Não se preocupe
com mudanças
É preciso que elas
aconteçam
Não é possível viver
sempre
Com mais do mesmo
E carregar nas
costas
Um mundo sinistro
Uma vida pesada e
cansativa
É preciso cantar
vitória
Sobre as várias
formas da pobreza
Da morte do
cansaço
Não sabemos bem
como mudar
Somos pequenos e
sem poder
Vamos acumular
forças
Vamos lutar dia a
dia
Uma guerra de
guerrilha
Assim lutam os pequenos
Que sonham e tem
certeza
Do que desejam
Seja nosso o
desejo!
Igor Zanoni
Cuide dos seus
amigos
Eles não são
tantos
Mas também não são
muito poucos
Lembre-se dos
grandes amigos
Que acompanharam
sua vida
E dividiram
cumplicidades
Mas também da moça
da mercearia
Que adora dois
dedos de prosa
E fica feliz em
ter você
Como um dos
clientes favoritos
Lembre dos filhos
Faça deles amigos
perenes
Que pedem muito,
mas também
Dão muito
Amor carinho
brincadeiras
Dúvidas que todos
tem
Os amigos são mais
numerosos
Que as flores do
caminho
Quando é primavera
E o tempo é bom
Cuide deles!
Igor Zanoni
Krishnamurti era
contemplativo
As pessoas sábias
são simples
Silenciosas
serenas
Não buscam o que
fazer com a vida
Em misteriosas
profundidades
Mas no canto dos
pássaros
Nas flores na
relva
Na conversa amiga
em um dia
De sol
Igor Zanoni
Andamos entre
ruínas
Não era esse o
projeto deles
Criar por toda
parte ruínas?
Eles não precisam
da sociedade
Nem do estado
Bastam a si mesmos
Enquanto crianças
dormem ao relento
Nas escadas das
igrejas
Igor Zanoni
Cometi muitos
pecados
Nenhum mortal ou
grande demais
Foram pecados a
que se é levado
Nos impasses do
cotidiano
E que não se
comenta
Ficam guardados em
sigilo
No escuro do peito
Incomodando por
dentro
Como sombras
inextinguíveis
Sinto muito por
todos eles
Sinto pelos que
com eles feri
Eu os chamo as
minhas bobagens
E levo adiante a
vida
Igor Zanoni
É impossível
recordar
Todos os dias da
minha tristeza
Mas eu deixei que
o rio corresse
E esperei sem
esperar
Se acontecia de
perder à noite o sono
Sofria sem
desânimo
E aprendia a
conciliar a tristeza
Com esses maus
momentos
Lembrava que o importante
É deixar que o rio
corra
Com seu tempo
exato
O tempo da vida
Que às vezes é de
um modo
Noutras diversa
E então esperar
Mesmo que tantas
vezes
Sem esperança
Igor Zanoni
Todos possuem lamentos
íntimos
Para consigo
Faz parte da
humanidade não ser feliz
Com seu próprio
estado
Mas ninguém diz
nada
É como se fosse
uma mascarada
E todos vivem
assim
Uma vida para os outros
Outra para si
mesmos
As duas muito infelizes
Igor Zanoni
Eu deveria viver
com mais suavidade
Não ser tão tenso
& intenso
Procuro paz interior,
mas uma força
Do meu
inconsciente me avassala
Eu poderia sair
mais beber mais
Comprar um gato
Mas essas são
soluções paliativas
Não sei o que
funcionaria
Na minha vida
complexa
Igor Zanoni
Quando Gautama
alcança
Um semblante
sereno
Um caminhar calmo
Uma postura
distinta
Já não é mais Gautama
Mas Buda o
Desperto
Igor Zanoni
Os objetos de uma
casa
Em especial os
quadrinhos
Os porta-retratos
de crianças
Que hoje têm outra
fisionomia
Os falecidos em
sua morte sépia
Todos nos recordam
o tempo
Que não conseguiu
devorar
Os jarros as
flores mortas
Os casacos do avô
As coleções de
livros roídos
Pelas traças
A imobilidade da
memória
Seu dom de
surpresa repentina
Igor Zanoni
Coloca na minha
boca o que devo
Dizer ao Senhor
Eu estava bem o coração
tranquilo
E orava com
fidelidade
Mas de repente meu
ânimo se turvou
Tornei-me inquieto
insone
Não tenho ideia do
que aconteceu
