domingo, 26 de agosto de 2018

Flores

as flores se lançam no ar
atávicas ávidas
em seu sangue vegetal pulsa
o tempo natural
a alegria silente
do viver que buscamos
apesar do concreto do dia
nas brechas em que inventamos
nossa felicidade somos chamados
também a florescer

                                        Igor Zanoni

sábado, 25 de agosto de 2018

Circo

nem todo mundo vai ao circo spetacular
nem todo mundo vê as pernas cintilantes
das extraordinárias garotas de vinte e quatro países
nem o mágico que tira da cartola
( ainda existem esses mágicos e suas cartolas)
dois pandas gigantes de pelúcia
eu fui ao circo com meu pai muito novo
ele comprou para mim uma fotografia
da menina trapezista com maiô rosa
eu me apaixonei guardei a foto
desde novo fui assim facilmente seduzido

                                                       Igor Zanoni

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Uma lembrança de meu pai


meu pai nasceu em 1925. embora tivesse feito duas graduações, Teoria e Solfejo e Odontologia, com longa passagem pela Orquestra Sinfônica Brasileira e pelo Exército, era uma pessoa, além de criativa (foi um dos primeiros a fazer implantes e ortodontia em Campinas e dirigiu vários corais de igrejas que frequentamos) também bastante autodidata, como muitos de sua época. estudava por conta, hoje vejo que acertava no varejo e errava no atacado em muitos de seus temas favoritos, como psicologia, religião e educação. gosto de me lembrar de suas prateleiras de livros, herdada de sua juventude. lá havia antigas veleidades poéticas à mostra, como nas poesias de Olavo Bilac, o Eu e Outras Poesias de Augusto dos Anjos ou A Velhice do Padre Eterno de Guerra Junqueiro, ou já, em seus temas favoritos, errâncias pelos Quatro Gigantes da Alma de Mira y López e pela Arte de Curar pelo Espírito de Stefan Zweig. esses livros já quase não se leem, estão superados. ele mesmo os abandonou para estudar e praticar parapsicologia e, mais tarde, apenas esquecer tudo isso e ouvir música e ver filmes ( ele gostava muito de cinema). os livros de meu pai estão, alguns, em minhas próprias prateleiras, mas expurguei os mais datados. dele entretanto herdei o mesmo espírito autodidata e vários interesses. acho que ele sentia o quanto lhe faltava para ser mais bem formado mas o mesmo posso dizer de mim mesmo ; cada um de nós levou sempre suas perguntas que nem sempre tiveram respostas razoáveis.

                                                            Igor Zanoni

Sonho


no sonho eu era uma presença difusa
éramos ainda jovens
 eu pude bem olhar seu rosto
imagens atemporais
o desejo é atemporal
cabem muitos desejos em uma só pessoa
às vezes um salta na noite
pude bem olhar seu rosto
você não percebeu como eu a quis
ao mesmo tempo sentindo um certo mal estar
nosso cerne é eterno mas oscila
como uma lâmpada
que tremula mas não se apaga
e em uma certa noite de novo se acende

                                        Igor Zanoni

terça-feira, 21 de agosto de 2018

A Divina Comédia

todos os escritos ficam um dia datados, mas eu conheci um rapaz que lia apenas continuamente A Divina Comédia, em uma edição linda com ilustrações de Gustave Doré. sim, todos os escritos ficam um dia, mais cedo ou mais tarde, datados, mas não A Divina Comédia. não há motivo para ler outro livro, nenhum tem a mesma qualidade exuberante. principalmente  o Inferno, pois nenhuma pagina se compara às desse Inferno dantesco.

                                                   Igor Zanoni