Chuva
Por volta dos dez anos, passei muitas tardes sozinho, sem poder brincar por causa da chuva que sempre caía após o almoço. Ficava na janela, observando atentamente, sem pressa, os pingos grossos arrebentarem no barro da rua, e os raros animais que passavam deixando o rastro de suas bostas, cada uma com sua própria forma, pertencente à espécie. As janelas eram cobertas por uma tela de nylon por causa dos insetos, deixando uma névoa ainda maior de luz coada, atmosfera indistinta, na qual eu mesmo me perdia como um menino sem ninguém, totalmente só. Assim se aprende a solidão, o que é uma boa introdução à vida, embora para mim fosse ainda uma lição precoce. Parecia que os outros se escondiam em algum lugar da casa, eu não os ouvia, para mim havia apenas o tempo que eu não sentia passar, não me inquietava por parecer não passar, não ir embora. Eu me tornava espectador do pequeno território de minha vidinha, entre bois desocupados e cavalos mansos, que sabiam o caminho da casa. Eu nunca soube muito bem o que era minha casa, tenho muitos flashes destes, daria para encher um álbum, denso e inquieto para quem o olhasse, esperado e dolorido para mim, como seu habitual espectador. Minha mãe, meu pai, meus irmãos, meus professores do Instituto Santa Maria, os amigos poucos, a igreja batista, o rio sereno na planície pantaneira, nada era lembrado nem esquecido, estava porém silencioso, cada coisa em seu lugar, na ordem que eu podia dar ao mundo, ordem que era obra de um menino, sem expectativas, sem grandes perdas, atento à chuva. Eram tempos nos quais sentia a eternidade magnífica do mundo antes da criação, enquanto eu devagar nascia de dentro de mim, como qualquer criança nasce.
Igor Zanoni
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