meu pai era do corpo de saúde do exército brasileiro e
pude perceber, em parte por isso, em parte, mais tarde, por estudar em grandes
centros universitários, usp e unicamp, o significado da ditadura no brasil e na
américa latina, cuja herança ainda carregamos talvez de modo irrevogável. além
disso, percebia em casa e no quartel que frequentava, ajudando papai e me
divertindo andando a cavalo ou jogando futebol, que vivíamos um mundo marcado
pela guerra fria e o medo de o comunismo tomar o ocidente e o país. soube
dessas coisas como garoto e como estudante de filosofia e de economia, não como
militante político, mister para o qual nunca me senti apto. na faculdade havia
uma grande deficiência de bons autores modernos ou antigos nas áreas que
estudava. na filosofia recorri a edições francesas. tinha noção da língua já do
culto à ciência e o resto procurei aprender com dicionário. mas o castelhano
foi precioso em especial na economia da unicamp, pois as editoras
latino-americanas e da espanha forneciam livros aos quais de outro modo não
teria acesso na época, incluindo a imensa literatura, a meu ver mais precoce e
rica que a nossa, das ex-colônias espanholas, analistas sociais e historiadores
incomparáveis da região, traduções de clássicos de economia política e economia
keynesiana, autores estruturalistas e formuladores do planejamento econômico.
foi também crucial para mim, que era um estudante pobre, trabalhando para
estudar como estagiário de pesquisa e já mantendo uma pequena família, o fato
de que essas edições eram e ainda são muito mais baratas que as nacionais. para
fechar o quadro, havia uma abundante disponibilidade de livros da academia de
ciências da urss, que me interessaram sobretudo por seus manuais de matemática
bem como de física e escritores com gorki, entre muitos outros. assim, no
brasil a opinião pública é quase sempre desfavorável a tudo que lembre a
américa latina e a urss, além de as ciências sociais possuírem uma visão
americana ante que outra, mais originária e européia, e desprezarem muito do
pensamento tão original da américa latina. mas eu não seria o professor que sou
sem ter lido tantos autores que me ofereceram módica e abundantemente a puf,
classiques garnier, cepal, siglo xxi, editorial kier, editorial losada, emecê,
seix-barral e inúmeras outras livrarias, e, é claro, a academia de ciências de
moscou.
Igor Zanoni
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