Pelo menos a alta madrugada os dois devem ter passado no terminal do Guadalupe, de onde partem os ônibus para as cidades tristes e pobres da região Metropolitana de Curitiba, bem em frente á igreja onde o padre Reginaldo Manzotti encena suas missas musicais e concorridas. Mas estavam ainda acordados de manhãzinha, talvez esperando a primeira condução. Não sei como a noite rolou, mas ainda dividiam uma garrafa de Jamel, uma das aguardentes mais em conta pelo custo-benefício. Talvez tenham dormido um pouco, a conversa aquietada como as brasas em uma fogueira, todavia ainda acesa. Mas havia ainda assunto por resolver, ou a energia precisava de um novo gás para que a noite não terminasse tão parecida com todas, e pudessem enfim se esconder em Campo Magro ou Campina Grande do Sul com certa sensação de completude na alma. Suas vozes aos poucos se alteraram, uma altercação antiga foi retomada, e se impuseram vias de fato. Levantaram-se como puderam, gritaram o que ninguém ouviu com nitidez, sequer eles, e o que estava com a garrafa quebrou-a com um gesto largo e circular no rosto do outro. A têmpora e o maxilar esquerdo deste começaram a vazar muito, mas havia tempo e disposição para mais. Lançaram-se um ao outro entre detritos de vidro, dentes, não sei o que mais, que esta estória é deles, e eu só consigo vê-la como um passante casual, mas sua sensibilidade, seu nervo, pertence a ambos.
Igor Zanoni
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