terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Um homem conservador


A meu modo, sou conservador

Sempre gostei de estar casado

Gosto de crianças e tenho quatro filhos

Sou religioso, mas desigrejado

Uma pessoa de esquerda

Defendo o desenvolvimento das forças produtivas

Os direitos dos indígenas

Das mulheres do ambiente dos gays

Dos animais

Defendo a alimentação saudável

E os exercícios moderados

Espero viver o que me couber

E ter paciência para viver e para morrer

 

                                                           Igor Zanoni

  

"Ainda estou aqui", de Marcelo Rubem Paiva


O livro de Marcelo Rubem Paiva foi concluído em 2015, o filme homônimo de Walter Salles foi realizado em 2024, 9 anos depois. Em ambos a figura central é Eunice Paiva, mãe de Marcelo e esposa do ex-deputado Rubem Paiva, sequestrado e morto pela ditadura em 1971. Dificilmente um filme baseado em um livro guarda todas as virtudes deste e o mesmo acontece aqui. Embora o filme seja muito elogiado e candidato a premiações internacionais, para mim não tem todas as qualidades do livro. Este é um livro grande, autobiográfico, narrando parte da infância e adolescência de Marcelo, a história de sua família, o assassinato de seu pai e a prisão na mesma época de sua mãe, os anos de graduação de Marcelo, a reviravolta na vida de Eunice quando se torna viúva, tornando-se advogada e militante de direitos civis, particularmente de indígenas, seus novos relacionamentos e os duros anos de padecimento de Alzheimer. É um livro muito detalhado, quando foi escrito Eunice ainda vivia, pois só faleceu em 2018 aos 89 anos, após quinze anos da doença. O filme, evidentemente, abrevia todos esses momentos da vida da família e de Eunice, sendo nesse sentido muito menos rico que o livro. O filme nem por isso deixa de ser ótimo, mas suscita uma grande vontade de ler o livro.

 

                                                              Igor Zanoni 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Narizinho


Muito menino, comecei a amar perdidamente

Meninas da minha idade

Era um amor sem mãos, sem bocas,

Sem palavras

Lembro com gratidão de Maria Aparecida

Em particular de seu nariz bem-feito

Entrando com meu pai em sua casa

Dei de frente um dia com ela

Tive uma vergonhosa vertigem

Mas eu sempre fui bom

Em tonturas e vertigens

Maria Aparecida de narizinho poderoso!

 

                                                  Igor Zanoni 

domingo, 29 de dezembro de 2024

"O som do rugido da onça", de Micheliny Verunschki

“O som do rugido da onça”, de Micheliny Verunschk

 

A autora nasceu em 1972, em Pernambuco, e é autora de diversas obras, elogiadas e premiadas. Neste romance, Micheliny aborda a questão do saque à Amazonia e a violência contra os povos indígenas. Começa narrando a estória de duas crianças miruna que em 1821 são levadas por Spix e Martius a Munique, onde falecem pouco tempo depois de pneumonia, o menino, e de doença do intestino, a menina. A autora usa depois uma ampla coleção de relatos sobre mortes de pessoas ligadas à defesa da Amazonia e mitos de várias etnias indígenas sobre sua vida na floresta. O resultado é um livro difícil e poético, onda a onça e a menina que os dois exploradores alemães levaram à Europa se fundem, como uma figura que se coloca contra o ataque aos povos da floresta.

 

                                                    Igor Zanoni 

Pensar


Pensar é difícil

Poucos pensam

Em geral as pessoas se contentam

Com o que ouvem na mídia

Ou na igreja

E saem repetindo

Essa pseudo sabedoria

 

                                                        Igor Zanoni 

sábado, 28 de dezembro de 2024

Sociedade dos Poetas Mortos


Militar e ferrenho anticomunista

Meu pai se divertia entretanto

Com os livros de Gabo

Seu preferido era O Outono do Patriarca

Como ele os entendia não sei

Acho que ele desentendia livros e filmes

Desentendeu por exemplo

Sociedade dos Poetas Mortos

O filme que eu vi e o que ele viu

Foram muito diferentes

 

                                                Igor Zanoni 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

"Estela sem Deus", de Jefferson Tenório


Neste romance de 2020, Jeferson Tenório constrói uma estória sobre uma jovem adolescente, Estela, no início dos anos noventa. Ela mora com sua mãe e um irmão pequeno em Porto Alegre, sem a presença do pai de cada um, apenas com a mãe que trabalha como faxineira. Todos são negros e pobres. A situação de penúria leva a mãe a deixar os filhos no Rio de Janeiro, no Méier, com uma parente, que também tem um filho e frequenta uma igreja evangélica. Estela frequentara um terreiro de umbanda em Porto Alegre, e estranha a igreja em que é compelida a ir. Tudo que ela deseja é voltar a um terreiro para que Oxum desça sobre ela. Mas ela procura pensar nas mensagens da igreja e na figura de Deus. Estela deseja ser filósofa, isto é, alguém que pensa por si mesma sua vida e Deus está no centro de suas preocupações. Depois de um namoro infeliz com o filho do pastor ela encontra Francisco, um homem já bem mais velho que ela e do qual engravida. Todavia, mesmo que ele a ame e deseje o filho, Estela faz um aborto com a ajuda de uma colega, Melissa. Tudo isso a faz voltar a pensar em Deus, não como a figura patriarcal e mágica que a igreja venera, mas como um ser que está presente na mãe trabalhadora, nos atos da vida, na coragem que ela deve reunir para se tornar uma pessoa mais independente. Jefferson Tenório tem vários livros, como “O avesso da pele”, que ganhou o Prêmio Jabuti, nasceu em 1977 e é carioca. Vive entre São Paulo e Porto Alegre e é um dos melhores romancistas atuais do país.

 

 

                                                                     Igor Zanoni