quinta-feira, 31 de maio de 2012

Nelson Jacobina

Nelson Jacobina

Nelson Jacobina faleceu hoje após quinze anos de batalha contra um câncer. Tínhamos a mesma idade, e eu o conheci bem jovem, tocando com Jorge Mautner, que na época fazia um som um pouco pretensioso, recheado de Nietzsche, bem marginal. Lembrei com a notícia das vezes em que, no cinema, aparecia John Wayne na telona, ou Humprey Bogart, e minha mãe confidenciava: Ele tem câncer. Não sabia nada sobre a doença, imaginava que se estendia devagar até matar, pois os atores continuavam seus filmes. Depois perdi papai e minha mulher para o mal cujo nome muitos sequer pronunciavam. Mas vi pessoas ressurgirem da doença também, assim como vejo com horror a mídia sobre televisão e fofocas falar sempre que fulano está com câncer, depois, fulano se cura do câncer, com a mesma infantilidade como fala que uma atriz trocou de namorado ou se sente sozinha.

                                               Igor Zanoni

terça-feira, 29 de maio de 2012

Médicos

Médicos

1
os médicos gostam da gente
por seu próprio ângulo
mês passado tirei uma lesão do braço
e quando mostrei ao doutor Giorgio
ele me elogiou a seu modo:
Mas que boa cicatrização você tem!

2
mas quando fiz uma cirurgia que infeccionou
a médica que me operou ficou possessa:
Eu operei tão bem! Você não fez direito
os curativos?
claro que eu tinha feito, não sei o que aconteceu
não foi culpa minha
acho que de ninguém
que diabo!

                                                             Igor Zanoni

Felippe


se tiver sorte muitos poderão te chamar
de pastor doutor ou professor
mas poucos poderão te chamar de irmão
se tiver sorte com as mulheres
poderá casar-se até com cinco
mas uma ou duas serão os seus amores
 se for abençoado poderá ter muitos vizinhos
mas poucos serão mesmo os seus amigos
se for mais abençoado ainda
as crianças andarão á sua volta cantando
mas quantas delas serão seus filhos?

                                                  Igor zanoni

domingo, 27 de maio de 2012

Outras histórias apócrifas

Outras histórias apócrifas

1
jamais seria um varão de Plutarco
por não ter em  minha vida
muitos fatos memoráveis

2
segundo Plutarco devemos a publicação
dos livros da Metafísica de Aristóteles
a uma desavença íntima entre o filósofo
e Alexandre, que os considerava
uma troca íntima de segredos

3
meus livros do ginásio pintavam Genghis-Khan
como um bruto sanguinário
mas no cinema aprendi que ele era
um belo homem carinhoso
que uniu os mongóis e criou os filhos
que sua mulher teve quando prisioneira

4
Genghis Khan considerava o mongol
a mais bela língua do mundo
sonhando que um dia todo mundo
falaria mongol

                                                       Igor Zanoni

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Esforço


os mestres dizem
a vida é sofrimento
ou a vida é difícil
e seus problemas são reais
mas temos um dom para sofrer
todo particular
há quem seja virtuose no sofrimento
é um vinco em sua mente
em seus movimentos
em sua fala
temos sempre de sair de onde estamos
para vencer esse vinco
ter cuidado com a fala com os gestos
ser um artífice de uma outra vida
isto é para pessoas delicadas
e raras
mas seu esforço toca tudo em volta

                                                  Igor Zanoni

Salários


1
o salário não dá para a comida
então a empresa paga
um tanto para ajudar no rancho
mas como esse dinheiro é para a casa
a empresa paga um vale refeição
para o dia a dia
mas como o mercado aceita esse vale
e tudo entra na receita da família
fica-se sem comer durante o dia
exceto por uma parada para tomar
um lanche trazido na sacola

2
quando o movimento é menor
e bate a larica
o motorista e o cobrador do ônibus Higienópolis
ao passarem pelo ponto perto
do colégio Madalena Sofia
dão uma parada rápida para comprar pão
que é barato
e comer com uma garrafa de café com leite
no terminal sem nenhuma acomodação
para um pequeno momento de intimidade  

                                                            Igor Zanoni

terça-feira, 22 de maio de 2012

Trem


o barulho da chuva
nas folhas de lata
é o trem passando
como a turma da manutenção
anda trabalhando mal!
saudades dos lugares que não vi
das pessoas que não conheci
devemos prestar atenção
nas palavras quando e agora
elas são o sumo da vida
que verte do céu
nas folhas de lata

