terça-feira, 30 de maio de 2017

Nunca morrer agora

nunca morrer agora
antes estudar um pouco mais
pensar um pouco mais
vejo a vida ainda insegura
instável opressiva
quero sonhar como os românticos
escrever como um poeta
que todos queiram ler
não me basta a mecânica do automóvel
a contabilidade do tempo corrupto
quero falar com os que amam
o coração do mundo
em um labirinto sem saída
buscar a vida a liberdade
e as aspirações humanas


                                                Igor Zanoni

Sótão


a cabeça é um sótão
à noite se destrava
papai mamãe tão esquecidos
e eu pequenino
seu próprio nariz era bem feito e reto
nunca mais vi nariz assim
Maria Aparecida a de nariz de Cleópatra
morcegos voejam entre as árvores de três copas
miro a lépida lagartixa
cuidado que o seu rabo se solta
e a gorda taturana no quintal
fumando narguilé sobre um cogumelo
estes são sonhos alegres
há os sonhos tristes e os assustadores
e aqueles em que todos são um só
para todos existe meu psicólogo
aventurando-se no meu sótão
como José no livro de Gênesis


                                                                       Igor Zanoni

sábado, 27 de maio de 2017

Orelha



a orelha é um artefato inusitado
seguindo as linhas do maxilar inferior
encaracolada em um pavilhão
que nos aproxima dos elefantes
sobre os lábios colocamos batom
eles nos atraem são desejáveis
também a doce pele do rosto
queremos roçar em uma carícia
sobre a orelha contudo dizemos
ardidos segredos de liquidificador
provocadora orelha que Van Gogh cortou


                                                                     Igor Zanoni

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Réquiem para a Cracolândia



 
se forem hostilizados e maltratados
se perderem sua casa
eles não vão sumir no mundo
não vão tirar o cavalo da chuva
se forem colocados em um hospital
eles não vão por sebo nas canelas
mas como santos amaldiçoados
andarão ao redor das paredes
com sua cabeça delirante
rezarão mantras
como um segredo que a eles pertencem
como coágulos de dor
em meio à cidade moderna
que deseja parecer rica e feliz
mas apenas engana os ricos e felizes
com sua insana forma de dar conserto
ao mundo que não amam


                                                                    Igor Zanoni

terça-feira, 23 de maio de 2017

Mercadorias


nós ouvimos dizer
parece bom mas na verdade não sabemos
não podemos ter certeza
veja o que dizem sobre o que fazer ou usar
o que pensar
o que falar
aonde ir
está na net nas revistas nos outdoors
as opiniões variam
algumas parecem muito boas
outras ridículas
como saber o que são?
os anúncios dizem isto e aquilo
um sábio barbudo escreveu que se supõe das pessoas
um conhecimento de perito sobre as mercadorias
e estamos sitiados por mercadorias
sem elas não podemos existir
mas não sabemos quase nada
apenas ouvimos falar
e consumimos com gosto quando podemos
mas é claro que talvez tudo isso
não seja mesmo muito bom


                                                                            Igor Zanoni