segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Gol

Gol

que alegria quando se faz um gol
pode ser em qualquer campinho
há uma efusão da alma
um momento que parece eterno
como o beijo em uma loira
ou gole longo numa cerveja
mas ai da defesa que toma um gol
são mil acusações mútuas
e o goleiro vira um mão de alface
se o jogo é profissional
que pressão da torcida
da diretoria
que mal estar para o técnico
nas reportagens de campo
a conversa do jogador
agora é corrigir os erros com o professor
e tentar recuperar os pontos
na próxima rodada
tudo bem ensaiado
mas por dentro se espera
a terrível conversa do vestiário
onde sobra um pouco
para todo mundo

                                              Igor Zanoni

Concreto

Concreto

veja essas paredes de edifícios
recortando a cidade em labirintos
difícil saber por onde se vai
mas há planos concretos
por onde se concentram
as áreas mais caras
e as outras onde se refugiará
quem não estiver dentro dos planos
os carros herdarão as ruas
as pessoas comuns ganharão
ônibus expressos para poderem
manter-se bem longe
e se construirão metrôs e canaletas
numa cidade que não é ponto de encontro
de cruzamento entre vias que ligavam
o leste e  oeste o sul e o norte
mas tentativas de separação
do pobre e do não pobre
unidos pelos laços da força
e da forca do dinheiro
dinheiro se faz
pessoas se fazem
ambos se perdem também
bem vinda a anarquia estudada e calculada
mas que foge da prancheta e da planilha
dos que usam o mundo
e o gastam como exigem
as leis do subdesenvolvimento irracional

                                 Igor Zanoni

domingo, 30 de outubro de 2011

Procura-se um gato


Eu comprei para meu filho um belo gato siamês, que veio bem pequeno e nos acostumou com sua paz felina, bem como com suas escapadas noturnas das quais chegava com fome e arranhado de manhã. Acontece que a vizinha da casa ao lado inventou de fazer um jardim no exíguo espaço ao lado da garagem. Colocou luvas, uma calça velha e plantou umas flores com seu gosto duvidoso fazendo um desenho que terminava com umas tabuletas dizendo “ bem vindo” e “welcome”. Mas meu gato não foi bem vindo. Já não era, porque fazia barulho à noite. O barulho a meu ver foi apenas uma chance de diálogo comigo, marcado pela intolerância curitibana. Para não perder o amigo, quero dizer, o gato, mandei castrá-lo, o que tirou parte de sua alegria de viver. Mas ele ainda gostava de visitar os outros gatos à noite e espiar a lua, deixando de lembrança um belo cocô no jardim da sua inimiga. Nova briga. Não tive nada a fazer senão dar o gatinho. Eis que senão quando a vizinha compra um segundo carro, destrói o jardim e faz uma garagem no lugar. Agora procuro de novo meu gato, com um pedido de desculpas por ser tão frouxo na nossa antiga amizade, e temer demais os vizinhos. Quem souber, ele atende pelo nome de Tom, é branco e cinza, pequeno, peludo e carinhoso.  


                                                      Igor Zanoni

sábado, 29 de outubro de 2011

O amor

O amor

o amor não é um sentimento natural
os mestres nos mandam amar
mas argumentam porquê
ensinam técnicas como orar
meditar
segurar os impulsos
identificam o amor com a sabedoria
passam a vida toda em severas posturas
de descontração do corpo do rosto
da mente
e na maior parte do tempo ficam sós
com sua concentração e seu propósito
a sua fé que também precisa ser alimentada
precisamos nos convencer que não é vã
que é um caminho
e nos momentos em que estamos frágeis
recorremos ao seu elixir
batemos com a cabeça no chão
nos prostramos pedimos
porque mesmo se não tivermos
amor e fé
aprendemos a esperança
quem não tem esperança
é um homem morto
e por pior que seja
amamos a vida

                                                                             Igor Zanoni

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Comédias românticas



as comédias de Billy Wilder nos anos cinquenta
traziam um realismo crítico
impensável nas comédias românticas de hoje
Jeniffer Aniston jamais será Shirley Maclaine
os dramas com Liz Taylor
tinham censura dezoito anos
eram todos lunáticos e alcoólatras
minha mãe entendia os filmes
e adorava as estrelas
eu gostaria de ver um filme atual
que fosse para maiores de dezoito
o que diriam que não diz
a banalidade dos filmes violentos e eróticos
para quem tem mais de doze anos?

