a sua luta é contra Deus. não poderia haver melhor exemplo, dentro de civilização que nascia, da necessidade de não colocar o negócio e a vida comum contra a insondável presença divina, de deixar a vingança como uma prerrogativa de Deus, e não do homem.

                                                              Igor Zanoni 

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Caindo na real

Caindo na real

se eu conheço alguém
não posso senão lidar
com meu velho eu mesmo
não posso amar com um ideal de mim
dessa proximidade que me envolve
e engole e às vezes cospe
talvez o meu amor com certeza
não seja um gesto de conhecimento
de alguém além de mim
mas meu reconhecimento
sinto-me mal pensando assim
fico desprotegido
não posso jogar culpas
sequer em mim
a vida segue o que é
se pudesse fazer nascer diante de mim
um grande amor que beneficiasse alguém
sem levar-lhe junto mal algum
daria um nascimento novo a ambos
os budistas procuram por isto
qualquer pessoa generosa quer isto
mas eu me sinto aquém desse sonho

                                           Igor Zanoni

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Mutantes


Mutantes

andei por aí meio desligado
robotizado pelas minhas neuras
pensando em cinco coisas ao mesmo tempo
imbricadas em uma caixa chinesa
de modo que minha respiração
parecia um hausto do gênesis
ou do apocalipse
cheguei a sonhar em pedir comprimidos
ao meu psi mas depois pensei
(este foi um sexto pensamento)
que as coisas que se adquirem como vícios
ou hábitos permanecem no córtex
então fiz uma dieta de sono
e alimentação para o fim do mundo
não me pegar surpreso
deu certo melhorei
hoje já posso andar de novo por aí
cumprir minha tabela
logo te ligo
ou me ligue
mas aviso que ainda estou pegando leve

                                                      Igor Zanoni

domingo, 11 de setembro de 2011

Perdas


Perdas

quando perdi meu primeiro amor
senti o quanto de mim perdera
mas quando perdi meu segundo amor
achei melhor encurtar a história
o que não consegui por uma fatalidade
afinal quando perdi meu terceiro amor
assumi o destino dos homens e mulheres
que podem partilhar o mundo por um tempo
não mais que por um breve tempo
e sem mágicas referências no mundo
aprendo os truques com que a maior parte
ganha a vida

                                      Igor Zanoni 

Palácio da Lua

Palácio da Lua


Woody Allen gosta do papel de neurótico
vivendo suas dificuldades na vida
sempre com a assistência de um psicanalista
tomando uma infinidade de comprimidos
e discutindo a existência de Deus
é engraçado às vezes tocante
mas se quiser saber ou  identificar
minha irrealidade cotidiana
prefiro ler Paul Auster
que tem uma prosa leve mas hiper real
dolorida demais mostrando um doido
como todos somos mas negamos
os grandes escritores começaram
sua vida trabalhando em navios
vide Melville que entendia tanto do mar
que terminou escrevendo Moby Dick
esta saga litúrgica de um capitão
tentando matar sua loucura
Paul Auster começou também assim
e lhe ficou esse íntimo que busca
esse mapa do desespero
essa sombria quietude
mesmo no Brooklyn

                                                          Igor Zanoni
                                      

sábado, 10 de setembro de 2011

Universos

Universos

há idéias atraentes por um tempo
que parecem governar
as relações entre os homens
o universo o destino o desconhecido
assim pensava-se na harmonia entre os círculos planetários
o sol e o tempo de Deus e dos homens
a sua ordem e rigor
estas ideias parecem explicar a física e a metafísica
como muito mais tarde
a evolução foi lida imprecisamente
como a lei que regulava a vida no planeta
e o dinamismo da ordem social
os espíritos passaram a subir
através de muitas vidas
sua ascensão ao mais alto
e Einstein substituiu Newton
como Chardin e Alan Kardek
substituíram São Tomás
quantas opções filosóficas e existenciais
essas ideias preteriram
ou atiraram à fogueira?
Bruno o quase herege Galileu
os homens cujas pátrias foram vencidas
por impérios mais temíveis
só erguemos pátrias à custa de outras
em cada repressão há uma liberdade oculta
que foi necessário
é o tempo todo necessário reprimir
em cada possibilidade há lucros e perdas
os homens aprenderam cedo a medir em prata
o que afirmam e o que negam
mas nem sempre sabem

