com seis anos fui
matriculado em um jardim-de-infância no bosque perto de casa, no castelo. eu ia
sozinho e tinha de passar frente a uma grande tenda onde moravam ciganos. tinha
medo de que me roubassem ou apenas medo frente a suas roupas coloridas, muitas
joias e aqueles tachos de cobre que vendiam nas ruas e que mamãe nunca comprou.
passado um pouco esse medo, a tarde toda no jardim não havia nada para fazer.
não me alfabetizaram, aliás não precisavam porque papai já havia cuidado disso,
nunca me deram nada para ler. era um jardim bonito, com muitos jatobás, nessa
época minha boca estava o tempo todo verde da massa dos jatobás. em casa eu lia
monteiro lobato e adaptações de romances célebres, mas no jardim havia livros
que eu não compreendia, porque viam em nós crianças que eu pelo menos não era.
lembro muito de um livro de capa azul, parecia católico, com o título “ um bom
diabrete”. minha religião na época era deduzida do espiritualismo positivista
de meu pai, dos versículos de Paulo a Timóteo que minha avó me fazia decorar
nas férias e do pouco que compreendia sobre Abraham e os cáldels em uma missão
batista norte-americana na qual ganhei meu primeiro Novo-Testamento, grande e de
capa dura vermelha com título dourado. eu
nunca havia ouvido falar ao certo em diabos e menos em diabretes, achei aquilo
assustador. não li o livro e comecei detestando a capa. minha liberdade intelectual
se estendia a outras áreas. por exemplo, não me lembro se tive uma professora
naquele ano. lembro do lanche que serviam: café com leite doce com nata e pãozinho
com uma banana dentro. eu tomava nescau
em casa e comia pão pullman com
amendocrem, não entendi o lanche, que
nunca comi. não era um jardim pobre ou para crianças pobres, não havia crianças
pobres no castelo. era antes angustiante e incompreensível. lembro de duas
ocorrências felizes em tudo. a primeira foi a amizade com uma menina que usava óculos. foi
a primeira menina que vi usando óculos, gostei muito, mais dos óculos que dela
acho, mas eu não separei ambos. lembro ainda perfeitamente de seu rostinho. a
outra ocorrência : a cozinheira, que fazia merendas também para os que
trabalhavam ali, uma vez me ofereceu sem eu saber por quê uma queijadinha.
suspeitei que as professoras não tomavam o mesmo lanche que nós.assim, na minha infância que se ia eu encontrava
pequenos prodígios como meninas com óculos, jatobás e queijadinhas amenizando
os dias bestas. mas foram parcos prodígios para tantos dias bestas.
Igor Zanoni
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