quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Lixo

Lixo

cuidado quando achar
que sua vida é um lixo
que a alegria já era
e que você está ferrada
cuidado quando arranjar
mil argumentos mostrando
que as coisas são assim mesmo
cuidado quando não se cuida
quando nada funciona
cara você está numa pior
ao ver que sua vida é um lixo
mas o princípio da sabedoria
é o incômodo
a filosofia não é uma arte alegre
vai em frente e enfrente

                                                  Igor Zanoni

Super-homem


se você sai à rua
certas horas da noite
não em lugar como que dizem
 periférico
mas no centro onde as coisas acontecem
e as pessoas estão
você sente sua tensão
começa a pensar em seus valores
em como sua vida mesmo quando ruim
é boa e segura e também insípida
começa a apostar sua alma
e a não querer nunca mais
voltar de onde veio
se você for frouxo
pense antes de sair
de seu mundinho babaca
de sua vidinha à toa
pense bem
porque o mundo não é
para super-homens

                                                          Igor Zanoni

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Ele

Ele

Ele não está em um lugar
alto e oculto
nem preso entre imagens
e viagens a templos e santuários
mas entre nós
talvez não exista de modo positivo
mas constrói-se nos nossos gestos
nas nossas intenções
é tolice pedir-Lhe milagres
isto está ao alcance de curandeiros
e de benzedeiras
talvez não se importe
em ser considerado grande e todo-poderoso  
talvez mesmo seja fraco
mas isso depende do que fazemos
e do que queremos
não há Senhor distante de nossa vontade

                                                             Igor Zanoni

domingo, 28 de outubro de 2012

Procura

Procura

sigo procurando o que eu
 não consigo esconder
essa coisa obscura
que não passa na tevê
não está plena nos livros
evasiva dá as caras
sorri e se manda com você
de que fala a música
maestro qual é a música?
por quem oram os não muito santos
quando precisam de verdade
aprender a viver
até o fim dos meus dias
até meu último adeus
até minhas últimas palavras
até o mínimo suspiro
quando eu tiver de morrer

                                             Igor Zanoni

Salmo


muitas vezes estou com medo
não tenho clareza sobre o que acontece
não sei o que posso fazer
dentro do que eu posso e me permitem
dentro do que esperam de mim
muitas vezes estou tão perdido
cansado das pessoas que não me dão caminho
nem passagem
estou marcado por minha vida
e por meus laços
não sou uma pessoa ingrata
mas tudo isto tantas vezes não basta
e até me deixa também confundido
por isso em minha vida
desde pequeno aprendi a estar perto do Senhor
mesmo que Ele não possa fazer nada
é meu amigo e não piora as coisas


                                             Igor Zanoni

sábado, 27 de outubro de 2012

Apenas humano


Apenas humano

momentos de plenitude
de completude e paz na vida
pode-se ter com uma dose de pó
ou com um surto maníaco
você vira invencível um deus
viver uma vida com sentido
para si e o outro o próximo
é mais barato e bem mais difícil
demora muito mas assegura
uma identidade humana
um coração desperto e compassivo
como isso é difícil!

                                                   Igor Zanoni

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Kaiowá-Guarani


despidos
desabrigados
desolados
desiludidos
lúcidos sabemos
quão distante
a terra onde se vive bem
e agora só podemos morrer

                                                 Igor Zanoni

Interiores


a paz a paciência
a alegria serena
pertencem ao nosso interior
o pastor tenta indicar
onde em nós podemos encontrá-los
os que andaram por mil caminhos
nos contam como andar por mil caminhos
mas não como buscá-los
o tigre tem seu abrigo
mas nós não temos nossa caverna
de onde escapamos do mundo
melhor enfrentar essa situação
somos seres deslocados
mas dizer isso já é dizer
que viemos de um lugar em nós
para o qual já não podemos voltar

