quinta-feira, 3 de março de 2011

Desencontro


Desencontro

voltar a esperar o velho amor
o velho amigo
relatórios de itinerários
amores saudades
o que se fez da vida
onde confluem
você queria tanto aquilo
você gostava tanto
e aquele seu jeito
será que poderíamos?
nada a não ser a esperança
que já não cabe
já não cabem também confluências
o tempo é amargo
hiatos que não se reparam
e o silêncio do que não foi

                                                           Igor Zanoni

quarta-feira, 2 de março de 2011

Casais

Casais


Os casais que conseguem permanecer juntos muito tempo devem ter uma característica parecida, mas a que mais me interessa é a capacidade de um de seus membros dominar o outro por algum motivo. No caso de meus pais, sua longa história comum até se separarem deveu-se, penso, à preocupação com os muitos filhos pequenos que geraram ao longo de mais de mais de vinte anos juntos, embora as brigas se amiudassem com o tempo até se tornarem insuportáveis para ambos. Sempre tive carinho pelos dois, sabia da vida de cada um, mas nunca falei de um deles com o outro. Papai era dedicado ao trabalho, era militar do corpo de saúde, viveu muitos anos na fronteira, em Mato Grosso, onde desenvolveu com freis jesuítas holandeses, que tinham ali uma missão e um colégio de ensino fundamental , um ofidiário para fornecer veneno em bruto que era levado ao Butantã em troca de soro anti-ofídico. Salvou muitas vidas com esse trabalho, e desenvolveu outros sempre com brilho por onde passou em sua carreira. Todos os filhos homens fomos fascinados por papai, sua inventividade, autodidatismo característico da época e independência pessoal. Mamãe sempre detestou Mato Grosso, que achava quente demais e sem diversões, não entendia o trabalho do marido e embora fosse exímia costureira e excelente cozinheira, emotiva e muito próxima do dia a dia dos filhos, sua vida foi, aos olhos do mundo, modesta. Sempre dependeu do marido e só se separou quando a filha mais nova tornou-se uma adolescente. Seu grau de dependência do papai ficava claro quando ele ia à Sears comprar coisas para casa sozinho. Uma vez comprou um modelo novo de geladeira, enorme e vermelha, que mamãe detestou mas não pôde trocar.
Pensando agora em mim, meu primeiro casamento se deu quando eu e minha esposa éramos muito jovens. Cooperamos muito um com o outro, seja no estudo seja no cuidado da casa e dos dois primeiros filhos que vieram logo. Tratamos dos filhos em comum, ajudamos a fundar uma escola baseada em princípios cooperativistas, bastante moderna em termos pedagógicos, e lemos uma pequena biblioteca para entender as crianças. Eu sempre fui, até pelo menos certa idade, muito frágil emocionalmente, embora herdasse do papai o amor ao estudo e ao trabalho, e minha esposa foi uma bússola emocional para mim, mesmo durante os três longos anos em que sofreu de um câncer, do qual veio a falecer deixando-me desolado e desorientado. Apenas com a psicanálise e depois em outro casamento muito diferente pude me firmar um pouco mais, conservando essas características de fazer pelos filhos o que papai nunca fez pelos seus, mas imitando seu exemplo de vida ativa e quase incansável. Ao mesmo tempo meus casamentos foram muito mais democráticos e nunca houve em casa o adoecimento de que mamãe sofreu. Talvez eu tenha adoecido por minha mãe.
Acompanhei muitos casais por longos anos juntos. Embora se possa fazer uma certa tipologia entre gerações desses casais, seu nível educacional e outros, sempre vi essa dificuldade em cuidar da vida dividindo ou não o governo do lar. Para a maioria, fazer do lar um local agradável demanda muito esforço e honestidade. Meus antigos sogros repetiram uma história um pouco parecida. Embora meu sogro fosse um homem dado a grandes empreendimentos, na sua escala, era extremamente instável, e tanto ganhou como perdeu com facilidade muito dinheiro. Saía de casa por longos períodos, em viagens com uma caminhonete pelos recantos mais distantes do país, nunca se sabia quando iria partir ou voltar. Minha sogra era uma mulher simples, de idéias arraigadas e tradicionais , quando o marido adoeceu de um câncer no pulmão cuidou dele até a morte, depois me ajudou a cuidar da filha e dos netos, morreu muito idosa e sempre aceitando bem seu destino. Depois de sua morte descobrimos que meu sogro havia montado uma família em outra cidade com uma cunhada, da qual tivera quatro filhos.
É difícil pensar que faremos do cônjuge uma pessoa feliz, pois isso não depende de nós. Todavia é possível fazer um voto de auxiliá-lo a procurar ser feliz, o que exige companheirismo e ao mesmo tempo desprendimento. Devemos também buscar os motivos de nossa felicidade sem sobrecarregar de culpas o outro, pois isso não tem sentido. O caminho que o casal percorre até essa compreensão, quando consegue tê-la, é penoso e acidentado. O mais comum é a dependência e a fuga dessa dependência para cair em outra, as críticas a propósito de quase tudo, deixando o ambiente do lar sempre minado e turvo. Quando um dos cônjuges ou companheiros consegue manter uma motivação altruísta e cuidado no relacionamento, este quase sempre vai bem. Melhor quando os dois se dedicam a esse cuidado e carinho. Mas há tantas circunstâncias que tornam a vida humana insegura e alvo das ações dos poderes de Maharaj , o Senhor da exist\ência cíclica,davida e da morte, que viver juntos quase sempre é penoso quando não se tem claro a necessidade de perdão e cuidado. Perdoar nem sempre é compreender. Pode ser antes aceitar, acolher, amparar, sem dependar do outro, mas não o perdendo de vista. Se veio à nossa vida, cuidamos, se um dia se vai, procuramos manter ainda tranqüilo o coração de ambos. Isso na é ser santo,mas ser humano.

