terça-feira, 30 de agosto de 2011

Família





Família


os arranjos familiares
são os mais inesperados
cada um segue em uma direção
sempre forçando um pouco a barra
e nunca ninguém fica bem
ninguém pode abrir mão
de suas paixões por mais sombrias
e a elas retornam como entendem
como as recriam todo o tempo
às vezes se consegue fazer algo juntos
comprar uma tevê a prestação
ou almoçar na casa da mãe falando
as trivias de sempre
com o churrasco e a cerveja de sempre
e sempre alguns gostam
outros desgostam
no mais tudo certo como dois e dois
são cinco
pesquisas da NASA informam
que a maior causa mortis entre os americanos
é a família
a menos que se possa sempre se divorciar
e manter-se rico
as igrejas gostam muito da família
Deus Maria e Jesus
José na sua habitual obscuridade
quando ninguém mais quer casar
eis que se impõe a necessidade econômica
e as brigas e confusões de sempre
os homens por sua vez não tem imaginação
quando ficam perto de uma mulher
dez minutos
já a pedem em casamento
os gays querem casar de véu e grinalda
muito justo
mas como disse Cameron Diaz
casar restringe outros tipos de relacionamento
eu sempre fui casado
devia ter sido menos
mas trabalhei criei filhos e fui tão feliz
como tudo mundo

                                               Igor Zanoni

Janela




Janela

da minha janela com vento
vejo uma árvore jovem
com galhos que querem
alcançar o céu
além no fundo da paisagem
há grandes araucárias
mas desta árvore não sei o nome
não poderia descrevê-la tão bem
para que você a identificasse
você também não deve ser bom
em nomes de árvores
não é uma cisalpina nem um flamboyant
não é uma árvore frutífera
como laranjeira ou limoeiro
ou as ameixeireiras que antes
se encontravam por toda parte
em Curitiba
é uma árvore comum
das que a Prefeitura planta
mas com o vento e a imaginação
em frente á minha janela
forma um desenho delicado
um pouco oriental
e compõe bem a paisagem
que trago no peito
como se tivesse sido colocada ali
para o meu coração

                                     Igor Zanoni

domingo, 28 de agosto de 2011

Paulo




Paulo

Paulo sempre aparece no barbeiro, na padaria da Adílio Ramos com a Alceu Chichorro, parece que vai andando pelo bairro quando está ocioso e entra para conversar sobre o que está rolando. Está sempre bem informado sobre o jogo que passa na teve, ou com as estradas do Paraná neste tempo de chuva. Tem uma Kombi velha e faz carretos. Sua voz é sonora, alta, mas não diz nada impróprio. Parece que quer interessar as pessoas no que se passa em volta com um conhecimento em primeira mão e bem ponderado. Mas sempre fala sobre como se juntasse manchetes de um jornal popular. Muitos gostam, conversam, ele fica um pouco, depois vai embora. Sua mulher já o expulsou de casa algumas vezes por causa de bebedeira. Tem o rosto envelhecido, bastante marcado, às vezes pede para encostar a Kombi ao lado de uma lanchonete ou no pátio de uma pizzaria e dorme dentro do carro. Os evangélicos não gostam de alcoólatras e não o recebem bem, de modo que suas idas e vindas não são bem aceitas por todos. Mas a maioria o aceita bem. Sabe pelas conversas que mantém da vida de todos, mas é discreto. Pega agora pouco trabalho, bebe muito. É um dos tipos populares do bairro. Mas andando daqui para ali  mantém todos informados sobre muitas novidades, coisa de que os novidadeiros muito gostam. Assim fez seu espaço, como figura imprescindível em quase todo canto. Às vezes se lasca. Uma vez entrou em um restaurante onde eu estava e pediu algo, colocando-me como sua testemunha: “O professor ali me conhece, sabe que eu não sou disso...”, mas nunca falei diretamente com ele, estranhei esse apelo meio desesperado. Não disse nada, fiquei quieto. Ninguém o maltrata, o povo sabe que Deus protege os doidos e os bêbados. E ele é meio doido e bêbado inteiro. Mas tem uma estratégia na vida e a usa bem.


