sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Um jovemleitor


a preocupação de meu pai com meu futuro e a cultura humanista dos sessenta bem presente nas escolas públicas que frequentei em Campinas (em nenhum momento eu estudei em algum estabelecimento particular de ensino) fizeram cedo de mim um garoto “bem alfabetizado”, como me designou bem mais tarde minha professora e amiga Liana Maria Aureliano. adolescente, li muitos romances que meus próprios filhos não chegaram a ler na mesma idade, porque foram substituídos pela Coleção Vagalume, por exemplo, dentro de uma avalanche editorial de bons e novos livros para crianças e jovens. um dos que mais estimei foi O Velho e o Mar, editado muitas vezes pela Civilização Brasileira, prova de sua popularidade e do espírito dos jovens leitores de meu ginásio. é entretanto um livro estranho para um garoto, ainda que fácil de ler e curto. não poderia ser é claro uma parábola sobre vencer na vida, uma preocupação de meu pai entre os muitos pais de meus amigos, mas não uma terrível preocupação nos tempos do milagre. compreendi melhor o livro depois de ler Moby Dick, muito mais pitoresco e aventuroso, mas igualmente metafísico e melancólico. o marlin de Santiago e a pérfida baleia branca do capitão Ahab tinham um sentido semelhante, e um terrível desígnio para os propósitos humanos. sentido e desígnio que só poderiam ser tratados pela literatura, que também pode ser absorvida por um jovem inquisitivo e um pouco à toa. depois li Camus e as perguntas eram também próximas, mas havia a solidariedade e a esperança. já na Escola Normal li A Idade da Razão, que detestei, acho que por ser um livro mal escrito e com um realismo que para minha formação puritana me pareceu sórdido. talvez Sartre tenha sido bom filósofo mas eu sempre preferi a poesia à filosofia, inclusive porque poetas podem melhor lidar com o seu próprio tempo e a sua própria idade.


                                                                       Igor Zanoni

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