                                                              Igor Zanoni

Alzheimer

Alzheimer


dizem que essa doença começa cedo, e eu vi muitas pessoas sofrerem inapelavelmente dela. só meu neurologista atende cem paciente de Alzheimer. para saber se estou bem, faço testes periódicos comigo, como lembrar o nome das pessoas, o que para mim é difícil, lembrar o enredo de um filme, no que vou sempre mal. tenho facilidade em guardar palavras pouco usadas, como retícula. outro dia vi uma moça com um tecido vaporoso nas mangas e lembrei o nome do tecido: era um tecido com que se faz véu, não sei mesmo o nome, isso não foi esquecimento. lembro a escalação do Santos em 1962, quando foi campeão mundial, e o nome dos principais jogadores que passaram no clube, mesmo não tão famosos, como Joari e Manuel Maria ou Kaneko. estes testes são meio chatos, mas provam sempre que não estou doente, que eu estou como sempre fui.

                                                   Igor Zanoni

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Ler


pede-se que leia
que se contemple o livro
que se peça sobre o texto
entendimento
não apenas humano
mas do alto
muitos o leem a seu modo
mas é preciso ler
antes de uma forma estrita
e obediente
é preciso ler com diligência
ao mesmo tempo
que se trabalha e ora
há uma única maneira a rigor
como uma lâmpada
que ilumina a noite
como uma lâmina
que revela o entendimento
como uma faca da qual
se pode morrer ou viver



                                                                          Igor Zanoni

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Herança


entre os dons do mundo
recebemos herança difíceis
que não podemos ou queremos
recusar nem aceitar
temos de avalia-las por longo tempo
pensar em cada aspecto
tentar essa e aquela forma
de faze-las caber em nossa vida
se somos felizes
 encontramos essa forma
se somos fatalistas
não colocamos nada em discussão
detestamos rupturas
mas se somos mais difíceis
e não vemos as coisas com facilidade
somos obrigados a  uma vida
meditada


                                                         Igor Zanoni

domingo, 21 de outubro de 2012


a possibilidade da fé
não está dada a todos
muito menos seu significado
há condições do tempo
do lugar
de onde se nasce na sociedade
assim mesmo que se busque
de modo incessante a fé
que como Kierkegaard
se trabalhe cantando
escreva-se sobre o absoluto da fé
e até se julgue que vá morrer
com trinta e três anos
a fé é para muitos uma aposta
nem sempre exitosa

                                                   Igor Zanoni

sábado, 20 de outubro de 2012

Mudar o mundo

Mudar o mundo

quando estudante
li livros de economia e sociologia
para compreender o mundo
e poder mudá-lo
quando estive triste mais tarde
estudei teologia e filosofia
fiz análise e aprendi sobre Freud
para mudar o mundo e eu mesmo
todo o tempo li literatura
amei Graciliano Guimarães Rosa
tantos outros que me ensinaram
a sentir a pele das coisas
a sensibilidade do mundo se aguçou
e aprendi a tocá-lo com delicadeza
e ser cuidadoso para mudá-lo
mas o melhor foi ter meus filhos
e ser sempre amigo deles
uma pessoa visitou minha casa e comentou
“como seus filhos são diferentes!”
mas outro amigo respondeu
“claro, pois são filhos dele”

                                                                     Igor Zanoni

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Canções de amor


não gosto de canções de amor
mesmo quando belas
mal tocam o que o poeta
chamava seu “mistério”
as pessoas têm necessidade de amor
mas este é um desfio ao futuro
quem ama senão de forma casual
                                             inconclusa impermanente? 
o amor se satisfaz de várias formas
em nosso mundo mutável
sem a fixidez das formas antigas
que tampouco eram boas
sobraram sonhos
só há amor no futuro
amor como esperança e talvez fé
e há amor nos túmulos
pois viver é conhecer
sempre mais próxima
a forma de nossa morte

                                            Igor Zanoni

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Sonho


nem sempre podemos
ou devemos
satisfazer nossos desejos
aliás a riqueza do mundo
vive em um deserto de insatisfação
mas podemos conhece-los
entender suas condições
isso é melhor que crer
em uma razão abstrata e crítica
beirando a ética e a retórica
assim na penumbra vivem os sonhos
e nossa vida não sai ao sol
que desperdício de vitalidade!

