sexta-feira, 6 de abril de 2012

Sexta-feira santa


Jesus se entregou em sacrifício pelos pobres porque acreditava na conexão entre a sua morte, a vida eterna que ela asseguraria e a superação da condição de pobreza humana. Fez isto baseado em uma leitura, e em uma vida evangélica nela firmada, dos antigos profetas e da urgência de superação da era dos profetas, na verdade fracassada. Ele buscou redimir uma tradição e uma condição humana apartada de Deus e, portanto, da verdadeira vida. É possível sustentar ainda hoje de modo não anacrônico esta fé de Jesus?  Basta se compadecer na sexta-feira santa e esperar a Páscoa quando a compaixão será substituída pelos ovos de chocolate e os almoços em família, o churrasco onde sacrificamos para nós um ser vivo por nossa vez, e cerveja que mais confunde que esclarece, se é que ela foi criada para filosofar e não viver e escapar do tédio cotidiano? Mais do que isso, o que significa ser cristão hoje? Isso tem sentido, essa pergunta tem sentido, quando o evangelho parece ter se extraviado, até da própria Igreja? É válida para nós, hoje, a tradição em que viveu Jesus? Todas as religiões se apoiam em uma ética escatológica, no caso, o próximo Reino de Deus. Nós afirmamos com gestos concretos em nossa vida essa proximidade? Ou nos basta um pietismo que nada renova senão a aquietação sofrida diante dos nossos conflitos? A fé ainda tem sentido, o amor pode ser experimentado, nossa esperança não declara sempre periodicamente sua falência? Há dias estranhos, que não sabemos como viver. Sei que a vida cansa, não tenho certeza de querer a vida eterna.

                                                          Igor Zanoni

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