segunda-feira, 23 de julho de 2018

Ferrari


muito menino, naquela Campinas que eu cruzava pra lá e pra cá, fui pela primeira vez a um estádio, o Brinco de Ouro da Princesa, ver um jogo do Guarani não me lembro contra quem. eu gostava de ouvir futebol pelo meu radinho de pilha, que eu escondia sob o travesseiro. naquela época não havia quase jogos pela incipiente televisão e o campeonato paulista era o mais importante para o estado. eu imaginava os jogadores como grandes ídolos, heróis mesmo, acompanhava pelo rádio os jogos do Santos com aquele timaço que tinha Pelé, Pepe e outros astros. eu me sentei bem perto do campo, os jogadores estavam quase ao alcance de minha mão. na lateral esquerda do Bugre corria Ferrari, que havia jogado antes no Palmeiras, um homem muito mais velho que eu, baixo, com o corpo musculoso, de pouco cabelo e avermelhado pelo sol. podia vê-lo apanhar a bola para bater um lateral, descer o campo para apoiar o ataque, sempre vermelho, suado, e não atribui a ele nenhum heroísmo. pareceu-me um trabalhador braçal, um operário da construção civil, nada olímpico. a isto se somavam os xingamentos e os apupos da arquibancada misturando-se aos seus aplausos mais eventuais. tive uma enorme decepção naquele domingo. achei os jogadores banais e feios, nada parecidos com atletas gregos que eu imaginava. a arquibancada era um horror, para minha juventude pudica, fiquei bom tempo sem retornar a um estádio.


                                               Igor Zanoni

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