quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A escola que adoece




“ o homem que aprende está vivendo e compreendendo a verdadeira função da sociedade, que é a de estabelecer relações corretas entre um homem e outro, de ajudar o homem a cooperar, não mediante uma ideia, um padrão, uma autoridade, mas com afeição, amor, inteligência. está também compreendendo com a requintada sensibilidade da inteligência. pois inteligência é essa sensibilidade  requintada que nenhuma relação tem com a experiência e o saber, pois o saber e a experiência embotam a mente”.
                                                                                     Krishnamurti

                                                                                                                                          

eu comentei com o doutor que os ambientes de trabalho se tornaram em geral muito difíceis e que não gostar de trabalhar se tornou indício de depressão que o psiquiatra combate com os antidepressivos da moda. por exemplo, com pristiq, que deve ser “ótimo” porque faz a receptação da serotonina e da noradrenalina ao mesmo tempo, ou seja, é um antidepressivo dito “dual”. o doutor respondeu que o psiquiatra não pode fazer muita coisa, e filosofou que o psiquiatra no fundo é um mantenedor do sistema. mas eu insisti e perguntei mais sobre o sentido dessa especialidade médica e ouvi: “ mas é que em certos casos existe um problema psiquiátrico”. não consegui entender bem a sequencia do diálogo, porque me parece que tais problemas estão sendo criados sem que propriamente “existam”. há muito tempo se dizia de alguém ignorante que não lia nem bula de remédio. hoje muitos médicos, suponho, não leem , pelo menos não uma leitura “crítica”, como diriam os pós-hegelianos, uma crítica crítica. muitas pessoas socorrem-se de conversas na internet para procurar um medicamento que produza os sintomas que eles acham que precisam combater dessa forma. um motorista que vai dirigir o dia todo, o estudante que vai fazer um trabalho de conclusão de um curso, digamos por mera hipótese ilustrativa, encontram muitos medicamentos assim. quando eu mesmo fazia graduação muitos amigos tomavam bolinha, tive um grande amigo viciado em concentrado de vitamina B que fazia um trabalho durante quatro dias depois tinha de dormir uma semana para se recuperar. mas isso ocorria em momentos muito mais esporádicos que hoje e ninguém era induzido a essas práticas. hoje, entretanto, qualquer revista médica em um consultório recomenda a ritalina, claro, com a ressalva da “cuidadosa supervisão clínica nos casos nos quais seja recomendável”. mas ela não seria necessária se o aluno tivesse o tempo necessário para trabalhar com seu orientador e escrever com o vagar que a boa reflexão exige e sem que todos estivessem juntando pontos para manter a duras penas um espaço no nosso precário educacional e buscando um frágil lugar no mundo do emprego e da renda, esquecendo para isso necessariamente o valor e o sentido de sua vida e do  seu pensamento. a escola secundária segue a mesma falta de lógica, com o professor fazendo isto e aquilo para acumular pontos que demonstrem uma mal definida “produtividade” e garantam seu minguado salário em uma carreira a rigor estagnada. esta escola faz os alunos decorarem suas lições de casa muito antes de mostrar que aprender é divertido e interessante, como já procurava indicar Monteiro Lobato divulgando ciência para crianças na época ainda não de todo ultrapassada do Ateneu de Raul Pompéia. nada disso vem de uma certa ótica pedagógica, é um disfarce para acomodar problemas de orçamento e a falta de prioridade da escola, portanto, dos que ali convivem, no espaço público cada vez mais restrito e sem um sentido um pouco  mais preciso.


                                                                                     Igor Zanoni

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