                                                         Igor Zanoni

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Rio 40 Graus


Nasci em 1952, na zona norte do Rio de Janeiro, em frente ao morro da Mangueira. Tenho a idade e a origem geográfica de Rio 40 Graus, o filme inaugural do Cinema Novo. Inexplicavelmente, só pude assisti-lo neste final de semana. Impressionou-me descobrir a cidade na época em que nasci: o morro ainda sendo ocupado, de precárias habitações, ruas de terra, o mesmo tempo do ócio das crianças e de muitos adultos, ou das mulheres  cuidando da família, do dinheiro curto, da preocupação com que as moças se casassem ao invés de cair em outras veredas da vida. O Maracanã que conheci ainda criança vendo jogos do Fluminense ou do Santos, no cimento original, sem as pastilhas azuis com que o vi. E a negritude do Rio, a maioria dos atores negros ou mulatos.  Nesta Curitiba com ares de Europa, esquece-se o que é viver em um país predominantemente negro. Mas vi também a bondade e quase ingenuidade com que as pessoas pobres se tratavam, sua urbanidade, mesmo quando davam para ganhar a vida um jeitinho mais que suspeito. Tudo às claras, um país onde havia mais luz que hoje. E o orgulho com que um personagem responde à pergunta sobre se é trabalhador:- De salário mínimo e tudo! Não entendo porque o filme foi proibido pela censura na época. È um elogio ao Brasil, visto retrospectivamente, um Brasil hoje perdido entre o rolo compressor da autoridade de um governo que pouco muda com as eleições desde o final dos anos oitenta, um país menos original, mais estandardizado nas baboseiras do consumo e da moda incessantemente criadas pela mídia e pela própria estrutura industrial e econômica. Viva o Rio e viva seu calor, uma terra sem a brutalidade das drogas, do Bope, da polícia pacificadora, do governador violento. Viva o glorioso ano de 1952 e dos que não o esqueceram! Se o fizeram, revejam Nélson Pereira dos Santos!  


                                                          Igor Zanoni

domingo, 20 de maio de 2012

Claus

Claus

Conheci o Claus quando vim para Curitiba, em 1981. Eu viera para trabalhar num diagnóstico da economia e sociedade do Paraná, no Ipardes, e Claus era funcionário público, acho que da Secretaria da Agricultura, escolhido pelo governador José Richa como secretário da pasta no ano seguinte. Homem de convicções fortes, da mais ortodoxa esquerda, filho de alemães, irônico, às vezes ríspido e sem conversa. Depois trabalhamos juntos no mesmo Ipardes, e mais tarde nos encontramos na UFPR como professores da casa. Mas o que eu quero dizer é que há cerca de vinte anos, eu estava na cantina tomando um café e o Claus de passagem comentou que estivera doente, com artrite, e perguntou minha idade. Quarenta, eu disse. Quarenta! Ah os meus quarenta anos! Queria ter quarenta anos agora! Uma década depois a história se repetiu. Passou uma moça, professora também, e ele, muito machista, comentou: Como essa moça era bonita! Mas agora, está gorda! Mas anos atrás eu disse para ela como ela era bonita e atraente! Naquela época eu era mais forte também, gostava de uma bela mulher, como essa! E perguntou: Quantos anos você tem? Eu respondi: Cinquenta. E ele: Ah os meus cinquenta anos! Queria ter cinquenta anos! Mas como o tempo não para, Claus agora está se aposentando compulsoriamente, por fazer setenta anos daqui a pouco tempo. Ele me perguntou no café: E você, não vai se aposentar? Quantos anos você tem? Eu disse: Cinquenta e nove, mas estou bem e não quero me aposentar tão já. Ele novamente fez o comentário: Ah meus cinquenta e nove anos! Queria ter cinquenta e nove anos! Como eu era forte! Queria ter cinquenta e nove anos agora! Ele sempre me tratou com simpatia e distância ao mesmo tempo, mas com esses comentários dispersos ao longo de tantos anos, mostrou quanto amou a vida e quanto lhe custa a sua passagem!

