quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Ainda Moby Dick

Ainda Moby Dick

como a Bíblia, Moby Dick pode ser visto como vários livros. a tragédia do capitão Acab, que tenta se vingar do divino leviatã e toma-lo como presa de um baleeiro é descrita em poucas páginas, mais no início e no final do romance. mas se inicia com os pormenores sobre o melhor porto para se embarcar em um uma viagem em busca do espermacete, como os navios são equipados, os salários oferecidos, características dos tripulantes e dos acionistas e assim por diante até a esperada partida do Pequod. o tom aí é alegre e aventureiro, como convém a um romance de aventura, o que Moby Dick não é inteiramente, podendo ser visto como uma longa meditação metafísica que orgulharia os livros sapienciais do antigo testamento. os detalhes técnicos sobre os tipos de baleia, qual o produto que podem fornecer e a excelência do espermacete só encontrado no cachalote, a maior baleia então conhecida, são dados com austera composição, como um intermezzo do livro. as relações entre o capitão e os arpoadores, com os comandantes do bote, a forma como se processa e estoca no navio um cachalote arpoado e morto, são outros capítulos de composição em geral sóbria e mesmo técnica. há momentos de narração mais leve e venturosa, momentos tensos revelando o perigo a que os tripulantes todos estão expostos, mas em regra esses momentos são entremeados por informações sobre a troca de correspondência e informações no alto mar, procedimentos sobra a caça e os direitos sobre os cachalotes feridos. no conjunto, a obra expõe, sem esquecer nada, que eu saiba, uma meditada saga sobre a florescente busca do óleo perfumado em meados do século dezenove. tudo isso faz de Moby Dick uma peça inusitada enquanto literatura. que termina com o naufrágio do navio provocado pela vitória do cachalote sobre Acab e sobre o baleeiro, salvando-se o narrador que coloca todo o difícil texto na primeira pessoa, como um experiente expositor de um capítulo da história dos Estados Unidos, um expositor quase neutro, que aprecia o que vê e narra com o máximo realismo ou exatidão a figura, trágica porque sabe de antemão que a viagem será um fracasso, e condena à morte os que viajam no Pequod e são levados a participar do destino, do capitão que confundiu um negócio com uma afronta pessoal que jamais poderia ser vingada, por mais cuidados que tomasse. por maior que fosse sua experiência, sua velhice e coragem, sua impiedade não poderia deixar de ser punida.

                                                Igor Zanoni

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