no final da vida sempre fazemos
coisas surpreendentes
a rotina que nos movia emperra
o trabalho já não flui como antes
e o amor ah o amor
como entende-lo sem nossa radical
insatisfação e desamparo?
a velhice nos deprecia
se não somos endinheirados
a vida nos humilha
porque já não temos expectativas
de que coisa alguma mudará
lembrem o velho Marx
doente e enlutado
tentando buscar sua últimas forças
no sol do litoral da Argélia
aquele mesmo de que falará Camus
em Bodas em Tipasa
cortou suas famosas barbas
inúteis na sua solidão
lembrou ainda uma vez Jenny von Westphalen
e voltou para morrer
à sua mesa de trabalho
ainda corrigindo um manuscrito
ainda buscando notícias do continente
mesmo que tudo isso já não fizesse sentido
para alguém marcado
pelo último beijo da morte
surpreende essa crença
de que viveremos para sempre
que não nos abandona parece
mesmo quando nossa fortaleza
está minada e sem recurso
ainda acrescentamos aqui e ali
um comentário cujo propósito ninguém percebe
ainda acrescentamos um esclarecimento
a quem? para que?
escrevemos uma carta
falamos em um diálogo indecifrável
com um amigo de sonhos perspectivas
com que sentido?
que lastimável desolação!
Igor Zanoni
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