                                                  Igor Zanoni
                                                             

Pulgas


acho que o problema são as pulgas
a gente vai ao cinema
toma um chope na cidade
olha as pessoas
tudo vai bem
mas quando chega em casa
as pulgas sobem de novo
pelas pernas

                                                          Igor Zanoni

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Por do sol


o por do sol para quem está a leste
é nascer do sol para quem está a oeste
ao mesmo tempo é claro
no mesmo momento
em Tristes Trópicos há páginas e páginas
descrevendo o por do sol
no amplo horizonte do mar
como é o nascer do sol
para quem faz a viagem na direção inversa?
deve ser parecido
mas não foi descrito por Claude Lévi-Strauss
então não teremos nunca certeza


                                                               Igor Zanoni

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Trégua


muitos precisam já
resolver urgentes pendências
suas cabeças giram em vertigens
entre problemas que não sabem resolver
e a ansiedade de uma saída
muitos dão o tempo todo tratos à bola
preocupados com o rol de pequenas misérias
pequenos mal tratos da nossa humana condição
sim há o amor insatisfeito
há muitas frustrações pois todos cobram
que você isto ou aquilo
face o valor das coisas
    que  o mundo é um avarento negociante
e belo tratante
sim há muitas respostas por buscar
e perguntas nem sempre bem feitas
há ansiedade que não acrescenta
um milímetro no caminho de uma solução
sem dormir perdendo-se em promessas
de que esperam mágicas
precisando de outros para mais uma cerveja
mais uma conversa tensa
rindo apenas com o encontro que dissipa
a sensação de solidão e isolamento
mas fugaz termina logo e nem sempre bem
por isso antes de pensar em qualquer coisa
a pessoas precisam descansar
precisam dormir desligar
como o paciente ferido de guerra
que tem a seu lado uma enfermeira
que o mima e relaxa
as pessoas precisam relaxar
a alegria começa num corpo tranquilo
na suavidade no toque ameno
as pessoas andam mais rápido
do que suportam
vamos todos parar juntos um momento
e dar à vida uma trégua


                                                            Igor Zanoni

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Salvação


Meu pai estudou muito a Bíblia, de modo autodidata, como era costume na época, mas não tinha fé, e seu amor era escasso. Como militar de velha cepa, autoritário e positivista, estudou e frequentou assiduamente o espiritismo kardecista, mas se desiludiu. Seu argumento favorito era que Alan Kardec pretendia uma síntese entre religião, filosofia e ciência, mas nunca se decidia onde se encontravam seus argumentos, em uma ou outra dessas áreas. Decidiu-se por algo prático e individualista: tornou-se exímio praticante de certas técnicas do Hatha Yoga. Era capaz de adormecer em meio a uma festa, em segundos, controlando a respiração. Morreu assim, talvez sem perceber bem a experiência da morte. Mas tratou de muitas crianças nos orfanatos de Campinas, e fez com mamãe muita obra social nas igrejas pelas quais passou. Certamente se salvou por suas obras.


                                                                 Igor Zanoni

Hino


esperei com paciência no Senhor
e Ele se inclinou para mim
e ouviu meu clamor
eu sou um pobre necessitado
mas o Senhor está cuidando de mim


                                                    Igor Zanoni

domingo, 14 de outubro de 2012

Apego



amar não é uma troca
não se cobra juro
nem se espera troco
depois de uma briga
não se acerta com raiva
uma partilha do mínimo
pedaço do mundo que nos coube
só se pode amar
desprendendo-se de tudo isso
se alguém quer algo
que lhe seja dado
se pede para andar com você
 dez anos
não faça a conta dos anos
agradeça e não sinta
necessidade de dar ou receber
sem apego ou ódio
não se guarda nada no passado
não se reencontra nada no futuro


                                                                                 Igor Zanoni

sábado, 13 de outubro de 2012

Positivismo e psicanálise



1
alguém na faculdade descobriu que as empresas paranaenses vendidas nos anos noventa para o capital externo pertenciam a empresários ligados ao Apostolado Positivista em Curitiba, o único ou último do Brasil. o fato é estranho, e merece ainda uma interpretação.

