terça-feira, 1 de março de 2011

Trânsito


Trânsito

Sabemos que o mundo é um lugar injusto, e que esta sua condição constitutiva não pode ser corrigida pelas forças de segurança ou os tribunais porque também aí está a injustiça do mundo, o próprio mundo. Por isso a justiça que recoloque uma situação originária do mundo, perdida por este com o advento do mal , pode provir de seres aparentemente ignóbeis mas fascinantes, como Dirty Harry, jamais de uma ação gandhiana em que as castas sejam abolidas,os intocáveis encontrem um lugar tão digno quanto o de qualquer camada, siques, muçulmanos, hindus, parses, cristãos, formem uma só nação que se volte para perdidos valores ancestrais. O herói é o que faz a justiça isoladamente, o que o coloca em sua própria lei e em seu próprio tribunal interior, mais eficaz que qualquer outro tribunal. Por isso o homem fechado no trânsito por outro homem pode ser imediatamente justiçado. A porta do carro se abre, uma arma pesada é disparada contra o outro, o “agressor” que infringiu normas de civilidade no convívio dos carros, vários tiros - pois o excesso denota o tamanho da afronta que corrige- furam a lataria, incidentalmente uma criança dentro do carro atingido morre. Dirigir deve seguir normas estritas, como as que governam as relações entre presos em um presídio- a menor falta pode ser punida sem trâmites prévios, quem não espera ou observa isso não vive mais nesta cidade. O trânsito é um lugar privilegiado dessa justiça particular e ao mesmo tempo de todos, não fosse o automóvel o bem por excelência de nossa idade industrial, acessível sob uma ou outra forma a quase todos, exceto os muito miseráveis, que são justiçados de outras formas, como se vê em tantos massacres de mendigos na noite, por exemplo. Todo que conduz um automóvel faz parte dessa democracia em que impera a lei particular. Lei que por outro lado faz do ofendido o ofensor e por isso um herói dessa idade industrial, dessa cidade. O mesmo pode ser dito dos motociclistas que morrem às dúzias por semana  na cidade. Porque invadem por um preço módico, sob um signo de outsider e de liberdade, o mundo dos automobilistas. Daí a guerra de classes nas ruas, as motos ocupando o menor espaço que os carros involuntariamente deixam , estes que fazem justiça batendo em seus pára-lamas, mandando às favas a vida de jovens que por paradoxo começam sua vida nas ruas em geral pelas motos, enquanto não podem comprar um carro. Ninguém se indigne, o mundo da indústria e do signo tem suas leis internas, criam outros direitos humanos, em que se fica asfixiado mas também a um passo de virar um herói: basta mandar a arma próxima, e esperar um deslize que sempre alguém comete.

                                     Igor

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