                                                 Igor Zanoni

Povo



a massa pauperizada e desorganizada
o lumpen proletariado
a plebe a ralé a patuléia
o zé povinho a malta
o povão maltratado por todos
e que só tem a si
a sua vida semidesconhecida
objeto dos mais cruéis preconceitos
pelo estado os ricos a esquerda a igreja
dela eu não sei falar
nem poderia falar
posso falar em justiça e equidade
mas qual é a sua justiça
como me consideram seu igual?
sobre a luta de classes paira
a teoria geral das lágrimas

                                                      Igor Zanoni

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Pessoas sérias



com o passar da vida
as pessoas sérias que querem algo dela
assumem posturas
nas quais se fazem invioláveis
realizam-se por exemplo no trabalho
sabem tudo do assunto
e mudos fazem acordos secretos
porém o carinho resolvem de outra forma
ninguém é perfeito
dizem os que se sentem perfeitos
a liberdade não existe diz os que a negam
para si mesmos
esta arte da vida gera o tigre o dragão
a sereia
cuidado com suas ciladas
fechem suas portas para seus ardis

                                              Igor Zanoni

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Esperança

Esperança

viver é sempre difícil
e antes de cantar
“ quem espera sempre alcança”
melhor a marchinha
“ prá baixo todo santo ajuda
prá cima a coisa toda muda”
esperar alguma coisa depende
de alguns pré-requisitos
para bilhões esperar é vão
muitos nem esperam
estão por aí
mas quem pode esperar
leva o mundo para frente
bendita seja Pandora
que inventou a esperança!

                                                  Igor Zanoni

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Tempo



o terremoto na Turquia
é apenas mais um ou é o mesmo
 que ocorreu no Chile, Japão,
além dos tsunamis sucessivos?
e porque chove tanto em toda parte
em Curitiba, em Dublin
na Tailândia, na Costa Rica
o noticiário sobre o tempo
passou à primeira página
não se trata mais de como vai ser
o fim de semana

                                              Igor Zanoni

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Serena pessoa



talvez mais para pequena
mas robusta
os ombros e quadris suaves
mas largos
como seus maxilares e sua testa
fortes
de quem leva a sério a vida
mas sem rudeza
a pele clara os olhos em segredo
o  cabelo curto e liso
talvez claro
com uma rosa de veludo encarnado
como surge e se vai
tão serena pessoa?

                                             Igor Zanoni

Caixa



minha sensatez vem depois
antes dela vem meus desejo
minhas ilusões
mas me assusto quando meu mundo
corre o risco de enlouquecer
e me levar a uma loucura
que não é a loucura
que já conheço e com a qual
sei mais ou menos lidar
muito amor pode conviver
com muito medo
com passos em falso
caminhos dentro de uma caixa
mofada
entre aranhas e lagartixas
este mundo primitivo manda um aviso
não entre neste território proibido
é bom obedecer

                                                                        Igor Zanoni 

sábado, 22 de outubro de 2011

Esperar



cuidei de quem veio
muitos trouxe pela mão
mas para mim também
o sol se põe
e quero meditar pensar esperar
não tenho piedade por minhas cicatrizes
como diz Galeano em um conto
sem elas não seria quem sou
mas agora chorei bastante
e já é hora de parar com isso
sei que todos querem coisas
automóveis casas consórcios
eu agora apenas desejo
se é que isso é um desejo
meditar pensar esperar

                                                      Igor Zanoni

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Dieta



agora já não comemos
fazemos todos dieta
trocamos receitas de lasanhas
que não nos engordam no fim de semana
parece mesmo lasanha
álcool jamais
no máximo eventualmente duas latinhas
de cerveja
melhor meio cálice de vinho
que é bom para o coração
a cabeça deve ser feita
com meditação vida simples equilíbrio
a arte de viver está na internet
trinta minutos de exercícios por dia bastam
nas bancas de revista você acessa
informações adicionais
e mulheres sensacionais
para comer com os olhos

