domingo, 22 de janeiro de 2023

Crônica de um vendedor de sangue

Neste livro de 1995, de Yu Hua, talvez o maior escritor chinês contemporâneo, mundialmente premiado, expõe três temas principais. O primeiro é o comércio ilegal de sangue onde chineses pobres vendiam em instalações sem preparo adequado sangue para complementar suas parcas receitas domésticas. Esse comércio termina na grande epidemia de AIDS do início dos anos 2.000, tematizada também em O Sonho da Aldeia Ding, de Yan Lianke, concluído em 2005. Outro tema articulado a esse é um drama familiar. Xu Sanguan se casa bem jovem com Xu Yulan e durante nove anos cria uma família bem ordenada com três crianças, Yile, Erle e Sanle. Após esse período descobre que Yile não é seu filho legítimo, mas fruto de um estupro que Xu Yulan sofrera pouco antes de seu casamento. Ele descobre isso ao perceber, como todos na aldeia, a parecença física de Yile com o homem que estuprara Yulan. Por muito tempo isso gera uma crise no lar em questão, mas o amor que Yile devota ao pai adotivo, que o criara, vai minando a dureza de Xu Sanguan, até o momento de clímax do livro, quando o rapaz contrai uma grave hepatite e Sanguan passa a vender sangue sem qualquer critério de prudência, para poder pagar as contas do hospital em Xangai. Com o tempo a família, passados os reveses dos primeiros tempos da Revolução Chinesa, se estrutura em termos financeiros, todos trabalham e Xu Sanguan, já sexagenário, não precisa expor sua saúde para sustenta-la. Eis o terceiro tema do livro, a pobreza chinesa e a luta por sua superação, que se dá no plano individual dos camponeses e operários e no plano nacional. O livro é de fatura realista, de escrita seca e contida ao mesmo tempo que bela, na qual o narrador se esconde atrás das peripécias da família Xu. Vale a pena conferir.

 

                                              Igor Zanoni

 

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