domingo, 30 de novembro de 2025

Não gostar de alguém


Por um motivo desconhecido

Não gostamos de alguém

Talvez o motivo seja fútil

E no fundo nos envergonhemos dele

Talvez seja um preconceito

Como não gostar de russos

Ou de americanos

Da direita ou da esquerda

O fato é que muitas pessoas

São intoleráveis para nós

Deveríamos dar-lhes

Uma segunda chance?

Convém disfarçar

Amenizar desconversar aturar?

Não há uma regra prática

Mas vamos até onde nos sintamos

Protegidos da figura

O que ela faria no nosso lugar?

 

                                                     Igor Zanoni 

sábado, 29 de novembro de 2025

Magra como passarinho


Não sei o que comem

Os muitos passarinhos do bairro

Talvez sementes de grama

Para eles deve bastar

O estritamente necessário

Por isso se diz das pessoas

Que comem pouco:

Magra como um passarinho!

 

                                          Igor Zanoni

  

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Estações


No outono há a oscilação

De dias maus e dias bons

Ao sair leve sempre

Uma blusinha e uma sombrinha

Ele antecipa algo do inverno

Escuro e inóspito

Quando é melhor ficar em casa

Tirar férias para não ter de sair

Logo virá o primeiro calor da primavera

A primavera tão bela com suas flores

Mas também com a alergia ao pólen

Melhor é o caloroso verão

Quando quase nos despimos

O humor melhora

Queremos viajar

Bem-vindo o verão e a nossa cálida vida!

 

                                                         Igor Zanoni 

sábado, 22 de novembro de 2025

Os textos sagrados


O Talmude é sagrado

Os Evangelhos são sagrados

O Corão é sagrado

São sagrados o Sutra do Coração

O Tao Te King

Os Analectos de Confúcio

Tenho de lavar as mãos

Sempre que se tratar

De tocar qualquer um deles

Eles contaminam meu pobre ser

Com sua santidade

 

                                                    Igor Zanoni 

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Rosas e sempre-vivas


Rosas há pouco nascidas

Perfume que nenhum perfume

Pode imitar

Logo porém fanadas

Duram tão pouco minhas rosas!

As ásperas sempre-vivas

Sem perfume algum

São muito mais longevas

Quem as compra não visa

Sua beleza

Mas seu bom custo-benefício

Que modo tosco de apreciar

As flores!

 

                                                                          Igor Zanoni

  

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Tardes vazias


As horas da vigília mais vazias

Ficam entre uma e as quatro da tarde

O intervalo ruidoso do almoço se foi

A janta com sua intimidade vai longe

O labor parece mais penoso

As conversas baixam o tom

E desejamos pelo menos um café

Para nos mantermos despertos

Tristes tardes ocupadas no trabalho

Até que lá pelas quatro há uma espera

Mais viva pelo fim do dia

E empurramos com a barriga

O que ainda há para fazer

 

                                                            Igor Zanoni 

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Poema de saudades e glosas


Ai que me gastou a vida

A aurora da minha infância

Trago saudades dos pés de ameixa

Dos cajueiros das pitangas

Lembra-me bem as moitas

De melão de são joão

De erva-doce que mastigava

Dos içás que o verão trazia

Dos vários pés de manga

Tudo era festa e alegria

Naquele tempo de afanoso ócio

Meu Deus mudou o mundo

Ou mudei eu?

 

                                                                      Igor Zanoni 

sábado, 15 de novembro de 2025

A esperança

 


Se você vier

Disto não estou certo

Apenas espero ou desespero

Venha devagar

Com calma vagarosa

Avise com indícios suaves

Não faça estardalhaço

Sem ruído de sapatos

Batendo no chão da casa

Desperte aos poucos

A mim mesmo

Seja cuidadosa

Há muito tempo de saudade

Deixando-me todo dolorido

Venha se quiser

Mas não desperte mim

Ilusões

Venha mas lembre

Eu esperei muito tempo

Agora já nem espero

 

                                                                Igor Zanoni 

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Aprendizado


A vida não é para todos

Uma escola

Há os que repetem sempre

A crônica do mesmo drama

E a história da humanidade

É o progresso de uma tragédia

À alegria quando existe

Logo sucede a amargura

Uma pessoa erra sem perceber

E cria seu ingrato destino

Achando-se coberta de razão

Difícil achar remédio para isso

Melhor um ceticismo saudável

Sem grandes esperanças

Mas também sem grandes ilusões

 

                                                        Igor Zanoni  

  

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Ciro Alegria


Todas as pessoas são complexas

Não há ninguém que seja fácil

Porque o mundo é grande e estranho

Mesmo esse senhorzinho meio manquitola

Que passa todo dia em minha rua

Tem atrás de si a história da formação social

A que ambos pertencemos

 

                                                                  Igor Zanoni 

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Eros


A vida é esquecimento

Não fosse isso

Como suportar o mal de todos os dias?