                                                                      Igor Zanoni

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Vento

Vento

nunca se pensa
está fazendo um vento fresco
mas antes o tempo está para chuva
e se sai a recolher a roupa no varal
e a por as crianças para dentro
aliás sempre se acha que criança boa
se cria dentro de casa
e que as outras são crianças de rua
o mau humor e o pietismo
têm vários nomes
elitismos de quem tem hora para chegar
porque amanhã tem de enfrentar
o trampo

                                Igor Zanoni

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

História

História

quando o mundo invade
nossa vida inconsciente
marcando seus sentidos
em um ser que passa a sentir
angústias e prazeres
incidentais e paralelos
não há sentido em buscar
 trajetos pessoais
fora da história coletiva
e passamos a ser trechos
dessa história
que fizemos e nos fez

                                                   Igor Zanoni

Sentido

Sentido

nesta altura da vida
ocorre-me que John Lennon morreu
há três décadas
que Nevermind foi lançado
há duas décadas
que mamãe morreu
há vinte e cinco anos
que na minha infância meu pai
foi um dos primeiros a comprar
no castelo uma televisão
ná mais de quarenta anos
poucas coisas me parecem
ter acontecido recentemente
porque os marcos antigos
pontuam minha vida
dando-lhe certo sentido retrospectivo

                                               Igor Zanoni 

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O cuidado de si



não importa viver como seus pais ou padres
ou professores ensinaram
ou como a ciência afirma a verdade da vida
e do cosmo
não importa descobrir o eu como outros pensam
lancemos a nós nossos ganchos
lancemos aos outros nossas redes
com ternura inventemos a vida
ofereçamos nossa vontade de viver
vamos mais que descobri-la
soterrada nos desvãos de nossa alma
criá-la  e reparti-la com todos
esta seja nossa ética e nossa estética

                                   Igor Zanoni

Senhoria

Senhoria

quando eu não me seguro
e te enlaço
você logo abre seus termos de compromisso
e sua política de privacidade
e só prossegue se respondo afirmativamente
às suas demandas
mesmo que eu esteja apenas te enlaçando
como costuma suceder
aos cabeças de vento
esquecidos de como alguém pode logo
erguer suas defesas
construir compromissos
confissões que devo assinar
normas para seguir a vida toda
regras da pacífica harmonia universal
feitas por uma senhoria tirânica


                                                            Igor Zanoni

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Esse jeito de amar

Esse jeito de amar

difícil amar quem se ama
há muitas demandas correndo
muitos desejos impossíveis
de compreender
sequer de atender
temos todos nossos planos
nosso jeito de andar no mundo
fora deles nos sentimos
sem eixo ou rumo
amamos é verdade
o carinho existe
pode durar toda a vida
amamos todavia mais
a nostalgia do outro
suas impossibilidades
como amar desse jeito?

                                                 Igor Zanoni

sábado, 15 de outubro de 2011

Dogen

Dogen

disse Dogen: o zen pode ser explicado
como “ os olhos estão na horizontal
o nariz na vertical”
eu entendo isto como:
se você se sentar e meditar
até eliminar todo apego
perceberá como as coisas são
em sua naturalidade


                                                Igor Zanoni

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Paisagem

Paisagem

1
só é possível cultivar o amor
quando se cultiva o desapego
ou o pretenso amor consistirá
em domínio
falta de confiança no caminho
que o outro vive
quem vive segue caminhos
que se bifurcam
mas secretamente se reencontram
no músculo
no caminho onde desaguam
pois o mar sempre recebe
todos os rios
da paisagem  

2
quem senta para meditar
tensiona a mente o tempo
o passado e o futuro
por isso deve ser paciente
pois põe em jogo
a tendência das coisas
prosseguirem como foram sempre
deixar o pêndulo do tempo
se aquietar
até não haver senão o agora
seguro como a lua
no céu e na poça de chuva

