sábado, 22 de novembro de 2014

Tristes Trópicos



quando vim, há quase um quarto de século, morar no Bairro Alto comprando como tantos brasileiros um sobradinho através de um insaciável financiamento da Caixa, encontrei vários moradores antigos, com sua rede de amizades, ódios e opiniões mútuas. uma camada de novos e felizes proprietários como eu superpôs-se a eles com preocupações e perspectivas muito mais incertas e hostis, ancorados na realização do sonho da casa própria e na convicção de que agora sim estavam indo. mas meus filhos e inesperadas amizades me deslocaram para um relacionamento às vezes muito mais pessoal com aqueles moradores, mais idosos e  mais acolhedores, incrustrados na vida da cidade de forma quase pré-mercantil, com uma religiosidade e uma visão de mundo singulares para um campineiro estudado, também pobre, e mais desenraizado, bastante perdido na minha nova condição humana. esses moradores ainda vivem aqui, na vizinhança, muitos com idade incerta e indefinível, desconhecida para eles, para os cartórios e sua descendência. sempre se discute, na Epaminondas Santos, a idade de Dona Maria, que passa com uma bengala andando para cá e para lá como sempre fez, quase sem palavras mas me cumprimentando gentil como a uma dessas coisas que acontecem no mundo e surpreendem mesmo na sua idade. o Bairro Alto deriva de uma formação da Mata Atlântica e aqui e ali se encontram araucárias ou pássaros que não conhecia de minha infância passarinheira. esses moradores pertencem a uma camada etnológica próxima a esses pássaros e araucárias e às contendas ligadas a sua conquista e quase extinção. perguntei-me sempre se não haviam encontrado uma vida quase eterna, dona de uma sociabilidade arcaica que subjaz nas camadas de nossa vida nacional, que não se integram e se combinam desigualmente, mas esta sociabilidade já se encontra ali violada pelo mercado e pelo mando e corroída pela velocidade que nos empurra sem desígnio.

                                                               Igor Zanoni


   

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