                                                                                                  Igor

Meryl Streep


Meryl Streep

assistindo um filme dublado
na televisão pareceu-me
que a voz atribuída a Meryl Streep
era a mesma de outros filmes
e que a própria atriz aparece nas telas
fazendo um pouco do mesmo
como cozinhar ou amar alguém
na idade madura
há nisso uma sabedoria invulgar
pois as vozes do além também escolhem sempre
os mesmos médiuns
estes possuem o dom de dar
 o registro emocional e literário
indispensável às comunicações verbais e vitais
assim sombra e pessoa se matizam
e dão uma impressão realista
e convincente

                                                             Igor Zanoni

Paixão de futebol


Paixão de futebol

No campeonato brasileiro de 2009, série A, só a última rodada definiu campeão, os times que iriam à Libertadores e os que seriam rebaixados para a série B. O resultado foi uma instabilidade emocional dos torcedores de quase todos os times durante o ano, as acusações contra arbitragens viesadas, malas brancas, suspensão de dirigentes de clubes e outros fenômenos reais ou irreais do campeonato. Há tempo os torcedores não torciam tanto, não sofriam tanto na sua paixão preferida. Jorge Luis Borges que, elitista, detestava o futebol, imaginou em um de seus contos que o campeonato na Argentina era todo irreal, previamente decidido e depois encenado para melhor mobilizar o afeto dos torcedores. Por um momento pareceu que Borges tinha razão aqui no Brasil, com acusações de prejuízos contra o Palmeiras, depois contra o São Paulo, favorecimento dos times preferidos da rede Globo, no caso, o Flamengo e outros fatos que o sofrimento cria ou dá verossimilhança. Mas houve fenômenos que emocionaram, como o bem futebol jogado no Corinthians por Ronaldo, justamente chamado o Fenômeno, a força e disposição de Adriano no Flamengo e a excelente performance de Fred no Fluminense, responsável em grande medida pela série de dezessete partidas invictas  que livraram o clube do descenso. Exatamente Fred e o Fluminense viveram junto com o Coritiba e seus jogadores uma partida que ficará na memória e talvez mude algo no desenho dos estádios e na segurança de jogadores e torcedores, o empate que o Flu precisava para não ser rebaixado, o mesmo empate que pela combinação de resultados na última rodada rebaixou o Coxa, que havia montado um time com a estrela veterana de Marcelinho Paraíba para atravessar bem o ano de seu centenário. Empate que provocou uma reação violenta da torcida do Coritiba no final do jogo, invadindo o campo, querendo agredir jogadores e enfrentando um policiamento pequeno para a ocasião, que precisou de reforços vindos de helicóptero para fazer recuar a torcida que arrancava pedaços de metal da estrutura do estádio para lutar e lançou-se numa luta que pôs em risco partes da cidade. Prédios próximos ao estádios viram seus saguões invadidos por gente que queria apenas se proteger. A guerra mostrou que o Estádio Couto Pereira precisa mesmo ser reformado, a importância de policiamento maior em eventos decisivos e lançou uma pequena sombra sobre a cidade que deverá ser uma das cidades sedes da Copa do Mundo de 2014. Os resultados diversos, incluindo o empate contra o bom Barueri, livraram o Atlético Paranaense, arqui- rival do Coxa, do destino do último. Borges disse certa vez que todo jogo tem regras arbitrárias, por isso necessariamente envolve o tédio. Mas ele não gostava de futebol nem teria razão no último domingo. Todo o ano de 2010 viu o Coritiba disputando a série B lutando com sua desesperada torcida para subir e o Atlético tentando na série A  melhor desempenho que em 2009, no qual esteve quase todo o tempo ameaçado da sorte do clube rival.  O que acontecerá em 2011? Não importa no fundo. Nunca passou pela cabeça dos torcedores que amar o jogo é perder às vezes e ganhar às vezes, e correr e aceitar riscos como o de ser rebaixado. O fair play não existe no mundo da bola, pelo menos no Brasil. Por ora a torcida do Atlético comemora sua permanência na série A e o descenso do Coritiba, mas o que ocorrerá no próximo ano ou nos outros? Se o futebol não fosse mesmo o hic et nunc em toda a sua expressão, veria de fato o tédio que Borges viu.Como é mesmo o aqui e agora, o gozo extático e o tripudiar o inimigo, os atleticanos riem por ora dos coxas brancas. Mas como disse certa vez o lama Padma Samten, o Atlético não seria o que é sem o Coritiba e vice-versa.Não há nada mais parecido com um atleticano do que um coxa branca.