                                                       Igor Zanoni 

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Provas

Provas

todo aquele que vem ao mundo
deve repetir o curso da humanidade
para poder pertencer a ela
deve viver os romances familiares
e resolvê-los
descobrir a roda e a pólvora
o rude continente do sexo
e o tabu do incesto
aprender os mitos do seu povo
e respeitar seus livros sagrados
saber o que se pode ou não comer
ter medo de cobra e do tigre
aprender a se orientar na terra
olhando para o céu
fazer aniversários
e saber da passagem das coisas
trabalhar ter um filho
contar o que viveu
e ir como vão todos
de morte matada ou morrida

                                                                Igor Zanoni

                                   

Conselho

Conselho

que a dor não te sobrecarregue
aprenda com ela
depois bola pra frente
a tristeza é um jeito de olhar a vida
busque outros olhares
que não te punam como a um ladrão
que o teu sorriso não venha
apenas depois de um copo
sorria para tudo
a paisagem os pedintes os banqueiros
o teu filho a tua companheira
não ensine missa a quem se julga
um verdadeiro vigário
reze sua missa em segredo
como ordenou Jesus Cristo
não seja um rio represado
ou nunca verá o alto mar
onde brincam as sereias
e as baleias

                                        Igor Zanoni

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Paganini

Paganini

Quando eu ouvia Paganini
meu pai que era músico
comentava que o violinista
havia feito um pacto com o diabo
Também com Portinari
era essa a história
dizia que seu leito de morte
cheirava a enxofre
como alguém alcançaria só
tal virtuosismo?
Pois própria do homem
é a imperfeição  
mas o diabo apesar de diabo
goza em suas artes
de elevada admiração

                                      Igor Zanoni

Pato Fu

Pato Fu

os mineiros cultivam suas rezas
e suas pingas entre as crianças
que vão prá cá e prá lá
na casa com quintal
fazem mezinhas simpatias
eles mesmos já são um remédio natural
para qualquer diatribe
desajuste desânimo
quando uma moça como a Fernanda Takai
canta despretensiosa
de saias longas e chinelos
lembra uma dona de casa
como Adélia Prado
acho que ela é uma bruxinha
nipo-brasileira que fica direto
na trilha sonora da minha vida
parem olhem muitas vezes escutem sempre

                                       Igor Zanoni

Ciganos

Ciganos

o carro de som anunciava
o grande circo internacional
com o sotaque de todas as línguas
puxando ao cigano
que ciganos são é claro todos os circos
quando eu era menino tinha medo
das tendas dos ciganos
ainda hoje me falta ar sob a lona
meu filho custou a perder
o medo de palhaços
as artes tradicionais como o homem
rodam seu itinerário no mundo
de forma hoje um pouco esquerda
mas ninguém reclama dos filmes
que se engole pelos olhos
assim como se engole a Coca Cola
e um burguer king triplo

                                                             Igor Zanoni

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Ventura


Ventura

cum grano salis penso
que a maior parte das humanas relações
são sem cálculo
fértil invento que visa a recompensa
da vida dura e das esperanças
que nunca passam disso
desde crianças sonhamos com o céu
aceitamos que a vida no final das contas
será justa conosco
que as coisas acontecem por uma lógica
transcendental e incompreensível
mas que nos convém
não há nisso cálculo
há uma louca espera pela vida adiada
por um mundo ordenado
por conceitos claros
que se encadeiem para o nosso bem
também não penso nisso como ingenuidade
mas como o caldo da cultura
cristã e lusitana
que não se perdeu nos becos e vielas
da cidade que paira sobre nós
com suas ameaças de fim de mundo
graças a Deus somos assim
benditos todos os padres
melhor tolo que hipócrita
melhor a felicidade por um tempo
que a vida toda sem um pingo de ventura

