segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Encontro com livros e mestres


Quando jovem estudante de economia no antigo Departamento de Economia e Planejamento Econômico da Unicamp, fiquei várias vezes impressionado com livros e autores que pareciam rasgar para mim a paisagem e mostrar caminhos do mundo que eu sequer suspeitava. Um dos primeiros foi o clássico Os Argonautas do Pacífico  Sul, de Malinowski, logo no primeiro ano. Hoje sria impensável a qualquer curso no Brasil oferecer esse texto ou autor na graduação, sequer no primeiro ano. Mas a mim parecia estar lendo uma versão sofisticada de Robert Louis Stevenson ou Joseph Conrad. O que me encantou foi o encontro com a história de povos complexos e longínquos, preciosos na trama ritualística de sua vida. Anos mais tarde um amigo bastante jovem também como eu era anteriormente, disse-me que Malinowski já não tinha importância e não era mais lido. O pior é que ele estava se formando em antropologia, sequer em economia, o que talvez explicasse seu parecer. Outro livro que me impressionou foi o clássico de Engels A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. A mim, jovem interiorano em São Paulo, o livro explicava rigorosamente, achei, a passagem do tempo e do mundo, com suas formações sociais, produtivas e institucionais, terminando em uma lúcida e generosa visão de Engels sobre problemas contemporâneos ainda sobre o amor e o casamento. Este livro me levou a Morgan, e li logo seu A Sociedade Antiga. Perguntei a um professor se havia autores que haviam levado adiante as pesquisas de Engels, e ele mal me respondeu ou me pareceu dizer não. Fiquei perplexo, porque o mais importante para mim tornara-se discutir a historicidade da sociedade e suas instituições, bem como suas relações internas. De qualquer modo segui esbarrando em livros que foram fundamentais para mim. Se eu fosse estudante de outra área, como a biologia, teria me fascinado á época com as descobertas de Watson e Crick, por exemplo, ou por uma nova receita se fosse um chef. Há sempre fascínio nesse mundo secreto e curioso que é o nosso. Ele é mesmo um mundo trágico, que talvez esteja em colapso, mas também aí há maravilhas a descobrir. Quem não ficou fora de si ao ler Sartre ou Simone de Beauvoir quando jovem? Monteiro Lobato sabia disso quando escreveu sua série de livros infantis sobre aritmética, geografia, engenho humano ou mitologia grega. Porque, para uma criança saudável, pode-se estudar qualquer coisa e gostar o que se estuda. O mundo é maravilhoso, e o livro, entre outros inventos humanos, como a música e o cinema, estão plenos do espírito que deve ser de todos nós.


                                                      Igor Zanoni  

domingo, 7 de outubro de 2012

Mudar o mundo


não mudaremos o mundo
não faremos as reformas de base
nem a revolução burguesa
nosso partido se acabou
já não é tempo de partidos
embora ainda seja de homens partidos
consumiremos a vida em uma trajetória
precária que pode ser interrompida
pela mídia pelo centrão por um tiro
por uma saidinha de banco
já não faremos a exegese das obras
de tantos autores que eram nossas antenas
se você fizer comentários  sobre este dado inelutável
só os mais velhos entenderão
acendendo confortáveis charutos cubanos
nossos amigos nos chamarão de jacobinos
se não fizermos voto útil
mas nenhum voto útil foi até hoje útil
passou desapercebido
eu você passaremos desapercebidos também
entre dívidas e poucos realmente próximos
as alegrias foram engarrafadas
ou viraram literalmente pó
não serei o poeta de um mundo caduco
que de fato serei