Eu peço com amor
Salva-me cura-me
Diz como deve ser
a oração
Que há de me acalmar
Igor Zanoni
A menina vai
pulando e dançando
Na rua ao lado do
pai
É sábado e vão
almoçar juntos
Como é bom ser/ter
uma criança
Como é bom ser/ter
um pai
E ir saltando pela
rua
Igor Zanoni
Amei várias
mulheres
A todas amei
A todas fui fiel
Com o coração
terno
Mas não foram
tantas assim
Foram as que pude amar
Às quais pude ser
fiel
Com o coração
terno
Igor Zanoni
Um texto não se
explicita
Se por descuido
comemos
Pontos e vírgulas
Tão pequeninos e
cruciais
Também na nossa
fala
Quando estamos
irritados
Vamos logo colocando
Muitos pontos e
vírgulas
E muitos pontos no
iiiiiiiiii
Igor Zanoni
No fundo do copo
Havia uma formiga
boiando
Eu não sabia que
formigas
Podem morrer
afogadas
No meio da noite
Enquanto dormimos
Pequenas tragédias
acontecem
Na pia da cozinha
Igor Zanoni
Três horas e eu
nada de dormir
Niño, ela se virou
para mim
Nem cheguei a
ouvir mais nada
Igor Zanoni
Quando o jovem Gautama
Sentou-se em
silêncio sob a figueira
E esperou
O que ele
esperava?
Ele já havia feito
inúmeras tentativas
De chegar
Não sabemos
exatamente onde
Mas agora fazia
sua tentativa definitiva
Fez a terra como
sua testemunha
De que ele estava
ali e alcançaria
O que esperava
Cerrou os olhos
esqueceu seus desejos
Esqueceu sua vida
Até chegar aonde queria
O que exatamente queria?
Alguém mais sabia?
Até tornar-se o
Buda
É difícil saber o
que é um Buda
Mas ele iria logo
saber
Igor Zanoni
Aos cinco anos
amei Maria Aparecida
Com amor tímido e
calado
Ainda que intenso
O silêncio
acompanha o sofrimento
Mas me calei por
anos a fio
Até deixar de
vê-la na adolescência
Nunca amor assim
foi mais meu
Mais eu mesmo
Como poderia deixar
de amar
Alguém que era tão
serena
Com um nariz
perfeito
De estátua grega?
Esse foi meu
testemunho
À visão freudiana de
sexualidade infantil
Onde andará Maria
Aparecida
Que nunca mais vi
mas habita
Meus sonhos?
Igor Zanoni
Hoje cedo fui
vê-lo em sua casa
Tomamos café
devagar na cozinha
Enquanto conversávamos
A casa estava um
pouco mudada
Ele havia pintado
a sala
Trocado móveis e a
porta de entrada
Entendi que havia
em tudo isso
Um desejo de
recomeço
De permanecer na
vida de outro modo
Em algum canto ele
guardara
A caixinha com as
cinzas da mãe
Esse era um elemento
de permanência
O luto mantém as
coisas de antes
Por isso talvez
ele tentasse
Mudar o que fosse
possível
Era uma forma de
se manter vivo
E saudável
Igor Zanoni
No meu sonho você
era jovem
Bonita como sempre
foi
Parávamos na
calçada
E riamos um para o
outro
Contando estórias velhas
Fui feliz por uma
noite
Mas claro o sonho
era meu
Na realidade de
você só possuo
Lembranças e
sonhos
Igor Zanoni
Nas conversas há sempre
O dito e o não
dito
O que se escuta e
o que se perde
Na intimidade que
faz suposições
Tece hiatos
Buracos na
conversa
Eu nem sempre sei
o que ouço
Às vezes fico
penalizado
Por suas
confidencias
Isso nos liga de
um modo meu
Porque você fala
Mas não sabe o que
compreendi
Igor Zanoni
Bom já que é assim
E com você não tem
conversa
Vou tomar minha
atitude de sempre
Apanhar um livro
da Patrícia Highsmith
E um punhado de
amendoim
Esconder-me em um
canto da casa
E esperar que você
resolva
Ser mais razoável
Saia desse impasse
cansativo
Que vive se
repetindo
Igor Zanoni
A curiosidade não
é conhecimento
Nem este é
sabedoria
Eu mesmo sou
apenas um curioso
Duvido pergunto
leio um pouco de tudo
Mas isto deixa
sempre um vazio
É possível ir adiante?