                                                         Igor Zanoni

Perda




Perda

a sua perda representou
e condensou muitas perdas
desde logo a de mamãe
minhas irmãs distantes
meus amores antigos
que como você por minha vida
andavam e a conduziam
como fazem os amores
silenciosos e despóticos
ensinando os limites da vida
o espaço da casa
da cidade
que por sua vez ensinavam
às bússolas e aos mapas
como serem congruentes
praticáveis
como a vida se faz possível
entre as pessoas
como nos fazem lúcidos
e seguros
sem que precisemos indagar
o bem e o mal
o certo e o erro
criança em um domingo de sol
espreguiçada na grama
os pés no chão do mundo
o mundo sob seus pés

                                             Igor Zanoni

                                            

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Ideologia




procura-se compreender o mundo
para transformá-lo
esta é antiga lição
mas hoje mal se consegue
mover uma palha neste palheiro
por mais que se queira
desde algum tempo há um consenso
conservador
que induz a oportunismos pessoais
a proteção dentro de alguns grupos
o dinheiro nunca foi tão atraente
meus professores desde o primário
eram ideólogos
queriam entender amar mudar
seu lema era o de Rondon:
morrer se for preciso
matar nunca
as ilusões da vida nos tornam ingênuos
porque os espertos
voam nas asas velozes
é preciso voltar aos tempos da reflexão
e adiar todo intento ilusório
todos nós vivemos dentro
de nossas férreas circunstâncias
cuidado com as ideologias
com os sonhos antigos
dos quais temos uma inútil saudade

                                                Igor Zanoni 

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Experiência




1
minha irmã que é uma pessoa modesta
diz sempre sobre as histórias que ensina:
eu não li muito não conheço bem
conheço apenas por experiência...
então não vale aprender com a experiência?
é o melhor método embora o mais doloroso

2
meu pai que desde novo se virou sozinho como pôde
dizia: essas pessoas que criticam a vida dos outros
não conseguem resolver nem a sua...ou
ele disse que o que estragou com sua vida foi o governo
ter acabado com a possibilidade dele subir de posto
na escola em que ele era porteiro...
os homens que aprendem sozinhos que podem
vencer na vida sem ajuda não deviam nascer no Brasil
porque aqui as coisas dificilmente se arranjam
apenas com tenacidade
aqui poucos são self made men e precisam muito
de uma ajudinha

                                              Igor Zanoni

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Sonhos de Deus




1
a maior parte de nós não tem
liberdade para perceber o que é
apenas segue rígida uma identidade
ensinada pela igreja ou família
e acomoda o resto de si como pode
com suas tensões
não ama senão em certas condições
não faz o que quer
porque nem mesmo quer
não são senão máquinas
que querem reduzir a diferença humana
a conjuntos de peças de máquinas
ou a máquinas diversas e hostis

2

deve ser difícil escolher o nome de uma igreja
crucial em termos de mercado
abriu no bairro uma igrejinha em uma garagem
com o curioso nome de Sonhos de Deus
que supõe que Ele durma
mas é um nome menos imperial e altissonante
do que a maior parte do nome das igrejas
parece mesmo o nome de um jardim de infância

                                              Igor Zanoni

Lira





Lira

nós ginasianos do Culto à Ciência
líamos suspirosos
“Nunca morrer assim, num dia assim,
 com um sol assim ...”
que isso de morrer fica mal nos jovens
mas cabe bem em alguns poetas
eu amava Crisálidas Falenas o Só
 o José Régio declamado em recitais
eu tinha quinze anos
não possuía uma Lira dos Vinte Anos
muito menos me preparei
para beirar os sessenta!
depois ia almoçar em casa o soufflé
que mamãe fazia com esmero
e as tardes eram o vagabundear
nas ruas do bairro
o futebol no Círculo
não pensem que foi fácil
eu sempre me impressionei
com o drama que preenche o mundo
mesmo quando parece tão à toa
“Passei minha vida à toa, à toa...”

