sábado, 24 de março de 2012

Casa dos outros


A casa da vizinha de frente, a dona Cecília, era sempre fechada, em parte porque o seu filho doidinho quando achava uma brecha saia correndo pela rua. Para onde? Nem ele sabia. Devia ser uma angústia viver fechado. Dentro de casa a mãe tinha sempre os olhos nele, um homem já, meio gorducho, com uma barba rala. Eu ia até lá para telefonar, porque nessa época não tínhamos telefone. A garagem vazia era iluminada por um nicho de Nossa Senhora, com uma vela votiva sempre ardendo. Qual seria a promessa? Que Eduardo não fugisse? Ele mal pronunciava uma sílaba, mas nos olhos se percebia um ardor de vida que poucos mais ajuizados têm. Nunca vi seu pai. De tanto ficar fechada a casa acumulou um cheiro ancestral de frituras, cera de assoalho, velas queimadas. Acho que nunca ali dentro bateu um ventinho, um raio de sol. Sentia-me mal ali dentro, quando a meninice me fazia fugir daquela solidão e daquele mofo. Mas ficava minha indagação, minha curiosidade, sobre aquelas vidas encerradas, na cidade cheia de sol. Por isso quem ia telefonar para minha mãe era sempre eu, voluntário de primeira hora. Talvez eu já fosse fascinado pelos paradoxos e inquietudes que acompanhei e vivi minha vida inteira. Sem eles não valeria a pena viver, sem percebê-los não compreenderia ninguém.


                                                          Igor Zanoni
                                               

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