                                                Igor Zanoni

domingo, 9 de outubro de 2011

CDA

CDA

o poeta anguloso
homem maduro como já não se faz
medita sobre sua cidade e o mundo
medita sobre sua alma
debruçada sobre ambos
e tem um modo terno e seco
de dizer a si próprio e aos seus contemporâneos
este é o homem este é o mundo
procuro-os porque me pertencem
como eu a eles pertenço
relação de amor e estranhamento
amor conquistado
estranhamento que impõe a si
para que tudo esteja no lugar próprio
na construção da poesia
pesado trabalho a que poucos se obrigam
como uma militância e uma análise
entre o futuro e o agora
vai o poeta esquerdo
surpreendendo quem o desconhece

                                       Igor Zanoni  

sábado, 8 de outubro de 2011

Fome

Fome

eu vejo pessoas viverem
uma vida que é dilaceração
e sofrimento
e deles se alimentarem
porque é só o que seus dentes
trincam
eu que não sei ensinar
penso que é a vida delas
e que cada um deve aprender
por si
mas a sua dor me conduz
por caminhos ressequidos
e minha saliva seca
com a fome que esqueceram

                                                 Igor Zanoni

Esperar

Esperar

Herman Melville escreveu uma novela curta e genial sobre um rapaz que adia todas as decisões que deveria tomar, como casar-se com sua amada, porque sente que deve esperar por algo muito importante que com certeza vai lhe acontecer. Sua vida se passa nessa expectativa e aos poucos se revela um infortúnio, porque o que deveria acontecer de fato acontece, mas ele não percebe como algo à altura do seu sonho. Ele acaba não vivendo, mas esperando a vida que bate à sua espera. Pois é a vida que o espera, e ele não percebe. Talvez por ser muito vaidoso, ou ganancioso, ou tolo, quem sabe? Talvez se julgue um príncipe que precisa ser desencantado um dia, um belo dia. Mas em alguma medida as pessoas estão sempre avaliando o que lhes cabe e esperando coisa melhor, ou apanhando logo o que vem. Talvez um pouco dos dois. Mas há sempre uma escolha por algum sistema. Eu vejo ao mesmo tempo pessoas que tem de optar entre isto e aquilo, e não conseguem se separar, se individualizar. Aí optam por papéis que parecem unânimes: a pessoa religiosa, a pessoa que se sacrifica pela família ou que não arrisca para fora dos limites em que cresceu. É claro que há coisas que nos esperam, mas elas acontecem se as aceitamos, ou então temos uma vida que não se completa, não satisfaz. Esperamos por alguma coisa, mas ela não acontece.


                                                       Igor Zanoni

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Beija-flor

Beija-flor


há beija-flores grandes e pesados
que mal se sustém no ar
enquanto se alimentam
logo param descansam um pouco
seu coração veloz
e tornam à paisagem
 como seres inesperados
donos de uma graça desajeitada
que faz as flores murmurarem
quando um deles se aproxima:
e ainda tem coragem de chamar-se
beija-flor

                                        Igor Zanoni

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Tecnologia

Tecnologia

A maior parte dos meus colegas e acho que as pessoas em geral tem grande apreço pelas inovações e pela tecnologia. Parece que ela criará para nós um mundo novo, sem doenças, desemprego ou pobreza, antes que seja necessário aprender a compartilhar e viver de modo mais lúcido as nossas relações conosco e o mundo como é hoje ou como está de fato se tornando. Ao invés de parar de fumar, fazer exercícios e ter uma dieta saudável, a tecnologia permitirá uma vida insensata e incrivelmente longa, parece ser a lógica. Com alimentos poluídos e de má qualidade, laços humanos egoístas e relações até mesmo perversas. Temos uma enorme necessidade da ciência porque ela é uma arma de combate político e econômico, não porque nos explique melhor as liberdades que nos são reprimidas e que poderíamos acessar. Mesmo religiões gostam de ciência e técnica, porque acham que elas explicam a estrutura do cosmo e dimensões que desconhecemos da vida. Mas é melhor aprender a dar mais sentido à vida, um sentido vital, o que aqui não é redundante, e a volúpia da ciência e da técnica não é o caminho. A religião não precisa pedir o aval da ciência, e isso não é obscurantismo. Vivemos um mundo extremamente violento e conservador, que pressiona ao máximo cada ser. A tecnologia só tem levado a mais do mesmo.

