quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Brincando


Brincando

Como o mais velho de uma escadinha que ganhava um degrau em baixo a cada dois ou três anos, minhas primeiras lembranças da família são de meus pais e meus irmãos Alex e Felippe, este bastante pequeno, com os quais brincava dentro de casa ou na calçada, cuidando deles mas me divertindo também. Gostava muito de bicicleta, que aprendi a andar sem rodinhas com quatro ou cinco anos e de armas. Amava facas de plástico, espadas e adagas de piratas, com bainha e cinto, também revólveres de espoleta e espingardas. Uma das grandes pendências minhas com papai foi a compra de uma espingarda de chumbo quando eu era já mocinho, e fui muito imprudente com ela nas ruas próximas à casa do Castelo. Minhas tendências agressivas tiveram livre curso comigo e Alex armados até os dentes para pavor dos coleguinhas de rua. Não me lembro de brincar com papai, nessa época, mas brincava muito aos pés de mamãe, aproveitando os carretéis de linha de sua máquina de costura. Havia uns finos, de plástico, da marca Corrente, para costuras em tecido que ficavam aparentes, e outros grossos, de madeira, de linha branca, que davam blocos, carrinhos puxados com barbante ou pequenos bonequinhos imaginários. Papai ia para o quartel cedo de modo que minha vida girava em torno de mamãe especialmente, o que adorava quando costurava ou ajudava na cozinha. Mamãemamãe fazia massas, cerveja caseira, e umas balas de coco que a gente puxava e torcia na cozinha até dar o ponto. Era uma grande cozinheira. Depois, mais velho, me aproximei mais de papai, indo ao quartel com ele e conhecendo sua vida de dentista e militar. Mais tarde em Mato Grosso ajudei-o a manter, com os padres de uma missão jesuíta holandesa, cobras das quais tirávamos veneno para trocar por soro anti-ofídico no Butantã em São Paulo. Lembro de viajar com ele entre Corumbá e São Paulo nos aviões DC-3 do Correio Aéreo Nacional, que viajavam baixo sobre o Pantanal ainda muito arborizado, e dos bancos de madeira colados às laterais do avião. Também ajudava papai a dirigir uma farmácia do quartel em Cáceres, ganhando lembranças dos representantes comerciais. Adorava o Vinho Reconstituinte Silva Araújo, cuja garrafa bebia em um gole, ficando bem feliz depois dado seu teor alcoólico. Também andava a cavalo, com papai ou só, e nadava á tarde no rio Paraguai, ou, já de volta a Campinas, no Atibaia, em Sousas. Mis tarde auxiliei papai no seu consultório particular, que ficava no fundo de casa, na cafua, como ele chamava uma edificação de algumas peças onde ficava o consultório, uma pequena biblioteca particular e o laboratório de prótese. Aprendi a fundir blocos de ouro e preparar materiais para obturações e outras habilidades. Depois eu e papai fomos nos separando, mas ainda o ajudava nas sua pesquisas sobre as verdades bíblicas ou sobre parapsicologia, e sempre foi importante para mim saber o que ele achava de qualquer assunto. Sempre admirei sua inteligência, embora fosse um homem difícil, muito bravo. Mas infelizmente brinquei pouco com meus irmãos. Com Alex brinquei um pouco, com Felippe menos, com Ivone, Tintim e Mônica brinquei como crianças que eram. Cuidei do Tintim até seus cinco anos, e adorava a Mônica que sempre foi uma menina mimada e graciosa. Mas acho que me lembro menos das brincadeiras a dois porque na verdade andávamos sempre misturados, tomando banho juntos, explorando nossos primórdios de curiosidade sexual, ou felizes em volta da mesa ou assistindo televisão. Depois ficamos um pouco cada um para seu lado. Minha família é pouco ligada depois da morte de papai e de mamãe, não como a família de minha mulher, que tem os pais vivos. Mas sempre brinquei com amigos no colégio, e mais tarde com meus filhos. Quando veio a minha escadinha de filhos, jurei ser um pai oposto ao que tive em termos de autoritarismo e violência. Logo que Gabriel nasceu, eu e Edméia participamos da construção de uma escola cooperativa chamada Curumim, baseada nos princípios de Celestin Freinet,  bastante moderna e bonita. Minha vida familiar com meus filhos e mulheres sempre foi rica e intensa. Sempre brinquei com eles de carrinho e fiz uma enorme coleção de matchboxes para o Gabi. também tínhamos muito Playmobil, o brinquedo que enriqueceu Dílson Funaro, ilustra fundador da antiga Trol e ministro da Fazenda que fez o Plano Cruzado. Depois tínhamos fantoches, Legos, bicicletas, por aí afora. Sempre preferi jogar bola com meus filhos a estudar. Lembro de nossas tardes no Taquaraltaquaral em Campinascampinas, ou no Bosque do Papa em Curitiba, próximo à nossa casa no Bombom Retiro. Fui o chamado pai companheiro. Ou paisão. Não saberia dizer em que influi na vida de meus filhios, mas eles são bem diferentes dos jovens de sua geração, acho que porque eu não me importei em viver como pensava e na medida em que pude fazer isso. Ainda hoje crio com a Rosana o Mateus, de onze anos, juntando sobrinhos, vizinhos, minha neta Isabela. O Bruno, com vinte anos, é mimado pela Estelita e por mim. Dou-me bem com minhas noras também, cunhados e sobrinhos. O espaço da casa sempre foi preponderante para mim, logo, o espaço da criança e do brinquedo, do prazer e da dificuldade de cada dia.

                                                                                                                      Igor Zanoni

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