Igor Zanoni
Ando pelo bairro
É hora do almoço e
os portões
Da escola liberam
os piás
Os cachorros se excitam
Atrás das grades
Os quero-queros
dão
Seus voos curtos
Nas ruas há pet
shops
Farmácias escritórios
de advogados
Supermercados
Passa lento o caminhão
de lixo
Recolhendo a tralha
do dia
Meu poema recolhe
Minhas impressões
digitais
E tudo é calmo e
banal
Neste bairro de
gente pobre
Igor Zanoni
Quando não consigo
entender
Uma questão
E meu coração não
dá conta
Minha solução é
pensar
Pensar é difícil
Nem sempre me saio
bem
Mas o que fazer?
Mina única solução
é pensar
Até encontrar uma
razão
Que me satisfaça
Igor Zanoni
Nós procuramos sem
procurar
Cremos sem crer
Porque é difícil
estar só
Então buscamos os
amigos
Os irmãos
Com sorte os anjos
Esta é uma forma
de viver
Realmente vivendo
Esta é a fé que
nos guia
Que nos move
Move as montanhas
Igor Zanoni
Não se pode dizer
Que ela era uma
moça bonita
Mas fazia academia
E tinha um corpo
definido
Isso mudava tudo
Nada como um corpo
Bem definido
Igor Zanoni
Eles iam a um
jantar
Na casa de amigos
Não eram muito
íntimos
Mas ele estava interessadíssimo
O segredo foi
colocar uma bela
Camisa preta
Logo estavam
próximos
Conversando como
há anos
Camisa preta é o
segredo
Isso ele sempre
soube
Igor Zanoni
Em nossa fé
Somos sempre premidos
Pela fé de quem
anda conosco
Nossas imagens e
afetos
Desde cedo se
formam
Muitos os deixam
mais tarde
Mas mesmo se
deixam
É que em torno as
conversas
Os livros as
experiencias
Envolvem-nos e nos
dão
Outros caminhos
Às vezes caminho
nenhum
Igor Zanoni
Freud tinha uma barba
Inconfundível
Por que Nietzsche
usava
Aquele imponente
bigode?
Os dois cuidavam
da aparência
Eram vaidosos?
E aquele
sujeitinho
Você sabe de quem
estou falando
Que tinha um bigodinho
curto
Também era vaidoso?
Por que a vaidade
se encontra
Em toda parte?
Igor Zanoni
Podemos buscar ou
encontrar
O princípio?
Essa é a maior pergunta
Desde que os seres
Existem sobre a
terra
Procura-se
compreender
O céu e o que
vivemos
Há uma imensa
Gama de questões
e de compreensões
todavia não
alcançamos
o princípio
ou o alcançamos de
passagem
tocando de leve
o fundamento das
coisas
Igor Zanoni
Para Confúcio a educação
Era o pilar da boa
sociedade
Mas ele não falou
em igualdade
E em reforma
agrária
Talvez isto
estivesse pressuposto
Na sua educação dos
nobres
E no Tao
Igor Zanoni
O amor pode produzir sofrimento
Amo meu filho e
não quero
Que ele se afaste
Tenho carinho por
sua figura
Pelo que ele faz
ou pensa
Mas isso não deixa
de causar dor
Tenho apego por
meu filho
Desejo que ele
esteja
Sempre próximo de
mim
E desejo estar
sempre próximo dele
É claro que isso
causa comoção
Igor Zanoni
A simplicidade é uma grande conquista
Ser grato é
difícil
Trabalhar pelos
outros uma complicação
Quem consegue ser
humilde?
Quem chega a ser
bondoso?
Ser uma Malala um
árduo desígnio
Vamos vivendo
nossa vida sem graça
Esperando que vença
nossa data
De validade
Igor Zanoni
Minha mente é delicada
Preciso ter todo
cuidado
Com o que falo
ouço experimento
Há aqueles que
ousam
Porque querem
abrir a mente
Mas depois não
sabem fechá-la
Os sofrimentos de
minha vida
Ensinaram que é preciso
Ir devagar ser
paciente
Respeito e cuidado
são chaves
Tenho meus limites
Não posso passá-los
sem reflexão
Igor Zanoni
À tardinha um passarinho canta
Fiufiufiufiufiufiufiufiufiufiufiu
Por muito tempo
No meu pequeno
quintal
Não sei por que ou
para que
Ele deve ter um
bom motivo
E é sempre pontual
Ele me parece
inteligente
E é sempre o mesmo
passarinho
Mas não sei qual
Mistérios da
natureza...