                                                       Igor Zanoni


terça-feira, 23 de agosto de 2011

Futebol arte



Nos tempos do futebol arte e da malandragem dos cartolas interioranos que dominavam como podiam os jogadores e sua própria projeção política, os times eram mantidos quase sem modificações no elenco por muitos anos. Todos sabiam qual era o meio campo do Botafogo de Ribeirão Preto: Bazani e Bazaninho, ou do Juventus da rua Javari: Brida e Brecha, e assim por diante. As partidas valiam dois pontos, um em caso de empate. Os times menores armavam um ferrolho contra os grandes, que passavam apuros no campeonato equilibrado e disputadíssimo em âmbito estadual. O Brasileirão não existia. Aliás,hoje existem muitos Brasileirões, como o da série D que o valente Santa Cruz disputa. Na década de sessenta veio da Ferroviária de Araraquara o centroavante Téia, formar com Terto e Paraná o ataque do São Paulo. Custou trezentos ...não me lembra a unidade monetária. Aquisições assim eram raras. Ouviam-se as partidas no radio de pilha. Como o jogo era difícil, o resultado só ficava definido no final, quando o speaker gritava: ‘Quem ganhou ganhou, quem não ganhou não ganha mais...’
ou ‘E fecham-se as cortinas do espetáculo’. O grande Santos ia a Campinas e apanhava ás vezes uma surra do Guarani, que já deu uma dupla de área à seleção nacional, o escrete canarinho: Nelsinho e Babá. Não eram bons tempos. Mas recordar serve para não se supervalorizar o futebol de hoje. Trocamos Nabi Chedi por Ricardo Teixeira, que ganhou a próxima Copa de Blatter para superfaturar obras, segundo leio, e ficar definitivamente rico. Aliás, a CBF é uma entidade privada. Se fosse pública todos estariam caindo de pau.


                                               Igor Zanoni
                                                    

Caixa 2




Caixa 2

Acho que é um pouco em toda parte assim, mas o Brasil é um grande caixa 2. Estas semanas estamos vendo a presidente Dilma às voltas com sua base aliada nos ministérios, tentando sanear os furos do orçamento num momento que pede prudência e jejum diante da crise econômica e da rede que nos prende ao capital financeiro. Mas todo o Congresso é de baixa qualidade. Desde os anos noventa temos entrado em um ambiente público corrompido, ao mesmo tempo conservador, exigindo um enorme esforço para a articulação de demandas sociais legítimas, como aperfeiçoar os serviços públicos essenciais incluindo os mecanismos de transferência de renda como o Bolsa-família. Estes são vistos como assistencialistas. Há pouco o candidato derrotado nas últimas eleições José Serra disse que estes mecanismos não servem, que o que importa é o emprego. Mas nós não somos os Estados Unidos, que tem uma cultura de vencer por si próprio em um país rico, mas cheio de pobreza e violência. Aquele  país faz com sua população um pouco do que faz pelo mundo afora. No Brasil há um mercado de trabalho fraturado, produzir empregos para todos é uma utopia.  Pelo menos um bom embrião de políticas sociais, inclusive, digamos, assistencialistas, é muito necessário. Mas as pessoas acham, que o trabalho, o capital, o mercado, são mais dignos ou éticos que a esfera pública? Ambas estão ligadas, em todos os níveis. A sociedade é enformada por dentro do Estado, cheios ambos de vícios notórios como a corrupção e a sonegação, de dinheiro, de informações, de poder. Qualquer órgão público é minado por mil arapucas para se extrair dinheiro extra, qualquer empresa privada age com ilicitude. Qualquer alternativa para o futuro passa por essa falta de confiança que as instituições transmitem. Não se trata de viés ideológico, o dinheiro contamina o público e o privado, estamos em um enorme caixa 2.