                                                                                                Igor

terça-feira, 1 de março de 2011

George Harrison


George Harrison
cada geração faz seus heróis como pode
a minha teve vários dos quais ainda me orgulho
amei com eles fumei e bebi
nos meus piores e melhores dias eles me inspiraram
acompanharam tornaram a vida possível
lembro em especial um dia de Natal
em que fiquei só
ouvi durante muitas horas a casa às escuras
All Things Must Pass
bebendo lentamente um vinho tinto
e não fiquei triste nem deprimido
apenas fiquei imaginando
como George Harrison se sentia quando tocava
sua música sagrada

                                           Igor Zanoni

Trânsito


Trânsito

Sabemos que o mundo é um lugar injusto, e que esta sua condição constitutiva não pode ser corrigida pelas forças de segurança ou os tribunais porque também aí está a injustiça do mundo, o próprio mundo. Por isso a justiça que recoloque uma situação originária do mundo, perdida por este com o advento do mal , pode provir de seres aparentemente ignóbeis mas fascinantes, como Dirty Harry, jamais de uma ação gandhiana em que as castas sejam abolidas,os intocáveis encontrem um lugar tão digno quanto o de qualquer camada, siques, muçulmanos, hindus, parses, cristãos, formem uma só nação que se volte para perdidos valores ancestrais. O herói é o que faz a justiça isoladamente, o que o coloca em sua própria lei e em seu próprio tribunal interior, mais eficaz que qualquer outro tribunal. Por isso o homem fechado no trânsito por outro homem pode ser imediatamente justiçado. A porta do carro se abre, uma arma pesada é disparada contra o outro, o “agressor” que infringiu normas de civilidade no convívio dos carros, vários tiros - pois o excesso denota o tamanho da afronta que corrige- furam a lataria, incidentalmente uma criança dentro do carro atingido morre. Dirigir deve seguir normas estritas, como as que governam as relações entre presos em um presídio- a menor falta pode ser punida sem trâmites prévios, quem não espera ou observa isso não vive mais nesta cidade. O trânsito é um lugar privilegiado dessa justiça particular e ao mesmo tempo de todos, não fosse o automóvel o bem por excelência de nossa idade industrial, acessível sob uma ou outra forma a quase todos, exceto os muito miseráveis, que são justiçados de outras formas, como se vê em tantos massacres de mendigos na noite, por exemplo. Todo que conduz um automóvel faz parte dessa democracia em que impera a lei particular. Lei que por outro lado faz do ofendido o ofensor e por isso um herói dessa idade industrial, dessa cidade. O mesmo pode ser dito dos motociclistas que morrem às dúzias por semana  na cidade. Porque invadem por um preço módico, sob um signo de outsider e de liberdade, o mundo dos automobilistas. Daí a guerra de classes nas ruas, as motos ocupando o menor espaço que os carros involuntariamente deixam , estes que fazem justiça batendo em seus pára-lamas, mandando às favas a vida de jovens que por paradoxo começam sua vida nas ruas em geral pelas motos, enquanto não podem comprar um carro. Ninguém se indigne, o mundo da indústria e do signo tem suas leis internas, criam outros direitos humanos, em que se fica asfixiado mas também a um passo de virar um herói: basta mandar a arma próxima, e esperar um deslize que sempre alguém comete.

                                     Igor

Flerte

Flerte

eu flerto com você o tempo todo
sorrio o tempo todo que estou próximo
e nem sei dizer o que me atrai
você não tem paralelos
nenhuma metáfora lhe cairia bem
penso que você é ótima para mim
porque me faz sorrir
e me sinto tão confiante
em sua confiança
e amo o seu amor que se espalha
quando você está por perto
e sua vigorosa vida me assegura
que minha frágil armadura
você vence sem fazer força

                                                     Igor Zanoni