2
a professora Osny Marcondes percebeu que entre o analista e o analisando forma-se um vínculo transferencial que por assim dizer cria uma terceira entidade, com a qual ambos lidam durante os anos de análise. o vínculo está a seu ver a merecer um melhor entendimento diante dessa descoberta.

3
também os celulares, segundo penso, criam vínculos duráveis e particulares, pois se pode por preços módicos falar quanto se queira com pessoas para a s quais se transferem emoções cotidianas em tempo real. se a conversa não flui bem por um momento, sempre há outros números para discar, de modo que os mecanismos transferenciais são mais instáveis, pois se pode fugir deles e substitui-los por outros, tanto quanto se queira. essa é uma precariedade dos aparelhos celulares.

                                                   Igor Zanoni

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Cara


a nossa cara vem no jornal
o nosso rosto já esquecemos
originário e sereno
temos essa expressão genérica
a cara
que se angustia com as notícias
mas não muito
porque não as entendemos
preferimos entender outras coisas
e ganhamos a sabedoria
das barbearias

                                                                                 Igor Zanoni

O que vem no silêncio


O que vem no silêncio

a vida segue enquanto dormimos
na cidade há taxistas insones
há pessoas que não podem dormir
por medo e enorme excitação
os fuzis soam na noite
às vezes chegam muito perto
as explosões
mas para nós o incômodo ainda
não é muito grande
vamos ao supermercado
vamos ver um filme com as crianças
trabalhamos pois temos o privilégio
de ter um trabalho
o labor segue ininterrupto
duzentas mil pessoas desaparecem
por ano no Brasil
às vezes no próprio bairro
acontece com uma criança de um vizinho
mas como nos distanciamos do vizinho
nos preocupamos um momento
depois voltamos a dormir
não temos muito com que nos preocupar
mesmo assim a vida segue
com inúmeros pequenos percalços
já não dizemos meu amor
já não aguardamos o que vem no silêncio
felizmente ainda pegamos logo no sono
essa é a grande certeza
de que tudo ainda vai bem para nós

                                                                Igor Zanoni

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Balanço da vida



1
comecei a dar um balanço na minha vida
quando mamãe me desmamou
eu logo perguntei: o que é isso?
e virei filósofo existencialista

2
agora que virei sex
continuo como sempre
ao lado dos fracos e comprimidos
com a condição existencial
de estarem ao meu lado
os frascos e comprimidos
(foi um trocadilho velho mas verdadeiro)

3
disse nesses dias aos meus alunos:
até agora tratei vocês como filhos
mas daqui para frente vou tratar como netos

4
também disse a minha mulher:
se quiser me deixar faça isso logo
porque logo eu vou ser forçado
a deixar não apenas você

5
daqui para frente não pago mais ônibus
e entro de graça no cinema
mas eu tenho poucos cabelos brancos
acho que vou dar uma descolorida

                                                  Igor Zanoni   

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Encontro com livros e mestres


