segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Encalacrado


o Park Tupã encalacrou há meses perto do Detran com suas polias, cabos, roldanas, alavancas, manivelas, pneus, hastes, levando a nuvens baixas jovens com cachorros-quentes e sacos de pipoca com resina amanteigada, crianças em brinquedos que giram de muitas maneiras parecidas mas com sons diversos, entre alto-falantes com musicas sertanejas que são as que se ouvem, produtos todos de tempos em que havia planos de expansão acelerada da metal mecânica brasileira e valia a pena percorrer as cidades e mesmo os estados próximos com novidades e tempos de ócio feliz sobre caminhões enormes nas estradas estaduais e federais, tudo hoje superado pelo encalacramento financeiro, a informatização de mídias sociais e outras questões discutidas, sempre de leve, entre pedidos de vista nos autos, manifestações pró e contra, modelos praticando ioga, fotos de Sílvio Santos, seguindo os trâmites lentos da agenda inexistente  



                                                                      Igor Zanoni

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Roshi

não tem sentido compreender
mesmo que busquemos como um taoísta
o espírito do universo
não há o que compreender
há um fluxo do que acontece
o cosmo que cai no colo
não uma filosofia
não um ser
um sistema
há uma alegria e uma ansiedade
pelas quais passamos
rumo ao que aqui está
cesse o domínio cesse a compreensão
comemoremos a exatidão do que há
sem precisar dizer isto e aquilo
você percebe em seu corpo
o cosmo que cai no seu colo



                                                                 Igor Zanoni

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Feira de profissões


eu estou tão distante
meus planos são fluidos
tão inconsistentes
sigo no dia como um boxeur
as luvas altas
mas já não há luta
não ganharei um round
eu me despeço
de sonhos inconclusos
mesmo em minha força
e em minha vida
projetos já não são possíveis
os arquitetos já não encontram hoje
trabalho
nenhum espaço na paisagem
em que possam desenhar desejos
claros definidos
o rosto forte de um aviador
sobre as nuvens pesadas
há uma feira de profissões antigas
desusadas
em que não encontro emprego


                                                     Igor Zanoni

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Fundamento


uma criança pequena costuma perguntar o porquê de alguma coisa acontecer, e continua a perguntar depois de receber uma resposta. ela pergunta por quê?, depois de uma resposta pergunta de novo por quê? e assim por diante. achamos  a criança engraçada, afinal ela está na fase de perguntar tudo, depois nos aborrecemos e alguns acabam dizendo: PORQUE SIM, e ponto final. mas poderíamos pensar que com estas perguntas consecutivas a criança busca o incondicionado, o absoluto. uma criança nasce com uma propensão filosófica natural, de buscar o fundamento do mundo no qual se vê colocada. depois talvez pare de perguntar e comece a aceitar o que vem ou a tentar manipular o que acontece, e se torna como quase todos nós uma pessoa que se contenta com ver um ou dois palmos à frente.



                                                                   Igor Zanoni

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Excessos


Salomão escreveu: “Não retire o vinho da boca do que sofre”, e Paulo aconselhou um pouco de vinho para a melancolia de seu pupilo Timóteo. Mestre Taisen Deshimaru conta em sua autobiografia que na entrada do mosteiro em que vivia havia um aviso para que não fizessem entrar por ali nenhuma garrafa de bebida, por isso ele entrava com sua garrafa de uísque pela porta de trás. Se isto não é um aval para excessos, é um aviso contra a excessiva contenção.


                                                  Igor Zanoni