segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Guaxinim


em finais dos cinquenta eu era bem pequeno mas me chegou em Cáceres exemplares da Seleções, acho que através da Coletoria Federal, que vendia selos e também livros (também acho que) usados. na seção de livros resumidos, a melhor, li a história de um garoto que criou em casa um guaxinim, e a ideia de ter um também ficou na minha cabeça como a do porquinho-da-índia na de Manuel Bandeira. assim, aquele guaxinim foi minha primeira namorada e atormentou a mim e, por tabela, a meu pai pelos meus pedidos, impossíveis de atender, de ganhar um para morar conosco. o bichinho, foi o que ele disse, não podia ser domesticado, mas ( todos sabemos que sempre tem um mas) em frente morava um soldado, que servia com meu pai, cuja mulher possuía um quati preso com uma corrente em uma árvore seca ao lado da cozinha (em Cáceres, por causa do calor, a casa só era fechada nos quartos, e a cozinha e a copa adentravam o quintal). ela brincava com o quati e comigo, o marido nunca estava em casa, e o bicho era calmo, nunca mordia. então quis também um quati mas pouco depois mamãe contou que a moça ateara o querosene do lampião no corpo e riscara um fósforo por causa de uma traição do marido. esse tipo de notícia do mundo sempre vinha de mamãe, e as mães são ótimas por fazerem coisas assim, mas nunca mais vi ninguém daquela casa, e não soube o desfecho de tudo (com quem ficara o quati, se o marido foi preso, se ela ficou muito deformada e outras boas perguntas). em Curitiba, tanto tempo depois, no campus do Jardim Botânico onde trabalho vejo sempre esquilos e gambás, entre outros pequenos roedores, com certeza primos do meu antigo serelepe. essa historia toda se transforma em uma, com a conclusão de que as crianças tem sua própria visão do que ocorre, não muito dramatizada, aliás bastante aquisitiva, e de que as crianças são sempre o máximo, depois as pessoas todas ficam muito sem graça, poucas continuam interessantes.


                                                                               Igor Zanoni

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