                                                  Igor Zanoni

domingo, 21 de agosto de 2011

Destino



 

sempre com surpresa defrontamos
o destino
em parte alguma está escrito o futuro
não nas estrelas não nas profecias
o homem triste desesperado
um dia deixa seus dias cansativos
e inventa uma forma pessoal
de ainda se manter ligado á vida
quem sabe se mais lúcido
mais ativo que o não sofrido
sabemos que eros ama psique
que arma seus laços e busca
conquistá-la
quando não sabe
o que se passa consigo
o rapaz triste gira seus olhos
não vendo de onde virá o socorro
que vem não de forma extraordinária
mas nos dias banais
a maravilha deixamos para os deuses
para nós basta essa esplendida
banalidade nossa

                                                           Igor Zanoni

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Cabeça





Cabeça


1

mais de uma dezena de pessoas
são mortas a cada final de semana
em Curitiba
mas isso não tem maior repercussão social
como não tem as dezenas que morrem nas estradas
nos feriados prolongados no país
e se há um caos no ensino fundamental
e na saúde pública e assistência aos pobres
isso não tem também nenhum comentário prático
os jornais elogiam os policiais
há o bem e o mal bem definidos
e a polícia pacificadora que em breve
estará em cada casa
se há uma barbaridade na civilizada Noruega
os Estados Unidos sugerem aprimorar e integrar
os sistemas de inteligência
que logo substituirão nossas próprias Inteligências
sempre houve o bem e o mal
o céu e o inferno
para que lado você vai é uma questão
de segurança internacional

2

ele saiu de casa porque sua cabeça estava confusa
e não sabia o que fazer
os conselhos não chegavam até sua alma
a história se repetia
por que não vivê-la de novo
há como viver outra história?
ele queria apenas paz e um pouco de esclarecimento
mas no caminho chamaram a polícia
e ele atacou com as mãos e o corpo magro
um policial parrudo
vai ficar trancado um bom tempo
mas isso não vai ajudar sua cabeça

                                            Igor Zanoni

Imprescindível figura




Imprescindível Figura


quando você vê uma pessoa
compara-a logo com você
e com aquelas que ama ou despreza
antes de dar um cumprimento
você já possui meio caminho
de uma ocasião formada
e logo após você gosta ou não gosta
o rosto das pessoas é reflexo
da sua própria alma
que você em geral coloca no céu
para melhor julgar a alma dos outros
e se não coloca no céu pior para todos
por incrível que pareça
amar exige desapego
mas como sentir desapego
por seu próprias opiniões e utilidades
sua figura querida
sua tão conhecida cara
por sua alma que o Senhor espera
após dar bons conselhos e pitacos
na vida dos que por casualidade
vieram parar nesse século e terra
bem perto de sua imprescindível figura?


                                                                 Igor Zanoni

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Historinhas




Historinhas


nas ruas que frequento
não há grandes negócios
há lojas atrás de lojas
vendendo remédios cortes de cabelo
roupas tênis coisas de supermercado
e por aí afora
entre essas ruas o Mateus corre
de skate com os amigos
e aprende a comprar rolamentos
parafusos trucks rodinhas shapes
mas aprende melhor o amor dos amigos
e dos amigos por ele
sua mãe faz um trabalho cansativo
 e mal remunerado
oito horas por dia
depois de preparar o almoço
os ônibus que toma estão cheios
e demoram a vir
o que é um problema porque ela quer ver
como o filho foi na escola
e ambos estão com sono
e têm de tomar banho e ver as contas
o melhor que eles aprendem é o amor
de um pelo outro
mesmo quando estão por aqui disso tudo
enquanto dormem ou estudam ou trabalham
outros negócios correm
que decidem muito das suas vidas
e além disso eles tem emoções fortes
não são feitos de ferro nem são máquinas
entre os espaços que o amor encontra
não há oferta e demanda nem taxas de juros
ou inflação e recessão
mas estão cercados por isso e muito mais
que felizmente ignoram
porque frequentam ruas simples
a cabelereira o vizinho a família
alguns amigos a professora
o chefe de secção
e seguem como podem fazendo
suas historinhas


