quando chove o carteiro que passa em minha rua se
protege como pode em algum oco da rua, para tentar entregar mais tarde minhas
contas do mês e o lixo que me enviam de propagandas de imobiliárias e ofertas
de crédito consignado. pouco do que recebo é interessante, mas o carteiro
cumpre sua obrigação de me entregar essa correspondência, com o mesmo sentido
cívico talvez de um bombeiro que hoje é menos um antigo soldado do fogo expondo
sua vida que um paramédico cuidando de emergências no trânsito. o carteiro e o
bombeiro têm muito também de um professor de ensino fundamental, ganhando pouco
e ensinando aos pequenos suas primeiras noções deste mundo que não conseguimos
mais mudar, ainda que seja dever dos velhos pedagogos, auto imposto, mudar o
mundo. meu pai era bombeiro quando eu nasci e eu me tornei professor com afeto semelhante
aos dos meus professores antiquados por meus estudantes, sempre com a mesma
idade embora o tempo passe para mim. claro que hoje as crianças são letradas
antes de entrar no ensino fundamental e aprendem coisas como rudimentos de educação
financeira bem cedo, ao lado de informática, inglês e outras matérias que os
pais julgam indispensáveis para o futuro ainda distante dos seus preocupantes
pequenos. meu carteiro cumpre seu modesto dever diário, enfrentando os cães escondidos
nos portões, tentando entregar cartas em casas que parecem vazias, enfrentando
os cortes de verba pública que comem seus planos de aposentadoria ou apenas se
cobrindo bem quando o sol é forte. de todos esses modestos funcionários
públicos o bombeiro talvez seja o mais urgente porque os acidentes de trânsito não
param de crescer, mas todos vamos, neste Estado que se encolhe e neste mundo
que se transforma, fazendo nosso dever. poucos parecem no País ter um sentimento
de dever, ter uma missão é coisa velha. mas bem ou mal nós temos, e eu ainda
adoro ver uma prova bem escrita, um estudante cuja vida e cujos problemas posso
partilhar com carinho. a professora antes era alegadamente uma segunda mãe, eu
sou e sempre fui meio paizão. mesmo que nos tornemos dispensáveis pelo andar da
carruagem, cumpriremos, professores, bombeiros e carteiros nosso dever com alguma
piedade, nenhum carteiro será atração do noticiário triste que nos assedia, ele
será sempre uma parte da humanidade que vai se salvar. eu espero que meus
estudantes também se salvem.
Igor Zanoni
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