quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Casamentos


Casamentos

Muitas pessoas fazem votos formais ou informais de amor e cuidado por suas vidas, mas a convivência diária, seja qual for o motivo, transforma-se numa incômoda paisagem de mal-estar, brigas ou violência aberta. Isso não ocorre quando as pessoas se casam apenas, mas em todas as relações afetivas marcadas por aspectos como dependência, às vezes mútua, financeira ou emocional, que podem ocorrer em qualquer relação com alguma estabilidade. No Brasil, uma em cada cinco mulheres já foram vítimas de agressão física, muitas vezes de caráter sexual, o que configura um crime contra a mulher e uma violação dos direitos humanos. Mas há violências de outras espécies, às vezes muito refinadas e contundentes, entre um casal, pessoas que não conseguem se separar nem viver junto, criando uma paisagem infernal e insolúvel. A chance de dissolvê-la seria esse casal refazer seus votos com a ajuda de um psicólogo bem treinado ou com um diretor espiritual que o ajudasse a compreender a experiência cíclica que estão vivendo e à qual estão dando cada vez maior solidez, a experiência de maus tratos verbais ou físicos, separações de corpos no lar, discussões estéreis, freqüentemente diante dos filhos, levando-os a crer que a vida a dois é mesmo assim e não há nada a fazer. Ainda na minha adolescência fui aluno no Culto à Ciência em Campinas da professora Margot Proença, morta com muitas punhaladas pelas costas por seu marido, um promotor público absolvido no julgamento por “legítima defesa da honra”. Para evitar esse absurdo direito do homem defender violentamente sua suposta honra ofendida, a busca de relacionamentos abertos foi uma tentativa de muitos casais liberais para escaparem de prisões emocionais e se envolverem com outras pessoas atraentes, mas esta estratégia pode levar também a sofrimento fazendo do relacionamento sexual um instrumento de enfraquecimento de laços emocionais que poderiam ser saudáveis. Muitas mulheres no século XX, em especial no Ocidente, com o ingresso no mercado de trabalho, autonomia financeira ou participação importante no orçamento doméstico, viram sua posição fortalecida diante do poder masculino. Mas esta situação freqüentemente levou a uma maior agressão sexual do homem contra crianças dentro do próprio lar, como é muito sabido. Ou a fugas para relacionamentos com profissionais do sexo, bem como relacionamentos homossexuais estáveis que os homens ocultam de suas companheiras. Quem conhece a noite no centro de Curitiba vê carros valiosos apanhando pessoas perto, por exemplo, da Rua Riachuelo para esses programas e relacionamentos secretos. Não estou procurando fazer juízos de valor, mas parece-me que todas essas supostas soluções para uma profunda insatisfação no relacionamento são precárias e envolvem sempre sofrimento de outros. Para mim, uma grande fonte de sofrimento vem de uma relação que deveria ser uma conjugação de votos para a construção de uma paisagem de responsabilidade diante do outro, e de toda a família, o que pode vir quando se treina a compaixão e o amor, qualidades que podem ser conquistadas com sabedoria, esforço constante, compreensão da experiência cíclica, paciência e outras qualidades que custam um pouco para ser conquistadas, mas retribuem com o alívio de situações difíceis ou absurdas.
A psicóloga Selam lamas Chiandotti me corrigiu em parte o que disse acima afirmando que “A criança sempre foi agredida dentro do lar, só que hoje esse fato tem maior visibilidade. Esse amor narcísico que devotamos à criança é muito recente na nossa história, de fato só no fim da década de 1950 surgem as primeiras  "recomendações" para que não se espancasse crianças, tratava-se do "Código dos Pais", na Suécia. Veja, não é uma lei. Além disso, surge no pós-guerra, momento em que a Europa estava se reerguendo e que precisava-se contar com as crianças como força de trabalho... ou seja, os motivos econômicos subjazem na intenção do cuidado com a criança...
Quanto à relação homem/mulher, não podemos esquecer que o amor romântico - também muito recente na nossa história - trouxe uma responsabilidade para o casal impossível de ser cumprida por qualquer um dos dois: fazer o outro feliz. Enquanto o casamento era um negócio, arranjava-se o "amor" por fora mesmo e isso só deixou de ser "normal" com o advento do amor romântico.
Penso é que a busca da felicidade deve ser um empreendimento pessoal de realização, e que os votos de amor devem traduzir um compromisso para fazer o bem aos outro, como é dito desde Platão. Mas é claro que Selma tem razão para o amor romântico hoje desacreditado. Acho também que ele sempre decepcionou as pessoas, embora mantenha que o amor deva ser buscado e exercitado para nosso bem e dos outros. Mas também penso que há situações que a separação é inevitável quando não sabemos como impedi-la de forma alguma.

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