É confortável sentir
No salão do barbeiro
O aroma das loções
E o calor das toalhas úmidas
A conversa ali é vã
Fala-se docemente sobre tolices
O tempo passa sem que se perceba
Num doce fazer nada
Que os salões propiciam
Mas me incomoda o espelho
Nele vejo minhas rugas
Como o tempo tem sido rude
Ao deslizar sobre minha vida
Em meu interior não me sinto assim
Sinto-me ainda com reservas de juventude
Que magia tem o espelho
De me tornar um senhorzinho?
Igor Zanoni
As relações são um frágil cálice
Sirva-se de um vinho do Porto
Ou de um pastis
Um excelente aperitivo
Para uma vida boa
Mas não aperte com força
O cálice se quebra
E fere sua mão
Nem segure frouxamente
Se cair no chão
Perde-se o cálice
A bebida
A vida boa
Igor Zanoni
O inspetor toma um aperitivo
Por exemplo um pastis
Antes do almoço
E acompanha este
Com uma garrafa de vinho
Depois toma um café
E após o café um conhaque
Se estiver calor ele toma
Uma caneca de cerveja gelada
Mas com tudo isso Maigret
Se mantém lúcido e ponderado
Atento ao seu cachimbo
Igor Zanoni
Mal se percebe o desgaste
De todos os dias
É como o trabalho da traça
Silencioso roendo roupas
No armário
É com o cálculo diferencial
Que o ginasiano custa a aprender
Mas o desgaste se acumula
Percebe-se de repente o salto
Que o desgaste deu
Assim as antigas e boas relações
Se corrompem
E já não há volta atrás
As palavras agora são ásperas
O abraço já não encontra
O abraço
O carinho se furta
Tudo muito lentamente
Como o trabalho das traças
Silencioso
Roendo roupas no armário
Igor Zanoni
