terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Os beijos de Lênin

Dono de um melancólico sarcasmo, Yan Lianke (1958- ) em “Os beijos de Lênin” (Rios de Janeiro: Record, 2018, 1 edição), conta a história de uma China que passa não apenas pelas vicissitudes conhecidas, como as desastradas comunas populares, o Grande Salto Adiante e a Revolução Cultural, mas também faz uma paródia envolvendo uma pequena aldeia rural cujos habitantes são em sua maioria deficientes físicos. Eles usam essas deficiências para criar o que chamam habilidades especiais, , como a da cega que pode ouvir o menor ruido, como o de um cabelo caindo no chão, ou do surdo que estoura fogos de artifício junto ao ouvido. Essas habilidades são o núcleo de uma trupe que viaja se apresentando e ganhando com isso uma prosperidade que de outro modo não alcançariam. Mas o que o chefe da comunidade deseja é reunir dinheiro para adquirir na Rússia o corpo preservado de Lênin e colocá-lo em um mausoléu que constrói na aldeia. Como se poderia esperar, as coisas andam mal. Os que não tem deficiências roubam dinheiro dos deficientes enriquecidos e o corpo de Lênin não está à venda. Procura-se comprar para substitui-lo recordações de Marx e Engels e de todos os grandes líderes comunistas do século XX, mas também isso é uma utopia irrealizada. O objetivo, é claro, é fazer com que a aldeia se torne famosa e enriqueça, mas seus muitos conflitos a tornam um lugar propício para o fracasso. Afinal todo esse passado comunitário é abandonado na aldeia, e se sonha com um novo meio de vida. Uma moça que vive na aldeia, notável por sua beleza, engravida e tem uma filha, e embora a criança seja minúscula tem a virtude de pertencer ao futuro, não à dura vida dos velhos moradores da aldeia. Esta é uma ironia para um socialismo que deseja enriquecimento, mas cria ao esmo tempo pessoas incompletas com desejos que não se realizam, como uma vida marcada pela paz e por relações de boa convivência. O livro foi ganhador do Prêmio Lao She em 2004 e do Prêmio Franz Kafka, mas seu autor  terminou sendo expulso do Exército Popular de Libertação.

 

                                                         Igor Zanoni

 

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