                                                      Igor Zanoni
             

Castelos no ar




Castelos no ar


não há nada que queiramos mais
ou que rejeitemos com maior violência
que outro ser humano
São Antão no deserto ainda era tentado
por formas femininas
até se fechar em um sepulcro
quando vemos alguém logo divagamos
se seria um bom parceiro no prazer
e até que ponto
muitos homens como antigamente
ainda se viram depois de passar uma mulher
para olhar seu quadril e suas pernas
mesmo que isso seja engraçado ou tolo
também degustamos nosso ódio
por muitos e muitos anos
até nos encerrarmos em um sepulcro
o nosso próprio sentimento
de abandono injustiça logro
seja o que for
e assim construímos castelos no ar
que duram frações de segundos
ou toda uma vida mortal
ainda que inclua sua morte
e seu ressentimento

                                                      Igor Zanoni

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Separação



Separação

muitas vezes é preciso separar-se
para conhecer a si próprio
e não viver no bolo da família
como se ela fosse o ideal para guiar a vida
mesmo sendo tão conflitiva
e sujeita a tantas vontades
sem sabedoria
é preciso separar-se também
para administrar coisas práticas
por as contas em dia
poder fazer algo que é importante para si
e que o outro despreza
como disse uma amiga isso rompe
um compromisso
mas não necessariamente o amor
o amor pode permanecer
mas compromissos invasivos e exigentes
precisam ser abandonados
porque só fazem a vida mais sem graça
e infeliz

                                                   Igor Zanoni

domingo, 14 de agosto de 2011

Chama




Chama

pálida e calorosa chama
não se apague agora
não nesta tormenta
feliz velinha dos antigos aniversários
está bem irei embora com você
mas fiquemos mais um minuto
olhando a noite que nasce
olhe há luzeiros na escuridão
as estrelas as galáxias a lua
todos tão distantes
não há agasalhos suficientes
para seu frio
eu sinto medos antigos
de um tempo em que ainda
não era nascido
pálida tênue chama
acende meu cigarro de ópio
deixe-me dormir lentamente
depois nos iremos
quem sabe para onde e porquê

                                                      Igor Zanoni

sábado, 13 de agosto de 2011

Antanho



Antanho

o professor dita a lição
o menino  não pesca patavina
as galinhas ciscam
a moça se benze
o bebê chora
o bacharel perora
a menina namora
para a vó tudo na sua hora
e o mundo rolava
por aí afora

                      Para Isabela
                                      Igor Zanoni

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Rio


Rio


quando se quer falar
da passagem da vida
melhor estar diante de um rio
que está sempre ali
mesmo que tudo em volta passe
falamos dos amores
dos livros da política da história
das preocupações com os filhos
e com o mundo que vão habitar
falamos de tudo que passa
buscamos entender como passa
diante do rio que parece
nos observar
e buscamos nossa perene inquietude
diluir nas águas
de um universo antigo
mas ao qual desejamos ainda
boas vindas vida longa e promissora

                                                          Igor Zanoni

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Esperança


Esperança

a esperança fundamental é aquela
que podemos construir todo o tempo
sobre nós mesmos
sabemos dos inúmeros conflitos
que atravessam os dias e noites
dos seres humanos do ambiente
do ar dos mares dos bichos
o jornal é uma coleção de assassinatos
que ficam girando na vida das cidades agônicas
e das terras sobre as quais lemos
mas de fato pouco sabemos
as notícias ruins vêm de todo lado
em meio aos apelos sobre o fortuito
e o sensacional vazio dos negócios
escorados um sobre o outro
caindo em desconstruções
umas sobre as outras
a confiança a solidariedade coletiva
sobre uma cultura comum
é ainda uma utopia
nós sozinhos não podemos senão vergar
à nossa tristeza
intimidados recuamos até o último espaço
mas até nosso corpo está comprometido  
nossa pele sitiada
construir sobre esses materiais a esperança
é a última coisa que resta a fazer
depois disso a morte
somos velas frágeis na ventania
até onde poderemos ter sucesso?
a civilização do capitalismo ruiu
ele não tem nada a fazer por nenhum de nós
aonde nos arrastará em seu declínio
ruidoso?

