sábado, 21 de julho de 2012

Os benditos


Amar a todos de modo geral e equânime é mais fácil do que amar e se relacionar com pessoas específicas. Os benditos aprendem isto centrando o foco no continuum da respiração, e acabam encontrando nele o continuum do seu ser, que permanece vida afora e vidas afora. Com isto podem se desapegar do que é específico, do instante e da existência, e encontrar um centro na vida que mal pertence à vida e suas vicissitudes. A partir daí pode-se aceitar, por exemplo, uma criança que dizem ser sua, ainda que não seja, e cuidar dela com desvelo. Se a tirarem amanhã de você, pode devolvê-la com o mesmo desprendimento. O pecado perde seu gume, sua razão, pois ele não é senão a realização de um ato que pode ser praticado retirando-o do depósito dos atos e intenções humanos e devolvido a este; sempre é melhor mudar que pedir perdão. Não é difícil enlaçar-se pelos atos não meritórios da fala, da ação, do pensamento, e não ser conduzido pela prática das virtudes. Mas o desapego torna isto mais ao alcance de cada um, se notamos que tudo que acontece, todos os atos, são conjunções que não valem nada diante do eterno. São fortuitos, construções que se desmancham, diante do vazio que se abre no continuum da respiração e da vida. Os benditos deixam de viver para ser imortais, ou melhor, escapar do ciclo de vida e morte sucessivos. Para eles se torna menos dolorosa qualquer relação, e podem amar, ser compassivos, alegres, dentro da cidadela do seu ser. Por isso são serenos, seu rosto é sem rugas, sua força se conserva, ai dos benditos!


                                                               Igor Zanoni



                                                         
                                                 

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