                      Igor Zanoni 

Aniversário

Aniversário

Essa incurável DST, a vida, agravou-se hoje com meus cinquenta e nove anos. Mas na verdade sinto-me bem melhor na atualidade que durante quase toda ela. Minha infância não foi prazenteira, quando adolescente tinha crises de pressão baixa e apanhava muito de meu pai sem jamais saber o motivo, depois sofri de síndrome de pânico por muito tempo, fechava-me em casa. Saí dessas graças a uma constelação de pessoas que foram meus amigos, irmãos, psicoterapeutas e mestres do darma. Tive nos livros grandes referencias, ouvi muita música, estudei bastante, fiz muita bobagem em geral por ser insensato e não saber lidar com as situações. Mas hoje por ora me sinto bem mais tranquilo, trabalho bastante, amo muitas pessoas e meus filhos estão bem. Adoro meus alunos, dou aula com prazer, escrevo, já não tenho nem uma gripe há um bom tempo. Essas doenças longas têm essas fases melhores, mas um dia morrerei dela, sem dúvida. É importante pensar nisso porque a grande mensagem do livro “Conselhos sobre a Morte”, de SS Dalai Lama é: a vida continua, espero que cada vez mais feliz e lúcida. Deve ser visto como uma grande oportunidade o fato de nascermos como seres que podem aprender a sabedoria. Até o dia em que, como na canção de Caetano, tenhamos com ela outro nível de vínculo.


                                                     Igor Zanoni
                                                                                                           


terça-feira, 4 de outubro de 2011

Dinheiro

Dinheiro

Segundo a Seleções do Reder´s Digest, você pode economizar mais de três mil reais por ano se não for à manicure ou ao cabelereiro com tanta frequência, se parar de pedir uma pizza nas sextas feiras, se cortar a balada e almoço em restaurante uma vez por mês e poupar outros gastos segundo seu perfil de consumo. No final do ano você não pode ir com tanta sede ao pote no Natal e nas férias fará programinhas curtos e baratos. Com isso poderá adquirir um produto financeiro como uma poupança ou uma renda fixa, ou uma pequena previdência privada. Aos poucos você garante alguns meses de sua velhice, ou algum tempo mais remediado nos meses sem emprego, sempre sem pizzas, sem unhas pintadas, sem sair do bairro e sem uma festinha de Natal na companhia de uma garrafa de champanhe. Não é tentador?

                                        Igor Zanoni  

Não me esqueça

Não me esqueça

preciso escrever poemas
porque meu lugar é impreciso
sonho com pistas das quais você
possa ser cúmplice
façamos isso juntos
esse fogo aceso que ilumine
não nossa razão
mas nosso senso de pertencer
a este ou aquele lugar
com suas esquisites e abismos
com seu céu que nos orienta
ao andar
guarde minhas palavras no seu coração
sinte se ele se acelera
ou plácido permanece
e escolha outro poema
ou esqueça e me esqueça

