quando vim, há quase um quarto de século, morar no Bairro
Alto comprando como tantos brasileiros um sobradinho através de um insaciável
financiamento da Caixa, encontrei vários moradores antigos, com sua rede de
amizades, ódios e opiniões mútuas. uma camada de novos e felizes proprietários como
eu superpôs-se a eles com preocupações e perspectivas muito mais incertas e
hostis, ancorados na realização do sonho da casa própria e na convicção de que
agora sim estavam indo. mas meus filhos e inesperadas amizades me deslocaram
para um relacionamento às vezes muito mais pessoal com aqueles moradores, mais
idosos e mais acolhedores, incrustrados
na vida da cidade de forma quase pré-mercantil, com uma religiosidade e uma
visão de mundo singulares para um campineiro estudado, também pobre, e mais desenraizado,
bastante perdido na minha nova condição humana. esses moradores ainda vivem aqui,
na vizinhança, muitos com idade incerta e indefinível, desconhecida para eles, para
os cartórios e sua descendência. sempre se discute, na Epaminondas Santos, a
idade de Dona Maria, que passa com uma bengala andando para cá e para lá como
sempre fez, quase sem palavras mas me cumprimentando gentil como a uma dessas
coisas que acontecem no mundo e surpreendem mesmo na sua idade. o Bairro Alto
deriva de uma formação da Mata Atlântica e aqui e ali se encontram araucárias
ou pássaros que não conhecia de minha infância passarinheira. esses moradores pertencem
a uma camada etnológica próxima a esses pássaros e araucárias e às contendas
ligadas a sua conquista e quase extinção. perguntei-me sempre se não haviam
encontrado uma vida quase eterna, dona de uma sociabilidade arcaica que subjaz
nas camadas de nossa vida nacional, que não se integram e se combinam
desigualmente, mas esta sociabilidade já se encontra ali violada pelo mercado e pelo mando e corroída pela velocidade que nos empurra sem desígnio.
Igor
Zanoni
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