                                     Igor Zanoni

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Escrever um poema

Escrever um poema

Lawrence escreveu que amar
lembra o trabalho de um marceneiro
construindo um banquinho
descontado o vezo utilitário e pragmático
tão inglês
da imagem
parece-me que escrever também implica
trabalho e habilidade mínima
como a de um marceneiro
que constrói um banquinho
e pode se orgulhar dele
coloca-o debaixo de uma fronde
que dê para uma visão do seu planeta
e convida passantes a descansar
e quem sabe conversar
se o tempo de ambos for propício

                                      Igor Zanoni

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Prudência

Prudência

amores imprudentes podem converter-se
em felizes amizades
sempre vale mais um amigo contente
que um amor pronto a mostrar os dentes
nem todos pensam assim
aproximam-se por caloroso afeto
sem distinguir seu gênero e origem
e seguem em confusas distrações
julgam condenam depois perdoam
voltam dois passos atrás e logo um à frente
mas os amigos tudo perdoam
embora às vezes ciumentos
nem sempre vivam seu amoroso
contentamento

                                           Igor Zanoni

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A Morte

A Morte

a morte é um meticuloso
atentar para as últimas coisas
câmara lenta para a paisagem
que se demora como se jamais
fosse passar
um cuidadoso examinar a si mesmo
aos nervos e sentidos
como o corpo se transforma
colocado agora mais sólido no chão
porque já não poderá levantar
 os músculos ossos
tudo que forma esse  corpo
que na verdade  já passa
a morte é a véspera de outra morte
que desconhecemos
quem sabe o que ali saberemos?

                                                       Igor Zanoni

A Volta

A Volta

quando se volta já não encontra
o mesmo que partiu triste ou contente
e os que esperaram contra a esperança
também mudaram suas esperas
quem olha para o passado
não deve tentar ver o futuro
isso é tolice rematada
melhor deixar em seu cálido lugar
a saudade do que já não será de novo
insistir na volta pode ser
a ilusão dos velhos
de encontrar os antigos irmãos e a antiga família
reconstruir a infância depois de aposentado
que pena! que dor!
deixar passar a vida que vai a toda vela!

                                                        Para Selma
                                         Igor Zanoni

Futebol é momento


Futebol é momento


Um bordão muito usado no futebol é: “Futebol é momento”. Pesa como uma espada de Dâmocles sobre a cabeça do jogador e do time. Vi jogadores em grande fase serem chamados de craques, e depois serem vendidos pelo clube como mercadoria imprestável, para tentarem a sorte em outro clube, assim como vi jogadores sem grande talento passarem por fases incríveis, jogando muito e se valorizando muito.  A dança dos técnicos tem a mesma sorte. O futebol, como tudo, tem um pouco de sorte. Os jogadores em geral mantém por isso uma postura em geral humilde. Quando fazem um grande jogo e são entrevistados após a partida vão logo dizendo: “ Futebol é momento, o time tem jogado bem e saímos graças a Deus com a vitória”. Os técnicos formam um pequeno grupo que se revesa nos times de alto a baixo no país, mas jogadores há muitos, a concorrência é enorme. O atleta vive sua juventude mantendo a forma, controlando a vida e suas paixões para se manter ativo e ajudar seu desempenho. Precisa também ter a cabeça no lugar, o que significa ser humilde, seguir as ordens do “professor” e da diretoria, conter impulsos de vingança e ira no campo quando recebe falta dura ou a arbitragem não agrada. Outros profissionais precisam ser também subservientes no trabalho, mas o atleta depende muito do seu estado físico, de sua inteligência emocional, para jogar bem por mais tempo. Mesmo assim seu tempo passa, e é curto: um jogador de trinta e poucos anos é um veterano que já quase não suporta o ritmo forte das competições. Seu tempo é breve, dura um momento. Por isso o atleta sempre lembra o duro bordão. Feliz dele quando conta com tempo favorável.


                                         Igor Zanoni