quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Darth Vader


Darth Vader


Eu tinha uns oito anos e nadava com a família no rio Paraguai em Cáceres, vi meu pai próximo, em pé no meio da água, conversando com alguém.Fui em sua direção e me faltou o pé. Comecei a me afogar e papai com tranqüilidade, mas também sem uma palavra, me ergueu com um braço. Ele era alto, foi uma bobagem ir ao seu encontro. Esse episódio ficou para mim como demonstração da força dele e dos meus limites, mas também de sua quase indiferença pelo que nos acontecia. Nunca conversei com ele sobre a escola, ou sobre meus problemas pessoais, ou sobre suas brigas com mamãe, a rivalidade entre Alex e Felippe, ou qualquer outro problema que me concernisse mais intimamente. Não me lembro dele nos levando ao médico, ou tentando viver melhor com mamãe, que era bastante bonita e cortejada. Ao mesmo tempo, ele era muito puritano, o que cortava metade dos meus assuntos sobre meninas, amizade, escola, professores, livros. Eu o admirava e procurava entender o seu mundo, mas a recíproca nunca foi verdadeira. Sempre impediu que eu ouvisse rock, até o dia em que na escola ouvimos Califórnia Dreamin’ numa aula de inglês e comprei um compacto duplo que pus na vitrola da sala, bem alto. Foi um desafio que ele não respondeu. Eu o acompanhava ao quartel, ajudava no consultório, já quando mais velho, fiz próteses com ele na sua bancada de protético, adorava sair aos domingos em campinas de carro, ir por exemplo até Souzas nadar no rio Atibaia, no Clube Regatas. Ele atendia mamãe e a família, mas quase sem intimidade. Eu tinha muita câimbra nas pernas enquanto crescia, tinha também muita dor de garganta e cólica, mas eu me medicava sozinho com Pyramidon e Elixir Paregórico, que deixava ao lado do filtro. Com meu outros irmãos acho que não foi diferente. Embora eu nunca soubesse por que, batia com violência em mim e no Alex com um chicote pendurado na copa, que ele chamava de Nescau. Perguntava: Vocês estão querendo Nescau? E nos batia. Até que já adolescentes eu e Alex enterramos o chicote no quintal. Não foi tão violento com meus outros irmãos, porque ficou mais calmo com o tempo e tinha já filhos grandes, mas não deu assistência a nenhum deles ou a mamãe. Minhas irmãs casaram-se cedo demais, eu também, Alex se casou quando estava em um período depressivo severo, e acabou morrendo por excesso de comprimidos quando tentava aliviar sua angústia. Deixou um filho chamado Igor Alexander, o que me emociona até hoje. Mamãe não sabia o que fazer, mas era carinhosa, punha salmoura nas nossas pernas, amparava-me quando eu estava desolado, com a pressão baixa, passando vários dias na cama. Papai detestava psicólogos e psicanalistas, acreditava, como homem que havia se feito sozinho, que cada um podia saber quais são e resolver os seus incômodos. A mim veio sempre dizendo que eu era vagotônico, e me recomendava café e chá, e meio copo de vinho na refeição. Ele era o chefe da tribo e o pajé. Até hoje tenho uma contração forte nos músculos que para mim se deriva dos cascudos que me ministrava sem nunca perceber o motivo. Embora quisesse que eu fosse engenheiro como o seu pai, acabou desistindo de mim como um jovem rebelde e esquerdista, o que eu não era ou não sabia que era, sei lá. Em sua autonomia, viveu só, embora mais tarde, depois da separação de mamãe, eu percebesse o quanto gostava de mulheres. descobri certa vez uma pilha de revistas de mulheres em seu guarda-roupa, o que me decepcionou. Na Igreja que nos acolheu a todos na minha adolescência, papai estudou sua doutrina e rompeu com grandes amigos, o que me revoltou. Eu tinha namoradinhas ali e bons companheiros, vivi fora do que chamavam o “mundo” na escola sabatina e na liga da mocidade. Quando fui fazer filosofia em São Paulo era este o meu ponto de partida. Fui o único calouro com a cabeça raspada na minha turma, o que ilustra minha doce inocência. Mais tarde, em crise em Campinas, fechei-me por muitos meses em meu quarto, com crise de pânico. Amigos me visitavam, edméia que era então minha namoradinha também. Felizmente papai tinha um cliente, o dr. Sully Urbach, embora judeu, muito católico, que soube por papai de minhas dificuldades e me recebeu gratuitamente em seu consultórico de psicoterapia no Hospital Bierrenbach de Castro. Mais tarde Alex seria ali internado por papai, que descobriu parece um bom lugar para por os filhos. Casei-me cedo porque minhas relações com Edméia supostamente corrompiam e davam mau exemplo aos meus irmãos. Eu não tinha estrutura nenhuma para casar-me, mas aceitei o desafio porque papai prometeu me ajudar no início, o que não fez porque sempre ligou muito para dinheiro e lhe parecia que eu ia me acomodar. Todos os dias perguntava se eu estava procurando emprego. Isso só terminou quando comecei a trabalhar com o professor Tiago Maximiliano Bevilácqua na Unicamp em uma pesquisa sobre setor externo da economia brasileira. Fiz de Tiago um outro pai e me dei precariamente um recomeço. Dei ao meu segundo filho o nome do Tiago, Jurei ser como pai o contrário do que meu pai tinha sido conosco. Mas continuei admirando meu pai como um ser bifronte, cuja imagem é a do homem que conhece a força e se entrega ao seu lado mau. Ele foi meu Darth Vader.

                                                                                                                    Igor

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