Igor Zanoni
Procuro me esquecer
Dos meus minutos
de raiva
Dos meus momentos de
melancolia
& inquietude
Eu espiro à
bondade
À alegria
Mas estou longe
delas
Não sou um calmo
budista
Sou um homem comum
Um lutador contra
a inquietude
Toda manhã visto
minhas luvas
E entro inseguro
no ringue
Igor Zanoni
Há pessoas com a cabeça leve
Não percebem a densidade
Das coisas
Para elas não há
melancolia
A vida passa como
tênue
Fumaça
Igor Zanoni
A crença de uma pessoa
Envolve ela em uma
estética
Veja a seriedade
moralista
Dos kardecistas
A dança festiva do
candomblé
Os evangélicos
engravatados
Mas a crença não se
resume
A uma aparência
Ela envolve o ser do crente
Quem acredita em
espíritos
Não pode deixar de
querer
Ser pomba-gira
Igor Zanoni
Sonhos maus turvam
A manhã seguinte
O que aconteceu?
Ontem eu estava sereno
Sem desconfiar
De um mar revolto
Oculto na noite
Sim a psique dá
saltos
Ela esconde nossas
misérias
Que não compreendemos
E deixa um rastro
De melancolia
Súbito me torno
Um homem
melancólico
Ignorante de
minhas mazelas
Dentro do coração
que salta
Igor Zanoni
Quando um cão atrás do portão
Vê outro passando
na rua
Logo começa a
latir alto
Ambos se respondem
Numa festa modesta
só dos dois
Se há gente
próxima não importa
O que importa é o
cheiro
Do outro cão
A que alegria ou
que raiva
Se entregam isso
eu não sei
Sei que em toda a
rua
O que importa é o
consórcio
Dos animais
felizes ou bravos
A rua toda não
importa
Viva os cães aqui
e ali
Se correspondendo
Em antiga
comunicação
Igor Zanoni
Ao lado da minha cama
Colei uma foto sua
do tempo
Em que éramos próximos
e amigos
Isso faz muito
tempo e nem assim
Deixei de sentir
saudades suas
Mas hoje se nos encontrássemos
Com certeza nós não
nos reconheceríamos
Tal é o dom do
tempo
Igor Zanoni
O coração vive entre dores
Misérias sofrimentos
Quando não se é
cardíaco
Ele segue como um
pequeno barco
Em um mar
turbulento
Entre tristezas mágoas
Arrependimentos
Quem sabe assim
Ele aprenda algo com
a vida
Igor Zanoni
Eu estava bebendo um café
Quando ouvi da
janela da cozinha
Um sabiá cantar
Desde que existem
no mundo
Eles cantam exatamente
A mesma canção
Mas não sei como
aprendem
Uns dos outros
Igor Zanoni
Destino
Dor
Carma
Moralidade
Progresso
Evolução
Fé
Filosofia
Ciência
Vida
Redenção
Igor Zanoni
Tudo que somos
Leva uma data
Um poema
Um pensamento
Um sentimento
Uma folha escrita
Outros nos hão de
ver
Com novos olhos
O que éramos
sempre
E como nos
lançamos
Até o distante
hoje
Assim seguimos em
tudo
E em tudo nos
recolhemos
Ao mesmo tempo que
deixamos
Com nossas velhas
intenções
Igor Zanoni
A fé de uma pessoa
Confina com a fé que possuía
Quando era pequena
E em grande parte perdeu
Ou esqueceu
Aproximava-se da fé de seus pais
Mas hoje essa pessoa
Já se distancia de seus pais
E de sua fé herdada
Lembraria a fé de seu pároco
Não parecesse este hoje
Tão antiquado
Com seu terço e seu missal
Cada um carrega a seu modo
Sua fé
Como um templo que se desfaz
Como um monte de areia
Que o vento leva para longe
Assim é a fé
Algo que se possuiu
E de alguma forma ainda se possui
Mas de que forma
Não se sabe bem
Igor Zanoni