                                                           Igor Zanoni

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Lojas Frishmann´s


Lojas Frishmann´s

os advogados
os gerentes de banco
os seguranças
os evangélicos
os chefes de repartição
os consultores administrativos
todos usam ternos e camisas Frishmann´s
com seus vincos irrevogáveis
seu tecido de plástico azul
sempre em liquidação
sempre em ótimas ofertas
combinando com botões dourados
e sapatos sociais
úteis para o dia e a noite
simulando uma elegância discreta
uma confiabilidade absoluta
um toque de perfume de dinheiro
de negócio fechado

                                                 Igor Zanoni

Pânico


Pânico

No meu episódio mais intenso e duradouro de pânico, dois amigos me puseram em um carro e me levaram a consultas com um psiquiatra, que me receitou umas boletas caras e inúteis, e a um psicanalista, com o qual me mantive reservado por muitas semanas. Um dos meus amigos sempre me levava ás consultas, mas depois de um tempo tive de ir só. Foi horrível porque eu ainda não andava de ônibus, o táxi ficava caro e na rua eu me sentia morrer. Essa sensação só passava quando eu chegava ao ponto de táxi. Quando tinha de esperar por um, pode crer que era uma longa espera para mim. Passei a tentar ganhar ânimo para ir ás consultas ligando meia hora antes para o psi: “Não sei se hoje vou conseguir ir ”-“Você sabe que é importante vir”-” Mas você quer que eu vá? ”-” Acho que é importante para você”. E lá ia eu com o coração aos saltos. Hoje não sinto mais essas dificuldades, mas se mantiveram vivas por muitos anos. As pessoas tentavam me encorajar, como se pânico fosse um reles medo. Mas é antes um pavoroso pavor. Há psiquiatras que acreditam que para pânico só há um remédio: 150mg diárias de Anafranil. Pode ser associado a um tranquilizante. A análise dá resultados mais interessantes, porque você deixa de ser assaltado por algo que parece externo e começa a falar sobre suas emoções, a trocar experiências com o psi. Hoje não tenho mais feito análise, mas sei me entender bem melhor. Não um entendimento meramente intelectual, mas anímico. O problema é que isso fica clarto depois de passar por todo o processo, o que muitos não conseguem. Soube de um recluso que tratava os dentes em casa com uma lima. Mas não posso assegurar meu futuro, sempre no fundo me sinto como aquele homem que vem e vai.


                                                          Igor Zanoni


terça-feira, 9 de agosto de 2011

A "Nova Classe Média"


A “Nova Classe Média”


A propaganda que o governo faz, à falta de melhores notícias, sobre a consolidação de uma “nova classe média” no Brasil causa espanto a uma pessoa um pouco informada. Este termo foi cunhado pelo sociólogo norte-americano Charles Wright Mills para dar conta do crescimento acelerado de uma ampla camada na América do Norte de assalariados de colarinho branco, diversificada e diplomada, bem remunerada, que se constituiu no esteio do crescimento de duráveis e do surgimento de um mercado de massas, esteio ideológico do país contra os apelos igualitaristas do socialismo. No Brasil, porém, esse termo vem ilustrando a difusão de uma massa de empregos entre dois e três salários mínimos, salário mínimo este bastante deteriorado ao longo das décadas, no contexto de um crescimento de profissões mal qualificadas, em grande medida ligadas a setores como comunicações, diga-se call centers. A base do mercado de trabalho no período entre os anos setenta e oitenta era exatamente dois a tres mínimos, com um grau paralelo de informalidade bastante reduzido diante do atual, e pequeno desemprego aberto. È verdade que o emprego vem crescendo e o produto subindo a taxas mais elevadas que nos anos oitenta e noventa, mas isto vem ocorrendo no contexto de uma reprimarização das exportações, enorme endividamento das famílias a juros campões do mundo. Vai assim se conformando um mercado desideologizado de consumo e emprego, sem qualquer laço de solidariedade cultural entre as camadas da população, com trabalhadores sem expectativa de progressão na carreira e na vida. Mesmo o diploma universitário significa pouco neste contexto, pois grande parte das faculdades, em geral privadas, criam cursos para habilitação em grande parte nessas mesmas ocupações mal remuneradas. Cursos para professores mal remunerados ou assistentes de administração em cadeias de lojas igualmente precarizados. Além disso, em termos culturais o resultado é péssimo, pois se generalizam carros ponto 1 com etanol ou gasolina caros, para viajar em estradas violentas ,ou televisores que servem para as grandes redes manter seu histórico domínio sobre informações e como entende-las. O JN é típico de um jornalismo que tenta mostrar aos espectadores como driblar as dificuldades e manter o otimismo nos rudes tempos que vivemos. Tudo isso não é fatalidade econômica. Os jovens que migram para o Canadá, Nova Zelândia ou Austrália não encontram nenhuma dessas pressões, em países muito menos elitizados e heterogêneos que o nosso e que em termos econômicos podem equivaler ao Brasil, com muito menor protagonismo político. Ao mesmo tempo, cresce o número de milionários no País, e a antiga classe média mingua e tem dentro de si pessoas com muitas dificuldades, remediadas e até as que estão bem.  O governo tem pouco o que mostrar, uma farsa sem opções políticas viáveis.