                                                             Igor Zanoni

Fim da vida



no final da vida sempre fazemos
coisas surpreendentes
a rotina que nos movia emperra
o trabalho já não flui como antes
e o amor ah o amor
como entende-lo sem nossa radical
insatisfação e desamparo?
a velhice nos deprecia
se não somos endinheirados
a vida nos humilha
porque já não temos expectativas
de que coisa alguma mudará
lembrem o velho Marx
doente e enlutado
tentando buscar sua últimas forças
no sol do litoral da Argélia
aquele mesmo de que falará Camus
em Bodas em Tipasa
cortou suas famosas barbas
inúteis na sua solidão
lembrou ainda uma vez Jenny von Westphalen
e voltou para morrer
à sua mesa de trabalho
ainda corrigindo um manuscrito
ainda buscando notícias do continente
mesmo que tudo isso já não fizesse sentido
para alguém marcado
pelo último beijo da morte
surpreende essa crença
de que viveremos para sempre
que não nos abandona parece
mesmo quando nossa fortaleza
está minada e sem recurso
ainda acrescentamos aqui e ali
um comentário cujo propósito ninguém percebe
ainda acrescentamos um esclarecimento
a quem? para que?
escrevemos uma carta
falamos em um diálogo indecifrável
com um amigo de sonhos perspectivas
com que sentido?
que lastimável desolação!


                                                       Igor Zanoni

sábado, 6 de outubro de 2012

Videntes


os que enxergam viram a cabeça
para cá e para lá nas janelas
buscando as novidades
mas os cegos sobem o ônibus devagar
a cabeça para frente
segurando suas bengalas de metal
porque nada têm mais que ver no mundo
já os videntes põem as mãos sobre os olhos
e se afanam em transmitir
as notícias do além
para os humildes e os enlutados
unindo mundos num fraternal abraço


                                                                    Igor Zanoni

                                                                              

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Pessoas


de todas as pessoas que conheci
e foram importantes no meu dia a dia
lembro-me de muito poucas
cujo destino às vezes nome ignoro
não posso recuperá-las
eu que tenho o hábito de cultivar amizades
que envio esses obsessivos poemas
também não poderia ter conhecido
quase nenhum dos autores que me são caros
ou pessoas que fizeram com as mãos
um mundo mais bondoso para mim
você que ainda está ao meu alcance
viva uma vida menos ingrata que eu
ao menos à solidariedade humana
 podemos dar um nome:
amor acaso bom coração


                                                      Igor Zanoni

O assim chamado "rombo da Previdência"




A mídia não se cansa de repetir inverdades, com fins que se adivinha, que fazem a delícia dos conservadores e fazem os mais pobres desistir de lutar contra o que parece ser seu destino. Assim ocorre com o famoso “rombo da Previdência”, que impede, supõe-se, maiores reajustes ao salário mínimo e aos proventos de aposentados e pensionistas do INSS. Acontece que esse rombo não existe. Como ensina a professora Angela Welters, minha colega de departamento na UFPR, ele surge de causas como: 1) os assalariados recolhem no contracheque sua contribuição previdenciária, assim como s empregadores, mas o governo não destina todo o valor, longe disto, à previdência; 2) há uma dívida enorme patronal com a previdência, que o governo federal não cobra; 3) uma parte das receitas da União são conservadas como reservas que a União pode fazer discricionariamente, para fazer face a necessidades do ano, por exemplo, para procurar desemperrar a economia, e as receitas previdenciárias estão aí nessas reservas; 4) há gastos com assistência social, encargo que deve ser do Governo Federal, somado aos custos da previdência, o que é equivocado. O “rombo” da Previdência é pois dinheiro que o governo deve a si mesmo, além do que os patrões devem. A quem interessa essa inverdade com que a mídia assusta o desinformado povo que vê televisão ou lê jornal?
E há economistas bem situados que ajudam a fabricar essa farsa. No livro Brasil: A Nova Agenda Social, organizado por Simon Schwartzman e Edmar Lisboa Bacha,e que reúne um rol de intelectuais ligados ao PSDB, há vários artigos insistindo no corte de pensões de viúvas, no drama da população que, envelhecendo, se aposenta “cedo demais” e outras balelas. É melhor conferir a verdade com o próprio IPEA, do próprio Governo Federal.


                                                                      Igor Zanoni



        

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Amor-próprio



todos conhecemos pessoas
que passam a vida recentrando-se
destilando-se
tornando-se seu tipo ideal
e a cada ano mais se parecem
com o que sempre
imperfeitamente embora
foram e cada vez mais são
por puro regozijo com sua pessoa
por um elevado e feliz amor-próprio
sem se importarem com qualquer
opinião alheia
que desconhecem na sua jubilosa
identidade

                                                              Igor Zanoni