quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Exército da Salvação


cinquenta girassóis hão de florir em uníssono
frente a minha janela adormecida
na pálpebra dos gerânios
cinquenta tubas douradas
mirando o sol sobre o telhado e o muro
entre a algaravia dos pássaros
deixando os beirais
ainda sonolento me espanta o dia
e os notívagos voltando do ócio e do ópio
sentam-se no meio-fio
quietos ouvimos a homilia matinal
desse Exército da Salvação
que álacre e pretensioso nos quer salvar


                                                         Igor Zanoni

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Moinhos

azares antigos
moinhos que ainda movem
a paisagem interna
um sítio distante uma casa
cadeiras onde líamos uma revista recente
enquanto conspirávamos
você ainda está comigo mas eu tenho
de libertar o emaranhado
de gente e acontecimentos
que movem a trama dos meus pecados
do seu destino perdido
eu gostaria de rever
seus olhos sua figura pequena
mas eu também estou tão longe
outros azares me levaram
eu mesmo tenho dificuldade
de me colocar em tudo isso
e mal saberia contar
quanto pó se juntou sobre a variada flora
desses jardins que morreram
quem de tudo se lembra
senão você e eu
você ainda lembra também?


                                                      Igor Zanoni

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Poder



não quero o que está aqui
ou está lá longe
meu desejo não possui nenhuma chance
nem desejo mesmo pode ser
desejo é poder
sem poder as pessoas fenecem
não encontram seu lugar
no mundo além e aquém da janela
eu me recolho na espessura
do silêncio
do que não tem futuro
aqui jaz o nosso tempo obscuro


                                                               Igor Zanoni

O mundo bom e divertido


eu aprendi a ler muito cedo com papai, e ao entrar no primário já havia lido quase todos os livros infantis de Monteiro Lobato e muitos livros clássicos adaptados, como Quo Vadis e Os Lusíadas. eu me divertia lendo, naquele tempo em que a televisão estava sendo introduzida, os livros de Monteiro Lobato, falando sobre tudo, passavam a notícia de que ler era importante mas além disso muito gostoso. ao lado de uma literatura como essa, eu ganhava enciclopédias curiosas e volumes de perguntas e respostas informando sobre todas as novidades do mundo, mesmo sem importância. eles perguntavam por exemplo: Q-onde se situa a República de Andorra?, R-nos Pirineus, entre a Espanha e a França; ou: Q- quem foi Ana Néri?, R-enfermeira brasileira na Guerra do Paraguai (ora, minha avó morava na rua Ana Néri no Rio, gostei da questão). mas também se perguntava quantas teclas tinha um piano comum ou esta, muito boa: Q- o que é atol?, R- recife circular de coral. nenhuma utilidade maior havia nestas questões, apenas era divertido aprender qualquer coisa em um mundo que parecia muito bom e divertido também.


                                                               Igor Zanoni

domingo, 9 de outubro de 2016

Passarinho


uma nítida impressão
o ar ameno e perfumado
envolvendo sua figurinha
beijo breve obrigado até
a impressão jamais passará
passarinho que voa tão confiante
mas não voa perto de qualquer um
sou seu bem por incrível que pareça


                                                             Igor Zanoni