sábado, 8 de dezembro de 2012

Um homem decente


ele esta vestido decentemente
mas não com seu melhor terno
a cabeça presa com um lenço
para o queixo não cair
pranteado pelos próximos
um pouco indiferente
aos amigos da família
que cumpriam uma visita de praxe
afinal noblesse oblige
era tudo mais ou menos esperado
ele tivera tempo de dizer adeus
logo partiria para os montes e vales
do Santa Cândida
já maior que uma pequena cidade
alguns diziam banalizavam
palavras sobre o destino humano
outros se calavam
o que é bem melhor
pois não fora ele desta para a melhor?

                                                         Igor Zanoni

Salto


ele era uma pessoa grande e expansiva
gostava de vodka e de fumar
crítico e genioso tinha poucos
mas grandes enormes amigos
que o amavam
como não gostava de gastar em roupas
comprava ternos de brechós
especializados em heranças
de defuntos canadenses
em suma era uma figura
um dia decidiu largar a vodka e o cigarro
fez um regime rigoroso
apequenou-se
ficou magro e enrugado
envelheceu uns dez anos
como não gastasse de gastar em roupas
elas ficavam sobrando em seu corpo
agora magro
decidiu se aposentar
separou-se da mulher com quem vivia
há trinta anos
 perdeu sua verve
decidiu se aposentar
pois até os amigos ficaram confusos
moral: algumas mudanças são necessárias
mas não se deve esquecer
que a natureza não realiza saltos

                                            Igor Zanoni

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A Hora Final


quando eu morrer
só espero que não doa
e que não fique muito assustado
ninguém chore muito
morrer é coisa banal
não é o pior que pode acontecer
não penso no céu
acho que cada um faz o que pode
é o meu limite de otimismo
não Jesus não voltará
da mesma forma como não fizemos
a revolução
espero que o mundo se mantenha
que a humanidade tenha algum juízo
quero morrer em paz
não me incomodem muito

                                                     Igor Zanoni

Augusto dos Anjos


1.       Entre os poucos livros de papai havia dois de poesia: a obra de Bilac completa e o ”Eu e outras poesias”, de Augusto dos Anjos. O primeiro se explica: ainda jovem, conheci Bilac como o “Príncipe dos Poetas Brasileiros, que escreveu o famoso:” Ora, direis, ouvir estrelas...”, tão celebrado  e declamado nos antigos recitais pelas antigas estrelas desses doces encontros ( outro poema favorito delas era o “não sei por onde vou..”, de José Régio). Ademais, Bilac é o patrono do Exército brasileiro, e meu pai era militar. O outro livro talvez se explique por sua encantadora rudeza e estranheza, ficou um bom tempo esquecido, depois foi reabilitado por Ferreira Gullar em edição comentada. Papai era do Corpo de Saúde, e devia gostar de poemas tão pouco líricos como “Eu, filho do carbono e do hidrogênio...”(acho que era isso, meus livros estão tão empilhados na sala que não posso conferir). Para mim, esses livros estranhos foram minha introdução à boa poesia. Depois tive minha fase Guilherme de Almeida, um poeta injustamente esquecido, para afinal no colegial conhecer Fernando Pessoa e outros realmente grandes e contemporâneos, menos no tempo que no seu existencialismo e lirismo tão próximo de nossa luzitanidade. Mais tarde ainda, fiz minhas própria seleção, que logicamente incluía Bandeira, Drummond, Cecília Meirelles e outros do grande modernismo, bem como muitos estrangeiros(Camões, Yeats, Keats, John Donne, Cummings...). Mas a origem de tudo foram os livros de poesia de meu estranho pai.  

                                           Igor Zanoni

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Om do universo


1
Eu sempre ouvi um pequeno zumbido, que achava natural. Talvez fosse um som do corpo funcionando, ou o barulho das coisas em volta se movendo. Mas indo ao otorrino esses dias ela constatou uma perda de audição nos sons mais baixos e perguntou se eu não ouvia um leve zumbido. Perguntei a ela se o mundo era silencioso, e ela confirmou. Minha irmã disse que eu pensei estar a ouvir o OM do universo, e riu muito.

2
Na semana passada eu estava no RU com alguns alunos e a conversa girou em torno das eleições do Centro Acadêmico e do DCE. Mas quando eu entrava de volta no prédio onde ia dar aula, um deles ficou sozinho comigo e perguntou se eu acreditava em Deus. Eu respondi que na minha forma pessoal eu acreditava sim. Ele contou que de um tempo para cá Deus falava com ele. Pediu para ele deixar o cigarro em primeiro lugar, depois com frequência o orientava na vida. Ele achava fantástico, nem sabia como explicar, era maravilhoso.

                                                          Igor Zanoni

domingo, 2 de dezembro de 2012

Baixio


os rios são lentos terrosos
acomodam-se nas margens vegetais
acolhem o ser com poços e funduras
inesperadas
silenciam a noite em volta
com o chiar de rãs e rastros de cobras
nessa lentidão descem até o mar
exuberante de sol e de corpos cuidados
enquanto os rios cruzam os continentes
a seu modo primitivo e caboclo
o mar desconhecido cessa sua ira
no baixio das terras

                                                                    Igor Zanoni

Acontecências


afinal todas as grandes acontecências
de minha vida findaram
espero
eu que lidei com elas como pude
como uma pessoa comum
agora meu carma sai pelo mundo
provocando seus efeitos
mas quanto a isso pouco posso fazer
quando minha vida em breve
também findar
que seja discreta e calmamente
aí afinal as últimas acontecências
findarão ou pelo menos
aos poucos todas se desligarão
de meu nome e minha lembrança

                                                             Igor Zanoni