Quando jovem estudante de economia no antigo Departamento de Economia e Planejamento Econômico da Unicamp, fiquei várias vezes impressionado com livros e autores que pareciam rasgar para mim a paisagem e mostrar caminhos do mundo que eu sequer suspeitava. Um dos primeiros foi o clássico Os Argonautas do Pacífico  Sul, de Malinowski, logo no primeiro ano. Hoje sria impensável a qualquer curso no Brasil oferecer esse texto ou autor na graduação, sequer no primeiro ano. Mas a mim parecia estar lendo uma versão sofisticada de Robert Louis Stevenson ou Joseph Conrad. O que me encantou foi o encontro com a história de povos complexos e longínquos, preciosos na trama ritualística de sua vida. Anos mais tarde um amigo bastante jovem também como eu era anteriormente, disse-me que Malinowski já não tinha importância e não era mais lido. O pior é que ele estava se formando em antropologia, sequer em economia, o que talvez explicasse seu parecer. Outro livro que me impressionou foi o clássico de Engels A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. A mim, jovem interiorano em São Paulo, o livro explicava rigorosamente, achei, a passagem do tempo e do mundo, com suas formações sociais, produtivas e institucionais, terminando em uma lúcida e generosa visão de Engels sobre problemas contemporâneos ainda sobre o amor e o casamento. Este livro me levou a Morgan, e li logo seu A Sociedade Antiga. Perguntei a um professor se havia autores que haviam levado adiante as pesquisas de Engels, e ele mal me respondeu ou me pareceu dizer não. Fiquei perplexo, porque o mais importante para mim tornara-se discutir a historicidade da sociedade e suas instituições, bem como suas relações internas. De qualquer modo segui esbarrando em livros que foram fundamentais para mim. Se eu fosse estudante de outra área, como a biologia, teria me fascinado á época com as descobertas de Watson e Crick, por exemplo, ou por uma nova receita se fosse um chef. Há sempre fascínio nesse mundo secreto e curioso que é o nosso. Ele é mesmo um mundo trágico, que talvez esteja em colapso, mas também aí há maravilhas a descobrir. Quem não ficou fora de si ao ler Sartre ou Simone de Beauvoir quando jovem? Monteiro Lobato sabia disso quando escreveu sua série de livros infantis sobre aritmética, geografia, engenho humano ou mitologia grega. Porque, para uma criança saudável, pode-se estudar qualquer coisa e gostar o que se estuda. O mundo é maravilhoso, e o livro, entre outros inventos humanos, como a música e o cinema, estão plenos do espírito que deve ser de todos nós.


                                                      Igor Zanoni  

domingo, 7 de outubro de 2012

Mudar o mundo


não mudaremos o mundo
não faremos as reformas de base
nem a revolução burguesa
nosso partido se acabou
já não é tempo de partidos
embora ainda seja de homens partidos
consumiremos a vida em uma trajetória
precária que pode ser interrompida
pela mídia pelo centrão por um tiro
por uma saidinha de banco
já não faremos a exegese das obras
de tantos autores que eram nossas antenas
se você fizer comentários  sobre este dado inelutável
só os mais velhos entenderão
acendendo confortáveis charutos cubanos
nossos amigos nos chamarão de jacobinos
se não fizermos voto útil
mas nenhum voto útil foi até hoje útil
passou desapercebido
eu você passaremos desapercebidos também
entre dívidas e poucos realmente próximos
as alegrias foram engarrafadas
ou viraram literalmente pó
não serei o poeta de um mundo caduco
que de fato serei

                                                             Igor Zanoni

Fim da vida



no final da vida sempre fazemos
coisas surpreendentes
a rotina que nos movia emperra
o trabalho já não flui como antes
e o amor ah o amor
como entende-lo sem nossa radical
insatisfação e desamparo?
a velhice nos deprecia
se não somos endinheirados
a vida nos humilha
porque já não temos expectativas
de que coisa alguma mudará
lembrem o velho Marx
doente e enlutado
tentando buscar sua últimas forças
no sol do litoral da Argélia
aquele mesmo de que falará Camus
em Bodas em Tipasa
cortou suas famosas barbas
inúteis na sua solidão
lembrou ainda uma vez Jenny von Westphalen
e voltou para morrer
à sua mesa de trabalho
ainda corrigindo um manuscrito
ainda buscando notícias do continente
mesmo que tudo isso já não fizesse sentido
para alguém marcado
pelo último beijo da morte
surpreende essa crença
de que viveremos para sempre
que não nos abandona parece
mesmo quando nossa fortaleza
está minada e sem recurso
ainda acrescentamos aqui e ali
um comentário cujo propósito ninguém percebe
ainda acrescentamos um esclarecimento
a quem? para que?
escrevemos uma carta
falamos em um diálogo indecifrável
com um amigo de sonhos perspectivas
com que sentido?
que lastimável desolação!


