quinta-feira, 15 de maio de 2014

Relações

 
nossa insuficiência nos obriga a buscar relações. mesmo sem buscar já encontramos demasiadas, que nos cabem tão pouco. as que nos parecem cruciais e que envolvem de modo especial nosso afeto buscamos dominar, cercá-las com ardis para nos tornarmos especiais também para o afeto do outro. não sabemos e não podemos esperar, dizemos muito e o que ouvimos conduz nossa fala adiante, que é uma verdadeira teia. deste modo forjamos nossa solidão e nosso tédio, tornamo-nos nostálgicos do que está aí e que mal reconhecemos.

                                                         Igor Zanoni

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Stéfanie


1
Nossa Senhora das Luzinhas do Natal
dá a este pobre um milagre
um que já não queira
um bem pequenininho
para guardar de lembrança

2
as crianças pequenas são sensíveis
ao que ocorre
mas o apreendem sem palavras
em uma iluminação interior depois perdida
mas que surpreendem
quando o que acontece
em sua doçura não cabe
nas palavras de todos os dias


                                                            Igor Zanoni

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Danilo

1
tenho um amigo que assistiu Zatoichi, o Justiceiro Cego, um dos mais emocionantes filmes que assisti, mostrando que um samurai não precisa enxergar para se defender e derrotar os malfeitores. eu durante muito tempo pensei ter apenas sonhado este filme, mas agora sei, assisti mesmo! são amigos como esse de que nós mais precisamos.

2
esse mesmo amigo me explicou tantas vezes que o hondashi é preparado com o bonito, depois de seco e raspado, e que o bonito é da família do atum, que às vezes sonho com belos atuns nadando em um mar azul, mas não sei se algum deles é o bonito do hondashi ou apenas da família.


                                                           Igor Zanoni

domingo, 11 de maio de 2014

Moedas

guardo em mim palavras secretas
moedas que sobraram nos bolsos
após tantas viagens em meu cotidiano
quando já não puder retê-las
pois serão muitas para meu coração
rude e pequeno
eu as direi a você como se nunca
as tivesse visto e contado tanto
com seu valor duvidoso
talvez você as receba agradecida
e compre na primeira esquina
um picolé de morango


                                                               Igor Zanoni

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Helena Kolody



Helena Kolody escreveu um pequeno poema considerado lapidar e reproduzido em murais, como o da Biblioteca Pública do Paraná, inclusive pelo status que ela ganhou como uma representante oficiosa da cultura do Estado. O poema diz: “Para quem viaja ao encontro do sol / é sempre madrugada”. À primeira vista, ele é um achado beletrista sem grande significado, buscando um efeito encantador. Mas indo adiante se pode pensar que ele veja a vida de cada um como fluxo, obrigando a ter em conta o passado e o futuro quanto aos nossos objetivos, sobretudo os que podemos chamar maiores, ou definidores de grandes realizações e de nossa felicidade. Podemos imaginar alternativas e indagações, como: alcançar tais objetivos na verdade é impossível, permite-nos fugir da noite de nossa insuficiência, mas nunca plenamente. Seria a madrugada uma penumbra, de qualquer forma uma penumbra anunciadora do dia, ao contrário daquela, inversa, do pôr do sol de nossas esperanças e esforços? Há, por outro lado, uma valorização da madrugada, um momento no qual ainda há tanto por redefinir e repensar, antes que venha o dia pleno? Ou o dia pleno não convém por ser uma claridade que podemos desejar, mas nunca suportar? Deve haver outras indagações possíveis, mas uma se impõe: o que exatamente a Biblioteca, como órgão público, desejou que seus variados frequentadores percebessem, ao entrar ali para procurar um livro ou um autor? Há uma intenção didática implicada no seu mural com o poema, uma implicação talvez política? Ou apenas se homenageou mais uma vez a poetisa com um poema anódino, o tipo de poema que se parece realmente com um poema?

                                       Igor Zanoni