sábado, 26 de fevereiro de 2011

O dia em que mataram J.F.Kennedy


O dia em que mataram J.F.Kennedy

Era uma sexta feira ao por do sol. Estávamos reunidos para o culto que dava início ao sábado, lembro que cantávamos e papai, que era músico, tentava harmonizar nossas vozes. Eu cantei sempre muito mal e sentia dificuldade, o resto da família, na época, mamãe, Alex, Felippe, Ivone e Tintim no berço, não se saia melhor. papai era sério, um pouco severo. Frei Giuseppe, um dos frades jesuítas holandeses naquela Cáceres pequena de 1963, com sua batina imaculadamente branca, o cabelo bem curto, o óculos de ouro, bateu leve na porta da entrada e cochichou com papai algo. Vi algo no rosto de papai que ele quis esconder e eu não tinha noção do que era, ou a que sentimentos correspondia, mas voltamos ao culto e eu com a voz alterada cantei com esforço o hino, na melhor interpretação de minha vida. Depois papai se fardou para passar a noite em prontidão no Segundo Batalhão de Fronteira em que servia. Soube depois que o presidente dos estados Unidos havia sido baleado. Evidentemente, passei naquele momento por uma identificação com meu pai, muda, por cima das palavras e das coisas, feita como por uma telepatia sentimental. De alguma forma fui destinado para sempre por momentos como esse. Em vários momentos, como filho mais velho, tive esses insights de identificação silenciosa. Lembro de nossa primeira casa em Campinas, vindos do Rio onde nasci, essa é minha primeira lembrança, eu tinha quatro ou cinco anos  e Felippe que estava engatinhando, ficou com a mãozinha presa no batente da porta. Ele gritou mas eu não voltei a abrir a porta, porque papai havia pedido para fechá-la. Papai abriu num pulo a porta e me pediu para ir com ele levar Felippe, cujos dedos eu havia esmagado, ao hospital. Foi feita uma cirurgia recompondo a mão de meu irmão e eu assisti com papai a cirurgia dentro da sala. Até hoje meu irmão tem as marcas na mão, mas ela ficou boa. Não me lembro de ter ficado zangado com papai, achei que fiz o que devia, ajudar meu irmão como papai fez, e junto com ele. Este também foi um momento de identificação. Nele pude agir como se fosse meu pai, sem sentir muito claramente nada confuso nem explícito, apenas a sensação de fazer o que devia ser feito, como em uma iluminação sobrenatural. E no entanto tão humana. Lembro da casa de fundos, na rua Teodoro Langard, no Bonfim, atrás de um armazém, perto de meus amigos de infância remota,de  André, Fulvinho lembro o rosto, os nomes, os brinquedos que tínhamos. Aprendi ali a andar de bicicleta, sozinho, escalavrando a mão esquerda no muro até sangrar. Era uma bibicleta de freio no contra pedal, bem pequena. Como papai era militar eu tinha muitas armas de brinquedo, algumas bem realistas. Com elas matei imagináriamente muita gente, mas nunca papai. Em toda a minha vida, apesar da distância que se foi interpondo no início da adolescência em diante, jamais critiquei ou respondi mal a papai. Ele sempre esteve ao meu alcance, mas apenas em meus remotos primeiros anos como um ícone.

                                                                                            Igor

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