                       Igor Zanoni

domingo, 2 de outubro de 2011

Felicidade

Felicidade

A SS Dalai Lama sempre afirma que os seres humanos buscam alcançar a felicidade e abandonar o sofrimento. O objetivo do budismo como caminho de busca ética e compreensão das relações humanas visa exatamente esses dois pontos. A vida humana e de todos os seres é permeada pelo sofrimento, mas muitos que buscam alívio ainda insistem em vias dolorosas, como uma moral rígida ou permeada de autoritarismo. Muitos acham que a felicidade é para a outra vida, e que nesta é preciso prudência e vigilância, além de oração. Os santos da Idade Média flagelavam-se com cilício e outros meios de ampliar a coação sobre o prazer do irmão corpo. É verdade que o budismo prega uma moralidade, mas esta é lúcida e racional.  Passa por evitar os atos negativos da mente, da fala e do corpo, como forma de buscar o desapego e não fazer mal a nenhum ser. Por exemplo, o preceito sobre relações sexuais não é a abstinência, mas não fazer sexo impróprio, isto é, que pode trazer dano a alguém. Não por acaso a SS Dalai Lama tem se posicionado de forma mais flexível diante de temas como divórcio ou mesmo aborto. A concentração e a meditação levam a uma sabedoria feita de generosidade, compaixão, amor, bondade, alegria, e assim por diante, a uma real felicidade capaz de substituir a culpa e o remorso por uma profunda transformação do modo de perceber os seres e suas relações. Muitos vivem vidas ruins, tristes, mas pensam que se santificam com a comunhão e a piedade que inclui jejuns e diversas formas de despojamento, e essa é uma importante via para sua salvação. Mas sua confusão continua, inclusive porque seu desapego não diminui. Fica-se no mínimo apegado a essa figura melancólica que restringe os seres á família e aos que compartilham sua crença, ou a um ser sabe-tudo pronto a punir qualquer falta . O ceticismo fez crescer terapias não religiosas como as diversas formas de psicologia, mas em geral elas partem da identificação do desejo e de como pode ser realizado, desde que razoavelmente. O budismo vai além disso, mas mesmo chegar a esse ponto é doloroso. Pode-se admitir esse ou aquele desejo e manter uma autoimagem impecável? Por que buscar a felicidade? Porque é inerente essa busca ao ser humano, e não só a ele, mas a tudo que vive ou é autoconsciente. A felicidade consiste em cuidar de si e do outro, em viver vidas examinadas que nos livrem de dores naturais ou culturais. Não é necessário sofrer, é aflitivo e desumano.

                                         Igor Zanoni    

sábado, 1 de outubro de 2011

Chuva

Chuva

Por volta dos dez anos, passei muitas tardes sozinho, sem poder brincar por causa da chuva que sempre caía após o almoço. Ficava na janela, observando atentamente, sem pressa, os pingos grossos arrebentarem no barro da rua, e os raros animais que passavam deixando o rastro de suas bostas, cada uma com sua própria forma, pertencente à espécie. As janelas eram cobertas por uma tela de nylon por causa dos insetos, deixando uma névoa ainda maior de luz coada, atmosfera indistinta, na qual eu mesmo me perdia como um menino sem ninguém, totalmente só. Assim se aprende a solidão, o que é uma boa introdução à vida, embora para mim fosse ainda uma lição precoce. Parecia que os outros se escondiam em algum lugar da casa, eu não os ouvia, para mim havia apenas o tempo que eu não sentia passar, não me inquietava por parecer não passar, não ir embora. Eu me tornava espectador do pequeno território de minha vidinha, entre bois desocupados e cavalos mansos, que sabiam o caminho da casa. Eu nunca soube muito bem o que era minha casa, tenho muitos flashes destes, daria para encher um álbum, denso e inquieto para quem o olhasse, esperado e dolorido para mim, como seu habitual espectador. Minha mãe, meu pai, meus irmãos, meus professores do Instituto Santa Maria, os amigos poucos, a igreja batista, o rio sereno na planície pantaneira, nada era lembrado nem esquecido, estava porém silencioso, cada coisa em seu lugar, na ordem que eu podia dar ao mundo, ordem que era obra de um menino, sem expectativas, sem grandes perdas, atento à chuva. Eram tempos nos quais sentia  a eternidade magnífica do mundo antes da criação, enquanto eu devagar nascia de dentro de mim, como qualquer criança nasce.

                                          Igor Zanoni 

Os dentes da cólera

Os dentes da cólera

os cães de rua sabem quanto são
quem são e quando um falta
veja um deles desaparecer
na sanha assassina do asfalto
quanto choro e ranger de dentes
quanta dor em seus uivos tenebrosos!
mas experimente uma briga com alguém
logo se chega à maledicência
ou às vias de fato
mágoas para sempre
experimente alguém passar mal
no calor de outubro
ninguém oferece ajuda
ninguém pergunta onde mora
experimente perder seu amor
quantas diatribes lançadas em rosto
quanta lembrança de lágrimas passadas
e cobradas uma a uma com juros de agiota
ai de quem sofre! que mal perdedor!
perdas de que? ganhos de que?
lentos se vão os dias amargurados
como fel nos dentes da cólera!

                                          Igor Zanoni