quinta-feira, 7 de abril de 2016

Carteiros, professores, bombeiros


quando chove o carteiro que passa em minha rua se protege como pode em algum oco da rua, para tentar entregar mais tarde minhas contas do mês e o lixo que me enviam de propagandas de imobiliárias e ofertas de crédito consignado. pouco do que recebo é interessante, mas o carteiro cumpre sua obrigação de me entregar essa correspondência, com o mesmo sentido cívico talvez de um bombeiro que hoje é menos um antigo soldado do fogo expondo sua vida que um paramédico cuidando de emergências no trânsito. o carteiro e o bombeiro têm muito também de um professor de ensino fundamental, ganhando pouco e ensinando aos pequenos suas primeiras noções deste mundo que não conseguimos mais mudar, ainda que seja dever dos velhos pedagogos, auto imposto, mudar o mundo. meu pai era bombeiro quando eu nasci  e eu me tornei professor com afeto semelhante aos dos meus professores antiquados por meus estudantes, sempre com a mesma idade embora o tempo passe para mim. claro que hoje as crianças são letradas antes de entrar no ensino fundamental e aprendem coisas como rudimentos de educação financeira bem cedo, ao lado de informática, inglês e outras matérias que os pais julgam indispensáveis para o futuro ainda distante dos seus preocupantes pequenos. meu carteiro cumpre seu modesto dever diário, enfrentando os cães escondidos nos portões, tentando entregar cartas em casas que parecem vazias, enfrentando os cortes de verba pública que comem seus planos de aposentadoria ou apenas se cobrindo bem quando o sol é forte. de todos esses modestos funcionários públicos o bombeiro talvez seja o mais urgente porque os acidentes de trânsito não param de crescer, mas todos vamos, neste Estado que se encolhe e neste mundo que se transforma, fazendo nosso dever. poucos parecem no País ter um sentimento de dever, ter uma missão é coisa velha. mas bem ou mal nós temos, e eu ainda adoro ver uma prova bem escrita, um estudante cuja vida e cujos problemas posso partilhar com carinho. a professora antes era alegadamente uma segunda mãe, eu sou e sempre fui meio paizão. mesmo que nos tornemos dispensáveis pelo andar da carruagem, cumpriremos, professores, bombeiros e carteiros nosso dever com alguma piedade, nenhum carteiro será atração do noticiário triste que nos assedia, ele será sempre uma parte da humanidade que vai se salvar. eu espero que meus estudantes também se salvem.


                                                                       Igor Zanoni



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