                                                    Igor Zanoni

Consciência


Consciência

eu já quis abrir minha cabeça
como muitos me aventurar
pelo amor e a liberdade
foi bom e doloroso
nunca se sabe onde isso vai parar
eu já quis acessar níveis mais elevados
de consciência
seja lá o que for
hoje propostas assim vem pela internet
com professores formados na India
recomendados por amigos antigos
que não fizeram outra coisa a vida toda
valeu a pena?
sempre vale se a alma não é pequena
o mundo encolheu
coisas sagradas e anciãs perderam seu apelo
instituições pessoas caminhos
hoje estamos mais sós
e parece que o horizonte
está aqui não ali não mais adiante
não tenho saudade de nada
não me orgulho do que vivi
vivi como pude
como um lutador de boxe
tenho uma amiga que escreve sob seu nome nas mensagens
nem sempre em paz mas sempre em movimento
queria ter a sua fibra

                                                 Igor Zanoni

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Diálogo


Diálogo


eu possuía um diálogo tenso
fazia perguntas de difíceis respostas
e exigia compromissos
com a verdade que talvez pudesse
ser descoberta desse modo socrático
 mas mal humorado
depois deixei de ser a Esfinge
que barrava a todos seu caminho
fiz perguntas para mim
como uma fera que se devora
assim percebi melhor meu sofrimento
e a vontade de pular essa parte
Ganpopa cita uma coletânea de sutras
segundo a qual meditar
é o mesmo e melhor que praticar
todas as virtudes
muitos julgam que o silêncio
é o cerne da meditação
que portanto esta não conduz a nenhuma resposta
eu digo seu asno! melhor sentar e meditar!
alguém perguntou alguma coisa?

                                              Igor Zanoni

domingo, 7 de agosto de 2011

Idosos

Idosos

A grande coorte de idosos que o Brasil possui hoje é um acontecimento recente e que ocorre em plano mundial. Para recebê-los foram criadas expressões retirando o preconceito contra “velhos” com termos como terceira idade ou melhor idade. Receberam cuidados de saúde especial pelo SUS, como tratamento contra hipertensão, ginástica, vacinas contra gripe, suas passagens de ônibus se tornaram gratuitas, com assento preferencial, e muitos serviços foram concedidos por menor preço, como a meia no cinema. Ao mesmo tempo a política de salários mínimos corrigidos acima da inflação e a própria extensão dos pensionistas e aposentados do INSS fizeram dos idosos um esteio de grande massa de famílias, num país onde os empregos são instáveis e mal remunerados para a maioria dos trabalhadores e os empregos para jovens são ofertados abaixo da procura. Além disso, os idosos, com garantia do INSS, puderam se endividar através do crédito consignado, manejando importante massa de recursos para a compra de duráveis e utensílios para o lar. É claro que tudo isso deve ser valorizado em termos da realidade brasileira, não se trata de que os problemas dos idosos foram resolvidos como precisam. Nem de que a valorização dos idosos ultrapasse muito a esfera socioeconômica estrito senso. A maior parte deles ainda é pobre, mas se fez melhores políticas contra a pobreza e a miséria. Além disso, padecem doenças ainda não suficientemente remediadas como o mal de Alzheimer e cardiopatias. Além disso, os idosos têm pouco a fazer com seu tempo. A falta de infraestrutura para o lazer nos bairros é flagrante, antigos pontos de reunião, como o bar associado a uma cancha de bocha ou malha, desapareceram. A solução é ir à missa, visitar interminavelmente a família, frequentar novenas ou apenas caminhar um pouco sem rumo, para escapar da televisão ligada em casa o dia todo. Mas alguns idosos conseguem a sabedoria de envelhecer bem, usando os aparelhos de ginástica nos parques, caminhando e mantendo o peso e a pressão nos limites adequados e descendo para a praia nos feriados. E dando graças a Deus por isso. Ontem meu barbeiro, o Clementino Gregório, que incrustou na rua de baixo à da minha casa sua casinha e um salão após as grandes geadas dos setenta, disse que ia visitar parentes em Maringá neste final de semana, mas exorcizou seus medos dizendo: “mas eu não digo que vou, digo que se Deus quiser eu vou porque tudo depende Dele”. Sinal de que a sensação de segurança na vida não é tão alta.

