sábado, 13 de dezembro de 2014

Esta casa


nesta casa, comprada há tanto tempo em uma região então remota da cidade, hoje um emaranhado de vias rápidas e de acidentes cotidianos, faltou sempre e de modo crescente uma moça, que poderia ter existido, assoviando, no quintal que não há, uma música de que eu não gosto mas que saberia apreciar, enquanto desce a ravina com um cesto de laranja, ou de roupa que vai lavar nas pedras do rio, rio que também nunca houve mas de cuja falta deveria ter me ressentido muito antes, tanto quanto de ravinas, laranjas, cestos de roupa ou pedras. a paisagem precisa incluir os cães imprudentes, que nunca possuí , saltando sobre os vizinhos, quando lembram de quem passou tanto tempo ao lado e quase sem conversa,  nenhuma mais próxima e confidente, as crianças, estas hoje moços e, cada uma a seu modo, distantes, brincando com a terra de seu tempo atemporal, que subsiste mas não se diz bem onde. essas faltas combinadas surgem entre remendos da memória e a impossibilidade de esquecer o que tive de esquecer para viver, faltoso, carente, espremido em tantas diárias impossibilidades e incoerências.  em mim e em todos existe coerência mas esta não é uma cidade, ou um bairro ou um mundo e uma época que permitam coerência exceto enquanto sonho, sonambulismo, silêncios, vícios e pecados. felizmente estas exceções foram um grande dom, sem elas enlouqueceria, como qualquer um, e me completaram com um avesso percebido sempre na trama do vestido. e, é claro, de muitos modos houve essa moça, essas crianças, essa casa, como pudemos.  


                                                           Igor Zanoni

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