sábado, 21 de março de 2015

Sociologia



na escada da frente do antigo prédio do básico em Ciências Humanas da Unicamp, em meados dos setenta, Carlos se irritava: “aqui há sociólogos que são sociólogos as 24 horas do dia e se esquecem de viver. mas o povo quando faz a revolução faz mesmo com seus preconceitos”. e Oswaldo apoiava: “o povo sabe onde o calo aperta”. doce tempo em que alguém podia ser tão jovem admirador de Rosa Luxemburgo!


                                                               Igor Zanoni
                                                             

sexta-feira, 20 de março de 2015

Antiga Corte



No Bairro Alto, próximo ao terminal de ônibus, há um conjunto de pequenos sobrados uniformes nos quais, na parte de baixo, funciona um pequeníssimo negócio e na parte de cima mora seu dono, que aluga o conjunto com possibilidade de adquiri-lo. Há vários destes, não muitos, em Curitiba, inventados salvo engano pelo político anacronicamente criativo Rafael Greca, que também difundiu novas mal cuidadas artes, criando privilégios diversos, mas destacando alguns bons artistas, como foi o caso de Poty,  já célebre mas que então se tornou um muralista semioficial. No centrinho comercial de minha rua funciona um liceu de ofício com cursos básicos de informática, empreendedorismo, culinária e outros, não sei se muito frequentados. Ao seu lado há uma espelunca, como diriam os antigos romances, nos quais os motoristas de táxi tomam lanches e vão ao banheiro e à tardinha os sedentos de uma cerveja se dessedentam. Também há um chaveiro, uma cabeleireira, uma costureira e algumas lojas de roupa e uma quitanda tocada por dois jovens. Comércio simples que exponencia a simplicidade do comércio do bairro, mas de clientela suficiente. A loja mais curiosa é de um homem já com alguma idade que compra coisas velhas, como rádios, bonecas Barbies, carrinhos, garrafas, vitrolas, Lp’s, moedores de carne e outras miudezas maltratadas e malqueridas. Ele recebe uma pequena pensão do INSS e a loja rende muito pouco, mas lhe dá alguma coisa que fazer e alguns amigos para conversar de forma amena no pequeno jardim defronte. É o antiquário do bairro. A loja ostenta na entrada uma placa entalhada de madeira com seu título, mais do que seu nome: A Antiga Corte. doce Curitiba.  


                                                                   Igor Zanoni

quinta-feira, 19 de março de 2015

Suave é a noite



Em Suave é a Noite, as dificuldades emocionais de Nicole são o centro do livro, ao lado de sua interpretação por Dick Diver,  seu ex psiquiatra, com o qual se casa. Não admitindo perdê-la, Dick cria para ambos uma relação fortemente ambígua, a partir da sua referência anterior, tornando ambos infelizes e dependentes um do outro. Nicole consegue se decidir afinal pela separação  e casa-se com um velho conhecido dos dois. Na cena final do romance, Dick Diver cumprimenta o novo casal e Nicole confessa ao marido observando Dick se afastar: “Apesar de tudo, ele me compreendia...”. A resposta que ouve acaba com esta ilusão e com o antigo laço de modo definitivo: “Mas esta é a sua profissão”. Ou seja, esta sensação não devia ser confundida com amor, antes com uma forma de manipular o casamento por alguém que saberia, por sua formação, como fazer isto. Eu sempre achei muito boa esta resposta. Um ótimo final de romance, o melhor que li.

                                                                          Igor Zanoni


quarta-feira, 18 de março de 2015

Os sons da noite


a arte culinária de mamãe melhorou muito na Igreja Adventista. aprendeu a fazer uma cerveja caseira muito boa, com as longas hastes do lúpulo e malte. eu ajudava como sempre, colocando tampinhas nas garrafas com um instrumento que papai havia comprado. as garrafa eram colocadas em posição horizontal em uma prateleira e ali fermentavam. mas a fermentação acho que se dava meio sem controle, e muitas garrafas estouravam enchendo minha noite de novos sons. nada como uma boa mãe mestre cervejeira. mas ela aprendeu também, para as muitas festas caseiras da época, a fazer balas de coco, das que se usavam em aniversários embrulhadas em papel de seda com franjas, azul ou rosa. é difícil fazer balas de coco. é preciso dar uma certa consistência à calda de açúcar e coco ralado puxando-a de um lado a outro da cozinha, dobrando e voltando a puxar até poder ser cortada. as balas quentes eram um caramelo pastoso muito bom, depois esfriavam se tornando balas que dissolviam na língua. embora minha mãe brigasse para eu não mexer nas balas, era muito bom entrar em silêncio de noite e comê-las ainda na sua etapa de caramelo, o que infelizmente não consegui fazer tantas vezes quanto queria. mas não foi uma derrota total.


                                                                             Igor Zanoni


                                                                          

Lua de mel

vamos começar aos poucos
ficar nos conhecer melhor
ir a umas baladas
ver do que você gosta do que eu gosto
trampar & transar
quem sabe casar
quero ser dentista e tirar molares
deixando no lugar os maxilares
iremos a Caiobá e Matinhos
será eterno enquanto dure
depois faremos o que todos fazem
isso não é bom mas fazer o que?
quando eu me for mais cedo ou mais tarde
coloque-me num caixão e me enterre
lembre as crianças para levarem flores
conte histórias chore uma vez por ano
depois virão outros se já não vieram
e enfim será sua vez
todo mundo tem sua vez que pena!
vamos procurar não fazer muito feio
e se der enlaçar as mãos
em Alfa Centauro

                                                                          Igor Zanoni