sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Brechas




em algumas brechas deixadas no bairro apesar da sofreguidão das construtoras casinhas de madeira precisando de muitos consertos e mesmo de uma aparência organizada se encalacram na paisagem com uma placa pequena no portão avisando : Aluga-se casa em Piraquara


                                                                  Igor Zanoni

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Vendendo fósforos


quando as desilusões caem
muito além do que um barômetro
poderia prever
mesmo que este barômetro
seja uma alma já experimentada
nas imprevisíveis vicissitudes da vida
quando elas caem assim do nada
em um tumulto que nos obriga
a nos fechar em casa
esperando que aos poucos quem sabe
o coração desacelere
amontoam-se na soleira da porta
vedam a sala da casa
como vemos a neve fazer
em fotografias e filmes americanos
então nos preparamos para o inverno
antes disso acontecer
quem imaginaria o inverno
neste mundo tão promissor 
em nossas vidas que bem ou mal
íamos tocando?
no inverno talvez nos preparemos melhor
para um mundo mutável
e para sofrimentos que também
um belo dia cessam


                                                          Igor Zanoni

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Sobre frações e inteiros


imagine que tudo que é produzido no país ( ou no mundo ) em dado período, a renda ou produto, e que é composto por uma grande variedade de bens e serviços e uma também grande variedade de formas de remuneração, seja comparável a uma grande barra de chocolate. nós sabemos que a parte maior, e aliás crescente dessa barra, formada diretamente pelo esforço de trabalhadores de todo tipo e indiretamente pela apropriação de recursos do Estado, cabe a um número relativamente pequeno de habitantes do globo, que desejam essa riqueza por motivos próximos à paranoia. se houvesse um modo de dividir mais igualitariamente tal barra em frações que coubessem a todos independentemente de sua posição social, a barra poderia na verdade aumentar, pois haveria mais consumo e investimento assim como mais empregos. mas teríamos de observar se a produção social ainda manteria suas formas de coação e exploração sobre as pessoas comuns, se a natureza continuaria a ser destruída como acontece, especialmente nos últimos séculos, de forma exponencial, se o lixo que isto promove não envolve doenças, pesticidas, vírus de todo tipo, ruína dos povos tradicionais, material e cultural/existencial, se as guerras que assistimos no mundo e tão próximas de casa, envolvendo exércitos, indústria bélica, milícias, traficantes, pobres de muitos tipos, Estados com seus próprios desígnios tão pouco permeáveis à compreensão comum, continuariam os mesmos. poderíamos ir em frente, lembrar que o acelerado crescimento chinês, com todas as suas conquistas sociais, fez o País responsável por um terço da poluição mundial. poderíamos lembrar também as múltiplas formas de apartheid social, em especial sobre negros, mulheres, imigrantes, dentre outros segmentos populacionais. se fizéssemos uma lista maior de como a divisão de uma barra em frações iguais demonstra uma verdade aritmética que todo garoto sabe, isto é, que aritmeticamente trata-se do mesmo valor, teríamos de concluir que o problema não se resolve com números, até porque em uma barra de chocolate há muita gordura hidrogenada, açúcar, corante, entre outros “ingredientes” e nenhum ou pouquíssimo chocolate genuíno. 


                                                                       Igor Zanoni

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Guaxinim


em finais dos cinquenta eu era bem pequeno mas me chegou em Cáceres exemplares da Seleções, acho que através da Coletoria Federal, que vendia selos e também livros (também acho que) usados. na seção de livros resumidos, a melhor, li a história de um garoto que criou em casa um guaxinim, e a ideia de ter um também ficou na minha cabeça como a do porquinho-da-índia na de Manuel Bandeira. assim, aquele guaxinim foi minha primeira namorada e atormentou a mim e, por tabela, a meu pai pelos meus pedidos, impossíveis de atender, de ganhar um para morar conosco. o bichinho, foi o que ele disse, não podia ser domesticado, mas ( todos sabemos que sempre tem um mas) em frente morava um soldado, que servia com meu pai, cuja mulher possuía um quati preso com uma corrente em uma árvore seca ao lado da cozinha (em Cáceres, por causa do calor, a casa só era fechada nos quartos, e a cozinha e a copa adentravam o quintal). ela brincava com o quati e comigo, o marido nunca estava em casa, e o bicho era calmo, nunca mordia. então quis também um quati mas pouco depois mamãe contou que a moça ateara o querosene do lampião no corpo e riscara um fósforo por causa de uma traição do marido. esse tipo de notícia do mundo sempre vinha de mamãe, e as mães são ótimas por fazerem coisas assim, mas nunca mais vi ninguém daquela casa, e não soube o desfecho de tudo (com quem ficara o quati, se o marido foi preso, se ela ficou muito deformada e outras boas perguntas). em Curitiba, tanto tempo depois, no campus do Jardim Botânico onde trabalho vejo sempre esquilos e gambás, entre outros pequenos roedores, com certeza primos do meu antigo serelepe. essa historia toda se transforma em uma, com a conclusão de que as crianças tem sua própria visão do que ocorre, não muito dramatizada, aliás bastante aquisitiva, e de que as crianças são sempre o máximo, depois as pessoas todas ficam muito sem graça, poucas continuam interessantes.


                                                                               Igor Zanoni

sábado, 19 de dezembro de 2015

A fé que partilhamos com tão poucos


mesmo os que não possuem um real “sentimento de solidão” ( Melanie Klein) percebem cedo que viver só pode ser prazeroso, sensível e inteligível se estão próximos de um número pequeno de pessoas. os contatos não precisam ser longos e duradouros, mas precisam se reiterar ao menos em um almoço, um passeio, uma visita, um telefonema. nesses momentos se está aberto para dizer e ouvir o que for necessário, e a paz e o bem ( Francisco de Assis ) nascem de uma fé semelhante frente a tudo que acontece, fé como entendimento básico da existência ( Emil Brunner ). sobre isso não há controle, não se pede nem oferece, não une necessariamente as figuras de uma família, de uma igreja ou de uma ideologia política, por exemplo. une antes os que vivem em certa relação cuja gênese não se sabe terminar nem começar por explicar, mesmo que se procure algo tão desnecessário. esta relação é semelhante a uma primavera cuja luz não se extingue (Rilke).



                                                                             Igor Zanoni