                                                       Igor Zanoni

sábado, 6 de outubro de 2012

Videntes


os que enxergam viram a cabeça
para cá e para lá nas janelas
buscando as novidades
mas os cegos sobem o ônibus devagar
a cabeça para frente
segurando suas bengalas de metal
porque nada têm mais que ver no mundo
já os videntes põem as mãos sobre os olhos
e se afanam em transmitir
as notícias do além
para os humildes e os enlutados
unindo mundos num fraternal abraço


                                                                    Igor Zanoni

                                                                              

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Pessoas


de todas as pessoas que conheci
e foram importantes no meu dia a dia
lembro-me de muito poucas
cujo destino às vezes nome ignoro
não posso recuperá-las
eu que tenho o hábito de cultivar amizades
que envio esses obsessivos poemas
também não poderia ter conhecido
quase nenhum dos autores que me são caros
ou pessoas que fizeram com as mãos
um mundo mais bondoso para mim
você que ainda está ao meu alcance
viva uma vida menos ingrata que eu
ao menos à solidariedade humana
 podemos dar um nome:
amor acaso bom coração


                                                      Igor Zanoni

O assim chamado "rombo da Previdência"




A mídia não se cansa de repetir inverdades, com fins que se adivinha, que fazem a delícia dos conservadores e fazem os mais pobres desistir de lutar contra o que parece ser seu destino. Assim ocorre com o famoso “rombo da Previdência”, que impede, supõe-se, maiores reajustes ao salário mínimo e aos proventos de aposentados e pensionistas do INSS. Acontece que esse rombo não existe. Como ensina a professora Angela Welters, minha colega de departamento na UFPR, ele surge de causas como: 1) os assalariados recolhem no contracheque sua contribuição previdenciária, assim como s empregadores, mas o governo não destina todo o valor, longe disto, à previdência; 2) há uma dívida enorme patronal com a previdência, que o governo federal não cobra; 3) uma parte das receitas da União são conservadas como reservas que a União pode fazer discricionariamente, para fazer face a necessidades do ano, por exemplo, para procurar desemperrar a economia, e as receitas previdenciárias estão aí nessas reservas; 4) há gastos com assistência social, encargo que deve ser do Governo Federal, somado aos custos da previdência, o que é equivocado. O “rombo” da Previdência é pois dinheiro que o governo deve a si mesmo, além do que os patrões devem. A quem interessa essa inverdade com que a mídia assusta o desinformado povo que vê televisão ou lê jornal?
E há economistas bem situados que ajudam a fabricar essa farsa. No livro Brasil: A Nova Agenda Social, organizado por Simon Schwartzman e Edmar Lisboa Bacha,e que reúne um rol de intelectuais ligados ao PSDB, há vários artigos insistindo no corte de pensões de viúvas, no drama da população que, envelhecendo, se aposenta “cedo demais” e outras balelas. É melhor conferir a verdade com o próprio IPEA, do próprio Governo Federal.


                                                                      Igor Zanoni



        

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Amor-próprio



todos conhecemos pessoas
que passam a vida recentrando-se
destilando-se
tornando-se seu tipo ideal
e a cada ano mais se parecem
com o que sempre
imperfeitamente embora
foram e cada vez mais são
por puro regozijo com sua pessoa
por um elevado e feliz amor-próprio
sem se importarem com qualquer
opinião alheia
que desconhecem na sua jubilosa
identidade

                                                              Igor Zanoni