                                                    Igor Zanoni

sábado, 19 de maio de 2012

Carinhoso


por que você é infeliz comigo?
não precisa
seja apenas feliz
eu estar aqui é incidental
seja feliz por si
pare de chorar
essas lagrimazinhas miúdas
tão tristonhas

                                            Igor Zanoni

Noturno

Noturno

sonhando disse um poema
lírico e pungente
como é ao fim a alma de todos
inquietei-me
ali estava afinal o que
nos meus dias turvos e apressados
faltava-me celebrar
do mundo que fazemos
trágico e estranho
toda a alegria todo amor
tudo que transformei
no amor que dei a você
e a outras também
quando acordei tinha um poema
costurado no meu verso
na minha face noturna
esquecido porém presente

                                                               Igor Zanoni

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Cidade


                        
1
mesmo numa sociedade
bem organizada
em uma cidade onde todos
estendem sua mão para o outro
há quem não deseje morar ali
e prefira morar nos porões
e nos desvãos
prefira não esperar nada
e falar a língua rara dos desajustados
é incrível como são felizes às vezes
assim como nós ou até mais

2
eu não devia ter te incomodado
não devia ter confessado
coisas que a custo se dizem
palavras que são pérolas caras
pelas quais se muda de vida
eu devia ter ficado quieto
na minha
mas não é que não pude?

                                           Igor Zanoni

terça-feira, 15 de maio de 2012

Livros de meu pai


Meu pai tinha alguns livros, não uma biblioteca. Os mais antigos eram um “Inglês sem Mestre”, algumas edições da Bíblia e livros da Ellen White, como “Nutrição e Vigor” e “O Conflito dos Séculos”. Eram livros do início de sua maturidade, ou antes. Estudou bastante esses livros, era um autodidata em teologia, suficiente para confundir os pastores da Igreja
que frequentávamos e acabamos deixando. Depois andou comprando livros da Shirley MacLaine e de Carlos Castañeda, e as obras completas de Massaharu Taniguchi. Comprou também um volumoso “Treinamento Autógeno”, de Schulz, que leu e praticou até conquistar um domínio admirável sobre seu corpo. Esses livros me interessaram, alguns li, mas depois deixei todos, como ele também. Mas sempre me pareceu que ele tinha poucos livros de música, pois era formado em Teoria e solfejo pela Escola Nacional do Rio. Lembro de uma coleção sobre óperas, muito boa, que li e gostei, passando a compreender um pouquinho do assunto. Eu gostava de música e estudei um pouco piano, então esses livros me souberam bem. Mas papai também era cirurgião-dentista, e no seu consultório, como todos os dentistas e médicos fazem, havia alguns livros em exibição, talvez para os clientes se impressionarem, talvez porque não tenham espaço em casa. Entre estes havia muitos em espanhol, dos tempos de faculdades. lembro de um bem grosso chamado “Paradencio”. Continha muitas figuras, especialmente de lesões, cânceres bucais, má formação dos maxilares, todos os horrores para os quais um dentista devia estar preparado. Era o meu favorito e eu passava horas folheando-o. Papai também era bom dentista, e foi quem diagnosticou o câncer o câncer na boca de seu Benjamin, nosso vizinho no Castelo cuja família era próxima a nós. Não sei o fim desses livros depois que ele faleceu. Gostaria de ter guardado o precioso “Paradêncio”.

                                                              Igor Zanoni


domingo, 13 de maio de 2012

Órfão


todas as mães
mulheres fortes na minha vida
minha avó
minha mãe
Edméia
vó Carolina
se foram
neste dia das mães me recordo
da minha orfandade
dos meus muitos vazios
em relações fortes
nós que uma espada cortou

                                          Igor Zanoni

sábado, 12 de maio de 2012

Sereno


essa pessoa complexa e difícil
com muitos interesses
tenta desenhar o mais fiel
mapa do império
por imenso e redundante
que ele resulte
caminha sem excesso
mas sem serenidade também
quem o conhece não imagina
seu obscuro desejo
seu jejum
sua tendência ao ridículo
quando tenta falar deles
mas que irrompe na calma do dia
como um raio no céu sereno


                                               Igor Zanoni  

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Escafandro


Escafandro

vivemos em um escafandro
ou não suportaríamos a irrealidade
de todos os dias
precisamos de nossa própria vida
de nossa própria irrealidade
íntima que mesmo não serena
cabe nos limites do que podemos
entender e suportar
há os que ousados conseguem
sair da armadura que os salva
morrem incompreendidos
como doidos ou sonhadores
talvez não tenhamos mesmo a escolha
de viver ou de morrer