O tédio a angústia a solidão

A felicidade que nunca dura

Como desejamos

Mas em nosso íntimo

Escondido de nós mesmos

Brilha a memória vibrante

Do que amamos e nem sabemos bem

Salta no sonho

Na tessitura da vigília

Está como um desenho oculto

A vida é um ignorar

Contra o qual nossa vida luta

 

                                                              Igor Zanoni 

domingo, 9 de novembro de 2025

Piedade


As igrejas escuras e silenciosas

Seu acre odor dos incensórios

Onde se recolhe a alma aflita

E ali se aquieta

A contrição a que se é compelido

A fé que se retoma

Dos hábitos dos velhos da família

O padrezinho que julga

Que irá sim um dia ao paraíso

E fala aos fiéis de tudo

Que pouco está agora no mundo

O bendito sacramento

Ao qual pede graças e louvores

Em cada momento

Esta igreja já pouco existe entre nós

Mas no coração de muitos piedosos

Se reinventa a cada missa

 

                                                         Igor Zanoni

  

sábado, 8 de novembro de 2025

Miriam


Encontrei Miriam na Escola Normal

Era viva sorridente

E me atraiu

Cabelo longo ruivo

O rosto sardento

Corpo bem esculpido

Sorria para mim

Para minha feroz timidez

Como sempre acontecia comigo

Essa timidez fez com que nada

Se passasse entre nós

Acho que isso dependeu de mim

Depois guardei em silêncio

Suas imagens

Vivas até hoje

Essa falta de jeito tão minha

Acompanhou minha vida

 

                                                             Igor Zanoni 

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

A perenidade da vida


Nossa vida se alonga

A cidade e o mundo mudam

Temos tantas pessoas próximas

Umas falecem outras se casam

Ou encontram trabalho longe de nós

Nossa vida pessoal é referida

Pelas transformações à nossa volta

E que nos afetam muito

Mas no íntimo nada parece mudar

Não sentimos que envelhecemos

Mesmo que os cabelos brancos

Sejam evidentes

Algo em nós é perene

Nossa vontade de viver nossa disposição

Para encontrar os filhos e os amigos

Seguimos entre eles como um navio

Que singra mares ora serenos

Ora bravios

Nossa infância segue conosco

Nossos amores e juventude

Algo em nós permanece

Enquanto nós vivemos

Essa vida que se alonga

 

                                                                           Igor Zanoni 

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Para chorar as pitangas


Comprei esta casa

Há muitos anos

E plantei uma pitangueira

Que nunca deu um só fruto

Chorei sempre minhas pitangas

Mas esta primavera

Não é que floresceu

Deu uns frutos pequeninos

Medrosos

Verdinhos

Azedos

Agora faz (até certo ponto) jus a seu nome

 

                                                     Igor Zanoni 

domingo, 2 de novembro de 2025

Mônica Bellucci


1

A boca da Mônica Bellucci

É mais exata que um morango

 

2

No início do calor os passarinhos

Se preparam para acasalar

Dois deles fizeram um ninho na árvore

Em frente à minha casa

Quando saio eles me atacam

É natural

Eu estou invadindo o seu espaço

 

                                                            Igor Zanoni 

sábado, 1 de novembro de 2025

O dia intranquilo


Mesmo depois de uma noite tranquila

A angústia salta sobre mim

Como uma pulga experiente

Logo que acordo

Ouço meu coração para saber

Se hoje terei um dia de paz

Ou se esta é uma causa perdida

Há dificuldades insondáveis

Impossíveis que não controlamos

Que santo padroeiro me fez assim?

Há vidas que transcendem

Curas milagres e remissões

Resta o certeiro saber dos males

A paciência que nem sempre tenho

Para que me serve isto?

Essa douta ignorância?

 

                                                         Igor Zanoni