                                                            Igor Zanoni         

sábado, 6 de agosto de 2011

Irmãos

Irmãos

para crianças ou adolescentes
dois anos são eras geológicas
vi à certa distância meus irmãos
crescerem
não percebi mais do que não entendi
à época suas escolhas suas dificuldades
fui mais ligado a meus pais
daí a sensação de solidão
em uma casa cheia de gente
fui penso gentil com todos
a dois vi nascer junto com meu pai
levei um à escola quando já dirigia
ou acompanhava outro a festas
não fiz muitos comentários
ainda hoje me marca certa distância
certa deficiência afetiva
observo comento brinco
mas poucas vezes falo a sério
uma família são muitas famílias
não se pode viver todas
nem compreendê-las todas

                                                      Igor Zanoni

O Morro dos Ventos Uivantes

O Morro dos Ventos Uivantes


Li muito novo o livro e não retive nada, mas depois vi o filme e me impressionei com o clima intenso, em meio à natureza agreste dos personagens como Heatcliff, ou muito convencionais como Linton, e à paisagem rude do norte da Inglaterra. Novamente em cena pela série Crepúsculo, que não vi nem li muito pelo contrário, reli o livro de Emily Brontë, morta aos trinta anos, escrevendo-o nos primeiros decênios do século XIX. A idéia é que o amor supera todos os obstáculos que não uniram em vida Catherine e Heatcliff, mas sobrevive à morte. Depois de separados pelos interesses pessoais e estamentais da família de Cathjy, que morre prematuramente, o amante decide vingar-se em todos à sua volta, mas quando poderia levar adiante sua vingança, ela arrefece e ele deseja também a morte e ser sepultado ao lado de Catherine. É notável a passagem em que ele abre o caixão desta, e dá ordens ao jardineiro para ser enterrado junto dela, sem qualquer separação entre os dois caixões. Heatcliff se deixa morrer, não se alimentando e desejando a eterna união, e após sua morte são vistos os dois espectros por moradores do campo em torno às propriedades de ambos, abraçados e felizes para sempre. O amor nunca morre, mas não é só isso. o livro é todo construído por situações familiares que seriam banais não fosse a violência de Heatcliff e de seu afeto e a forma como tenta manejar seu destino. Mas outro destino o aguarda, o esperado anteriormente, a união com Cathy. Não há grande densidade psicológica ou situações que não possam se passar nas propriedades rurais médias do local, o que arranca o romance de sua medianidade são os encontros entre os personagens, plásticos, brutais, singularizando a falta de limite desse afeto. Estamos diante de um texto fundador do romantismo, bem distante dos romances mais regularmente construídos de Jane Austen. Aqui tudo é tumulto, premeditação, destinos curtidos pela agressividade da separação social, que a morte e a constância dos afetos remedia. De algum modo é assim mesmo, muitos afetos são eternos, talvez todos sejam eternos pelo menos enquanto sejam vitais ainda para nós. Mesmo quando não percebemos bem isto.

                                               Igor Zanoni