                                                     Igor Zanoni

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Casamento


casamento não é para preguiçosos
uma forma de viver a vida de todos os dias
cuidando da gripe do filho
e planejando compras para o dia da mães
ele requer um pouco de imaginação
para renovar o amor que um dia
no peito se encerrou
requer inteligência mesmo ou ainda mais
se seu parceiro não tem muita
separe um dia para passear
para ouvir música ou beber um vinho
o carinho não pode ser esquecido
há tantas coisas esquecidas no baú
Hanna Arendt teve muitos namorados
inteligentes e cultos
mas foi feliz com um homem simples
porém bondoso
seja também simples e bondosa
não peça mais que bondade e simplicidade
não se perca em uma relação
mais aparente e formal que verdadeira
não deixe que a vida passe
que a tesão passe mesmo que pouca
ou deixe esse homem de uma vez

                                                            Igor Zanoni

Sibéria


há Sibérias em nós
por que atentamos contra o Czar
com suas botas quadradas sem salto
suas dragonas
sua estúpida lassidão e crueldade ?
porque precisamos disso
no mínimo para nos sentirmos vivos
já que não basta apenas viver
é preciso transgredir
  por motivos políticos filosóficos
mas também pela loucura
que tudo isso vai produzindo em nós
esse frio essa vodka essa peliça desgastada
e essa parte da loucura
que nada preciso  contém
são ilhas que derivam
 pela correnteza do Nievá

                                                               Igor Zanoni

Propriedade


cada um é seu de um modo
que não sabe
sente-se inquieto ou triste
ou muito bem
mas não compreende
senão na superfície o motivo
há profundidades
ou tudo é superfície
e pode portanto ser tocado
há o que perguntar
há o que deixar ou conquistar?
no fundo do mar há peixes
quem respira água salgada?
quase afogados seguimos
vida afora

                                         Igor Zanoni

sábado, 5 de maio de 2012

Amar


há pessoas que deveríamos
amar com mais intensidade e cuidado
mas não podemos
não entendemos por quê
estamos preocupados com outras coisas
com a alucinação da passagem da vida
não nos propomos objetivos claros
nem o amor pode ser um objetivo
pior é quando as cobre a pátina da morte
nossa culpa nossa dívida
nosso impossível recomeço
impossível outra tentativa
tudo quebra nossa vida
viver aos pedaços é o que podemos

                                                                 Igor Zanoni

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Bom latim


Bom latim

a culturinha dos economistas
não os impede de,
quando escrevem sobre a formação
das regiões do país
citar em bom latim
a hevea brasiliensis
a  illex paraguaiensis
e a araucária angustifólia

                                           Igor Zanoni

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Anoitecer

         

Anoitecer

o anoitecer no outono
aumenta a sensação de irrealidade
que esta cidade tem
pela janela do meu escritório
ontem vi sobre os galhos do arvoredo
raios do sol em tons de vermelho e amarelo
árvores acesas como no natal
os pinheirinhos
durou a cena dois minutos
logo se aquietou a paisagem fora de lugar
pois não é Natal
ninguém aqui comemora nada
faz frio e as araucárias possuem
 outras referências poéticas
menos amargas que as minhas

                                                      Igor Zanoni

Beira-rio


Embora a vida seja plena de sofrimento, há épocas mais serenas, em que parecemos ter a alma calma como um lago. No início da faculdade em Campinas, eu e minha mulher alugamos de uma colega um quarto de fundos com um banheiro, e foi muito bom esse recanto onde estávamos quase sempre sós. Eu havia recebido de presente dos dezoito anos de meu pai um radio da pilhas Beira-rio, da Phillips, que pegava FM, o que foi um presentão na época. Durante estudava e trabalhava como ajudante em uma pesquisa, e à noite sobrava leitura para fazer. Às onze eu ligava na rádio Eldorado, que tocava musica clássica toda a madrugada. Em uma escrivaninha que trouxera de casa eu ouvia a rádio e estudava muito. Gostava particularmente de O Capital, que para nós parecia conter a ontogênese da vida e do mundo. Gostava muito de capítulos sobre a maquinaria e a grande indústria, o capítulo sobre a acumulação primitiva e sobre o capital a juros. Eram difíceis, mas eu chegava a copiá-los para que ficassem gravados. Talvez por isso ri tanto com meu amigo Newton que me contou que o grande Florestan Fernandes traduziu sem saber inglês, com a ajuda de um dicionário, uma versão naquela língua de Contribuição á Crítica da Economia Política. Eu entendi essa juventude desabrida do velho mestre, essa pretensão de quem descobre mundos. Para mim estudar foi uma segunda natureza, nem sempre, mas naquela época fui feliz como estudante e como um jovem esposo.


                                       Igor Zanoni