sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Plebe


em uma unidade de pronto atendimento, que funciona 24 horas por dia, se você demorar um pouco para ser atendido (isso depende da triagem que classifica como mais ou menos urgente o seu problema), percebe que as pessoas que esperam vão mudando ao longo do dia, conforme umas são atendidas e chegam outras mas a unidade está sempre cheia. o que elas fariam se não houvesse tais unidades? ali a plebe da cidade exerce seu cada vez mais remoto direito de cidadania, seu direito por exemplo a uma medicina gratuita e eficiente pelo sus. a plebe não tem dinheiro nem planos de saúde, e é imensa sua necessidade do serviço público. as pessoas ali são simples, feias, mal vestidas, formam um enorme contingente social ao qual a fortuna não sorri. é pavoroso imaginar que esse vasto contingente tem seus direitos ameaçados, que sua cidadania efetiva está cada vez menos assegurada em um aspecto básico como a saúde. a cidadania se exerce no dia de eleições, mas esse dia se torna sempre menos importante à medida que os políticos perpetuam-se na vida pública no triste espetáculo do clientelismo e do patrimonialismo brasileiros. mas a cidadania se exerce mais claramente a cada vez que uma necessidade é atendida pelo espaço público, como o sus e a educação pública. é precisamente essa cidadania que está sendo ameaçada pelo primarismo da política econômica que atende antes aos grandes interesses, os interesses dos rentistas e dos fluxos de capital livres no planeta. a plebe não sabe nada sobre isso. ela entra mal na unidade de pronto atendimento, com pressão elevada, febre, dores no peito e na cabeça, febre, as crianças chorando ou dormindo no colo da mãe. ela é só um resíduo humano para o capital e para o estado, mal vestido, feio, ignorante, que o estado cada vez mais vai deixando aos azares da vida, e como sua vida é azarada!

                                                     Igor Zanoni

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