a garçonete da cafeteria estava sentada em uma mesinha
no canto lendo uma grande Bíblia com páginas de papel de seda, e enquanto pedia
um duplo de café expresso comentei que hoje vejo muitas pessoas trabalhando no
comércio ou como cobradores de ônibus lendo o mesmo livro. ela disse que
gostava muito de ler mas, mais do que isso, de estudar o livro dos livros, e
que frequentava a Visão Missionária.
pensei de pronto no pouco que conheço das discussões que a história e a
exegese bíblica suscitaram ao longo dos milênios, na mitologia, na crítica das
formas, nas polemicas envolvendo o quarto evangelho, na teologia liberal, na
sociologia das religiões, na nova ortodoxia, na teologia da libertação, nos
inúmeros vultos que se dedicaram ao livro, dos rabinos aos neoplatônicos, daí
aos padres do deserto, aos escolásticos e a Kierkegaard, Bultman, Tillich,
Chardin, Thomas Merton e Karl Barth. sem menosprezar nem valorizar a leitura da
moça, indaguei-me a que estudos ela se dedicava, desejei-lhe uma boa estrela.
depois perdi-me um pouco neste livro multiforme, incessante, infindo, o único
capaz de fazer sentido a minha garçonete sem que eu possa saber muito bem o
motivo, esse livro estranho e solene, tão velho, pausado, com deuses e tantos
demônios, reis, profetas, Messias, pecadores, entre a luz e a treva, comprimido
entre o gênese e o apocalipse, a tormenta da queda e as dores de parto da redenção.
Igor Zanoni
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